terça-feira, 30 de abril de 2019

A caminho do fim do ano lectivo

Fonte da imagem: aqui.
Estamos na habitual corrida contra o tempo: são as rubricas do programa que falta cumprir (nunca falto, mas atraso-me sempre), o peso do cansaço e lentidão dos alunos e o número de tempos de aulas que se (com)some velozmente, a cada dia que passa.
No ensino secundário estamos prisioneiros dos testes (que é preciso elaborar, aplicar, classificar, entregar e corrigir), de que se obtêm dados «objectivos» quantificáveis, e a que os alunos se resignam, conferindo-lhes, eles mesmos, a importância que não deviam ter, porque cada aula é, mais que um teste, uma sessão de «testes», embora não possível de quantificar, nem de aplicar a todos por igual – quem diz o contrário carece de credibilidade e/ou… de prática lectiva, Os pais, também eles, vêm nos testes marcos/obstáculos em que é preciso investir (esforço e dinheiro em explicações, tantas vezes). Destes exercícios de «tudo ou nada» (porque somos muito avessos ao trabalho quotidiano paulatino) resulta (grande) sofrimento dos professores, dos alunos e dos encarregados de educação, originando, em muitos casos, resultados longe do desejável e situações difíceis de gerir.
Os alunos com quem trabalho este ano lectivo são todos capazes, o que não impede um ou outro caso problemático, em que – ainda! – não consegui a eficácia necessária, da minha parte e da parte dos próprios.
Mas «a vindima é até ao lavar dos cestos». Todo o tempo é tempo de…, mesmo que (já) não se vá a tempo.
Não é permitido desistir. Vamos lá.

José Batista d’Ascenção

PS. O texto tem por base o que se passa no ensino secundário, nas disciplinas em que há exame nacional, e decorre da experiência vivida do escrevinhador.

terça-feira, 9 de abril de 2019

Bizantinices que (pre)ocupam (e pós-ocupam) professores e escolas

Decorrem os conselhos de turma de avaliação nas escolas, neste final do 2º período do ano lectivo. Idealmente, os professores deviam concentrar-se sobre a análise do rendimento dos alunos, o trabalho deles e o seu próprio trabalho, assim como sobre o que pode e deve ser feito nas poucas semanas que restam, no 3º período, para optimizar os resultados dos que conseguiram «boas notas» e recuperar os casos de dificuldade. Idealmente. E as papeladas não falam de outra coisa. Só que, pelo meio, surgem as sexualidades, a cidadania (que é preciso programar, calendarizar e exibir, não necessariamente praticar), as inclusões e outras questões, servidas por uma burocracia tão abstrusa quando o artificialismo com que é preenchida. Mais do que fazer um trabalho sereno, ponderado e, nessa medida, gratificante (o que não significa fácil), o que há para despachar é um conjunto de tarefas ingratas (se não horrorosas), de validade duvidosa e de resultados que só não são decepcionantes porque ninguém espera que resultem (descontada a sua artificialidade, claro).
Clarificando: se há alunos que se empenharam (sim, há alunos muito empenhados, eu privilegiado me confesso, porque tenho alunos desses), que, para além da aplicação nas aulas e no estudo, participaram em diversas actividades, como as olimpíadas da biologia e da matemática, campeonatos regionais de xadrez, comemoração do «dia da escola» e até, num dia em que a senhora funcionária [há muito tempo dizíamos «contínua», mais recentemente chamava-se «auxiliar de acção educativa» e agora diz-se «assistente operacional», designações diferentes para as mesmas funções, sempre remuneradas ao nível do salário mínimo] estava combalida, com dores de coluna, limparam (por ela) a sala de aula, por que cargas de água é preciso arranjar (outras) «evidências» que comprovem a sua proficiência em matéria de cidadania?
Como queremos que a escola seja levada a sério?
Entretanto, deseja-se um bom interregno, especialmente para os alunos merecedores. E os restantes, que a escola não ajuda, iludindo resultados e até o registo de assiduidade, merecem-no também.
Boa Páscoa.  

José Batista d’Ascenção

sexta-feira, 5 de abril de 2019

E se um dia, no ensino, finalmente?...

Imagem obtida aqui.
Quando, em Setembro de 1984, me iniciei como professor, na Escola Secundária José Falcão (antigo Liceu D. João III), em Coimbra, estava longe de imaginar que o que se chamava «sistema educativo» fosse tão inconsistente e ineficaz e sujeito a modificações e, simultaneamente, tão constante e imutável, em quaisquer aspectos que se queiram considerar.
Porque eram aquelas as disciplinas do meu grupo de docência, com aquelas designações e aqueles programas? «Porque sim», poderia ser a resposta. E os motivos por que aquela resposta era (ou não) válida naquele tempo poderiam aplicar-se em todos os tempos posteriores, até hoje. Disciplinas como «Ciências da Natureza» passaram a «Ciências Naturais», outras viriam a mudar o nome de «Ciências da Terra e da Vida» para «Biologia e Geologia», já depois de várias delas terem deixado de existir, como as de «Ecologia», «Socorrismo», «Noções Básicas de Saúde» ou «Ciências do Ambiente». Tais alterações ou sumiços não resultaram de qualquer apuramento ou afinação criteriosa de conteúdos ou metodologias com intervenção conhecida dos professores, nem se aferiu que benefícios reais delas resultaram ao longo do tempo, nem mesmo depois da criação do judiciosamente designado «gabinete de avaliação educacional», em 1997, elevado a «instituto» em 2013.
Sobre os normativos que regulavam o dito «sistema educativo» e, especialmente, a função docente, afigurava-se-me, de início, que havia leis elaboradas de boa-fé, onde se definiam claramente as regras a cumprir e se assegurava um futuro digno para os professores. Não havia ainda um «estatuto da carreira docente», é certo, mas havia a expectativa favorável de que seria um documento legal de qualidade garantida (a primeira de muitas versões viria a ser criada pelo decreto-lei n.º 139-A/90), até pelos esforços de adesão à Comunidade Europeia, que ocorreu em 01 de Janeiro de 1986. A realidade não o confirmou: um emaranhado crescente de leis, profusa e confusamente redigidas, amalgamadas mais que articuladas, resultou num caos irresolúvel (e quase impenetrável) de ineficiência e injustiças múltiplas, onde se consome a saúde dos professores e se prejudica a aprendizagem dos alunos.
O ministério e quem o liderou deram, ao longo dos anos, a impressão de uma barca descomunal em rota casuística para satisfação de interesses instalados e apetites privados, indiferente à vontade do timoneiro, mais empurrado ou mandado do que ao comando efectivo da nau. Ao tempo de Roberto Carneiro, cheguei a entusiasmar-me com as suas palavras e intenções, para me desiludir depois, perante os factos. Inconformado, lidei com a decepção permanente, até voltar a acreditar - fraqueza minha - quando Nuno Crato aceitou a pasta. Paguei o preço da ilusão.
E os professores propriamente ditos, despreparados pela formação pedagógica que receberam, ficaram à mercê da influência de teóricos caseiros e da orgânica inamovível do «sistema». Nunca se encontraram. Foram capazes de participar em greves e gritaram desalmadamente em manifestações (em que também cheguei a participar), mais em luta encarniçada por uns trocados do que para exigir condições de (des)empenho que preparassem bem os alunos. Conduzidos por sindicados, em número que cresceu até ultrapassar as duas dezenas, os professores não (se) questiona(ra)m audivelmente (sobre) os objectivos de muitos deles. E chegaram (a)onde estão.
Hoje, nas escolas, profundamente desprezados, os professores sujeitam-se a todas as humilhações. A senda parece não ter fim. Uns quantos disfarçam, receosos de preço acrescido que a profissão lhes cobre, tentando aguentar-se até à fuga (que supõem) libertadora para a reforma, onde poucos chegarão ilesos.
Caberia, porém, aos professores, admitir que um número restrito deles não cumpriam os requisitos indispensáveis ao exercício da profissão e que todos deviam submeter-se a avaliação periódica (de 5 em 5 anos?) do seu estado físico e mental (a avaliação da capacidade científica devia estar atestada pelos cursos com que se habilitaram). Não é admissível, por exemplo, que haja docentes ao serviço com incapacidades psiquiátricas profundas, anos e anos, como se o problema não existisse… Mas, sobre isto, os professores calam-se, receosos de que alguém os acuse de falta de solidariedade, quando o que está em causa é apenas falta de humanismo, cuja responsabilidade nem sequer lhes cabe.
Percebe-se: não há milagres. E, no entanto, a profissão de professor é tão profundamente bela quanto necessária.
Pergunte-se aos que militantemente denigrem a escola se querem que ela feche.

José Batista d’Ascenção