segunda-feira, 15 de maio de 2017

O que é mau (ou está mal) nunca muda no sistema de ensino em Portugal: nasce cresce e permanece, permanece, permanece…

No dia 22 de Setembro de 2003, o jornal «Público» (nº 4932) dava à estampa uma carta minha (pág. 5), intitulada «Novos programas do 10º Ano», de que transcrevo os seguintes excertos:
«Apresentados como mais adequados à realidade escolar, pressupondo um modelo educativo centrado nos alunos, os novos programas do 10º ano, (…) são muito peculiares ao nível da filosofia, da linguagem, dos objectivos, dos conteúdos e das metodologias, sem serem propriamente originais… Acertámos finalmente no alvo? É duvidoso, mesmo considerando um por um qualquer daqueles aspectos.
Restrinjo-me à parte de Biologia, do programa de Biologia e Geologia, por uma questão de delimitação e de legitimidade crítica profissional. Os conteúdos distribuem-se por unidades com um arranjo e sequência artificiais e arbitrários.
(…)
Situação que me causará dificuldade, dentro de poucas semanas, é a sugestão metodológica: “montagem de dispositivos experimentais com seres aeróbios facultativos (ex: Saccharomyces cerevisiae) em meios nutritivos (massa de pão, sumo de uva…) com diferentes graus de aerobiose” (unidade 3). Ora isto é um erro!, que o programa propõe e os manuais reproduzem. Há, porém, muitos especialistas em biologia de leveduras, por exemplo no Departamento de Biologia da Universidade do Minho ou no Instituto Gulbenkian da Ciência, em Oeiras, que, com credibilidade insuspeita, podem confirmar que a Saccharomyces. cerevisiae (levedura do fermento de padeiro) fermenta sempre que haja abundância de glucose no meio (como no sumo de uva ou na massa de pão), independentemente da disponibilidade de oxigénio (grau de aerobiose). Nesse caso, a respiração aeróbia é inibida a vários níveis, apenas sendo activada quando as leveduras estão esfomeadas e dispõem de oxigénio, fenómeno conhecido como Efeito de Crabtree.
Torna-se por isso ingrato lidar com programas e manuais que recomendam profusamente procedimentos e metodologias de análise e experimentação e adiantam resultados tais que não podem corresponder a realidades experimentais devidamente executadas e controladas. E que redundam em “formatação” errada dos alunos…
Sem espaço, e com tanto para pôr na carta, deixo a pergunta: deveríamos preocupar-nos em ensinar matérias específicas, claramente apresentadas e muito bem definidas, ou devemos valorizar a forma e os processos, em detrimento do conteúdo, sob o argumento de que a verdade em ciência é construída e vai variando?
Para onde vamos? O nevoeiro é imperativo.»

Dias depois, com carimbo de 26. 9. 03, recebi na escola onde trabalho, em Braga, via CTT, uma carta da Professora Maria da Conceição Loureiro Dias, do Instituto Superior de Agronomia da Universidade Técnica de Lisboa, com o texto de um “email” que antes me enviara, sem sucesso, e que reza o seguinte:

«Fiquei encantada quanto ontem encontrei a sua carta no Público!
Eu não estou a par dos disparates do programa do 10º ano, mas acho muito positivo que apareça um professor a fazer valer os seus conhecimentos científicos para chamar a atenção dos cidadãos para os erros que se cometem na sua área de ensino.
É muito interessante a sua chamada de atenção para o efeito de Crabtree. Esta é daquelas experiências que nunca correm bem, por motivos com muito boa explicação científica, mas em que o peso da falta de criatividade e de conhecimentos continua a vencer na feitura dos programas.
(…)
Muitos parabéns pela sua coragem em querer fazer melhor!
Com toda a amizade.
Conceição Loureiro Dias»

Mas, o que vale tudo isto? Eu respondo: nada!
Para o Ministério da Educação e para o Instituto de Avaliação Educativa, I. P. (IAVE) não se passou nem se passa nada. Para confirmação consulte-se o livro “Questões de exames nacionais (11º ano) e de testes intermédios (10º e 11º anos) 2006-2013. Com resoluções. Ensino Secundário. Volume II – Biologia. 1ª Edição: Janeiro de 2014.” e veja-se o exercício 16 da página 65 e a respectiva resposta que consta na página 261. Este livro é um manual de exercícios editado pelo Ministério da Educação e Ciência e pelo IAVE.
Fermentação/Respiração aeróbia em Saccharomyces cerevisiae - a experiência mentirosa.
Este é (continua a ser) o panorama. Nesta matéria, que voltei a leccionar há não muitos dias, dói-me ensinar bem os alunos, desmontar o que aparece nas provas do IAVE (exames nacionais), nos manuais e em exercícios disponibilizados por algumas editoras, e depois pedir-lhes a máxima atenção para a eventualidade de, em exame, terem que responder errado para que as suas respostas sejam consideradas certas!
Que (mais) pode um professor fazer?

José Batista d’Ascenção

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