sexta-feira, 15 de maio de 2020

Quando ensinamos (repetidamente) mal, por culpa que não é (inteiramente) nossa

Experiência mentirosa
A tarefa dos professores de biologia e geologia do ensino secundário não deve ser das mais fáceis entre os docentes. São duas áreas muito diversas, muito vastas, com especializações muito profundas e em actualização permanente, face ao volume de novos conhecimentos que a investigação produz.
Por outro lado, a organização das escolas (públicas), a sua gestão e as (des)orientações das hierarquias, deram corpo a uma arquitectura burocrática imensa e pesada, que submerge os órgãos pedagógicos intra-escola, e os obriga, a eles mesmo, a funcionar como meras comissões de burocracia. A carga resultante extenua os professores e desvaloriza os que (apenas!) dão aulas, aulas que, às vezes, parece serem o que menos interessa em todo o sistema: o tempo e a energia que os professores deviam reservar para prepará-las e ensinar e apoiar os alunos são consumidos ingloriamente, com prejuízo de todos.
Tamanho mal impregna toda a documentação, incluindo a que é indispensável, como são os programas das disciplinas. No de biologia de décimo ano, para além da «filosofia», há sugestões metodológicas que bradariam aos céus, se alguém lhes ligasse alguma importância. É o caso do que consta na página 85 desse programa, quando aponta para a execução de certo tipo de experiências (cientificamente não rigorosas, como a da figura) para demonstrar que as leveduras do fermento de padeiro respiram e não fermentam sempre que têm oxigénio disponível (como se quem amassa o pão retirasse o oxigénio do compartimento onde põe a massa a levedar). A definição das «aprendizagens essenciais», feita em anos recentes, não corrigiu a incorrecção. Acontece que, como referi aqui, há décadas que se demonstrou que aquela experiência não demonstra o que se diz que demonstra. Mas que importa isso? A recomendação continua firme no programa, as «aprendizagens essências» não deram pela falha, e os professores têm o dever de cumprir cada um daqueles normativos.
A quem duvidasse do rigor do que afirmo (especialmente se for professor de biologia e geologia), recomendaria pedido de esclarecimento junto da professora Maria Cecília Leão, da Universidade do Minho, ou da professora Maria da Conceição Loureiro-Dias, do Instituto Gulbenkian da Ciência, em Oeiras, se elas (ainda) conseguissem um módico de paciência para esclarecer coisa (para elas) tão banal…
Ora, por vontade, tenho tentado acompanhar as lições (da minha área) para o ensino secundário que a RTPMadeira está a por «no ar». E tenho apreciado as aulas que colegas daquela região têm dado através da TV. Porém, esta manhã, lá estava a malfadada experiência, na aula de 10º ano de biologia.
Senti alguma tristeza. O que se pode fazer?

José Batista d’Ascenção 

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