Um exemplo: a coerência, a sequência e a articulação dos conteúdos da segunda parte da unidade 0 e da primeira parte da unidade 1 do programa de biologia de 10º ano
Há mais de um mês comecei a batalhar no estudo dos constituintes celulares com as minhas turmas de 10º ano de escolaridade. À distância as coisas são ainda mais difíceis, porque as aulas práticas de microscopia, sempre aliciantes, só são possíveis no laboratório. Descritos sumariamente os tipos de células propostos e os seus organelos, descemos ao nível dos constituintes químicos com referência ligeiríssima às substâncias inorgânicas (água e sais minerais), para nos demorarmos um pouco mais nos compostos orgânicos (prótidos, lípidos, glícidos e ácidos nucleicos). Como a generalidade dos alunos trazem noções rudimentares de química dos anos anteriores, e nem todos nem a maior parte, a “assimilação” é, para a maioria, muito problemática.
Na unidade 1 entra-se com o estudo da membrana das células. A sua ultraestrutura, a composição, as propriedades dos constituintes e, por consequência, as suas caractérísticas e funções. De seguida, os tipos de transporte através ou envolvendo a membrana e o modo como se processam. E aqui tudo bem. Há coerência. O resto seria trabalho.
Mas eis que, das membranas, se passa para a digestão intracelular, como se a relação fosse directa e consequente, logo facilmente apreensível. Daqui segue-se, em velocidade, para o estudo da evolução dos aparelhos digestivos dos animais, dos mais simples para os mais complexos [sendo de «evitar o estudo pormenorizado da morfofisiologia dos sistemas digestivos» (pg. 80 do programa). Pudera!], terminando no ser humano, no que seria retomar e ampliar o estudo realizado no nono ano. O artificialismo e a abrangência são notórios e a rapidez com que tudo se dá prejudica seriamente a apreensão rigorosa (e mínima) dos conceitos implicados e das suas múltiplas relações. Como se fosse pouco, sobra outra dificuldade. O papel dos catalisadores biológicos ou enzimas, surgido a propósito da digestão. Este estudo poderia ter sido introduzido atrás, aquando da referência às diversíssimas funções dos prótidos, no fim da unidade anterior, ou agora, no reforço do papel e da importância das enzimas digestivas. Porém, o programa da disciplina, relativamente às enzimas, apenas propõe «recordar e/ou enfatizar as funções principais das macromoléculas (estruturais, energéticas, enzimáticas, armazenamento e transferência de informação)» [pg. 79]. E a «operacionalização das aprendizagens essenciais» um documento que devia ser esclarecedor, repete: «caracterizar biomoléculas (prótidos, glícidos, lípidos, ácidos nucleicos) com base em aspetos químicos e funcionais (nomeadamente a função enzimática das proteínas), mobilizando conhecimentos de química (grupos funcionais, nomenclatura)» [pg. 8].
Perante isto, um humilde professor da disciplina faz, há muitos anos, esta pergunta simples: afinal, o que é que se deve dar sobre enzimas? Mas nunca encontrou quem lhe respondesse.
Nem a esta pergunta nem a uma infinidade de outras, de igual pertinência.
José Batista d’Ascenção
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