sexta-feira, 24 de novembro de 2023

Mensagem a uma ex-aluna, quase médica, que tem um problema de saúde

Olá, Inês.

Recordo com muito carinho uma menina muito inteligente, viva, curiosa, dedicada e sensível, atenta e trabalhadora. Foi minha diligente aluna. Minha e de outros professores, que tinham sobre ela uma opinião idêntica à que eu tinha. Tinha e tenho, porque perdurou e se mantém como se fora um prémio. Prémios destes são os que, velhos professores como eu, conservam gratamente, na memória e no peito.

Uma ou outra vez, professores assim, recordam os alunos, conjeturam possibilidades sobre o seu percurso e interrogam-se sobre se foram suficientemente eficazes a estimular cada um a descobrir e desenvolver as suas aptidões. Mas, há aqueles jovens em crescimento sobre os quais não têm receios apreciáveis, tal é a riqueza humana e as capacidades que sabem que eles possuem. A Inês pertence a este grupo.

Ora, há dias, vem na minha direcção um pai extremoso, o pai daquela menina, a quem, em encontros anteriores, normalmente fugazes, sempre perguntei interessadamente por ela, antecipando as respostas próprias de todos os pais que trazem os filhos no coração, e por maioria de razão, neste caso. Nesses momentos reforcei a ideia de que ser professor tem privilégios reconfortantes e únicos. Com a vantagem de que este pai não vê desfocadas as qualidades da sua menina. Tem um tesouro e aprecia-o com enlevo e ternura tocantes. Muito justificadamente.

Acontece que a vida é cheia de contingências que escapam à nossa vontade e ao nosso domínio. A saúde é uma sorte e uma conquista, e quase sempre a parte da sorte não é extensiva a todos os domínios, nem dura o tempo todo. Por isso, querida Inês, deixo um sinal de incentivo e de confiança nesta formulação firme e clara: acreditar em todas as esperanças, sonhos, energias e capacidades, tão merecidamente reais nesta situação. As dificuldades também servem para dar têmpera, enobrecer e tornar mais merecedoras as vitórias alcançadas e a alcançar.

Muita força, Inês.

Beijinho, do antigo professor   

José Batista d’Ascenção

sábado, 18 de novembro de 2023

A deriva da palavra «excepção»

A escrita da língua portuguesa, em Portugal, é um problema. Ou um conjunto de problemas. E nos países de língua portuguesa, provavelmente, não será diferente. Conto-me entre os que, desde o 25 de Abril libertador, que trouxe a escola para todos, acalentei esperanças de que a nossa bela língua passaria a ser bem tratada pela generalidade dos portugueses, cada vez mais escolarizados. Um engano.

Quando surgiu o chamado «Novo Acordo Ortográfico», receei que as coisas piorassem, e nunca percebi como é que se podia acreditar nos objectivos a que se propunha. E não era pela crítica furiosa de Vasco Graça Moura, que se me afigurava demasiado cortante. Era, simplesmente, por me parecer inviável: internamente desnecessário e contraproducente e externamente irrealizável.

Segundo Maria Regina Rocha, relativamente a Portugal e ao Brasil, «havia 569 palavras diferentes que se tornaram iguais e 1235 palavras iguais que se tornaram diferentes.» Com o Acordo Ortográfico, aumentou [para mais do dobro] o número de palavras que se escrevem de forma diferente! (1).

E escreve-se pior do que antes, jornalistas encartados, incluídos, diplomados do ensino superior e mesmo professores universitários. As legendas das televisões são tristemente reveladoras, tanto nas estações públicas como nas privadas.

Concordo inteiramente com os textos críticos da nova grafia e do modo como se ensina a língua portuguesa nas escolas, atribuídos a Teolinda Gersão.

Este ano lectivo, que ainda vai no início, já me surgiu mais do que uma vez, escrita por alunos, a palava «excessão» em lugar de «exceção», que eu escrevo (fora da escola) «excepção». Penso que este erro é filho do dito «Acordo Ortográfico». Se, correntemente, escrevêssemos «excepção», era mais difícil alguém dobrar o «ésse» a seguir a um «pê», creio. Para além de a palavra ficar amputada da sua raiz, diferentemente do que acontece noutras línguas em que deriva do mesmo étimo, permite desvarios desconcertantes, como é o caso.

Sublinho sempre os erros ortográficos dos alunos em todos os materiais que recolho deles e verifico e avalio. Porém, não sinto que a generalidade deles dêem relevância às minhas recomendações e penso que, muito menos, se apercebem do meu desgosto.

A revisão da grafia formal do português de Portugal é urgente e terá que ser feita mais tarde ou mais cedo.

Quanto mais tarde, pior.

 (1) In: «Por Amor à Língua Portuguesa». Manuel Monteiro. Objectiva. 1ª ed. 2018. Pg. 151 e 163.

José Batista d’Ascenção

quinta-feira, 9 de novembro de 2023

A escola que não prepara

Sempre, ao longo de muitos anos, senti enorme responsabilidade perante os bons alunos que tive e tenho e frustração pelos “menos bons”, que tenho e tive.

Depois da impreparação pedagógica de base que recebi na licenciatura (apesar de ter tido bons professores [também] na área de pedagogia, facto que afirmo com respeito), acentuada, dez anos anos depois, em mestrado em educação («especialização em ensino de biologia e geologia», como consta no diploma, note-se!), a realidade não fez mais que mostrar(-me), todos os dias de cada ano lectivo, que pouco sabemos e menos sabemos fazer para resolver o insucesso, que mascaramos de modos muito diversos.

E, contudo, ensinar (o que vamos fazendo cada vez menos…) é uma profissão desafiadoramente bela. Bela como poucas, suponho. E terrível, quando a douramos ilusoriamente. Que raio acontece para haver meninos de 12-13 anos, e são muitos, que nem o nome conseguem escrever sem erros? E que não percebem o que lêem, nem mesmo o que eles próprios garatujam?

Nunca imaginei que pudesse(mos) chegar ao ponto de leccionar disciplinas sem programa («as aprendizagens essenciais são uma fraude», escreveu Santana Castilho [in jornal «Público», de 08 Novembro 2023, pg.16], e eu concordo). Mas chegámos.

Inevitavelmente, os resultados mostram o que não queremos ver.

Que seja a escola pública a seguir (e impor) este trilho é (ainda) mais doloroso.

José Batista d’Ascenção