domingo, 30 de outubro de 2022

A greve dos professores que nada resolve(rá), mas que eles não podem deixar de fazer

Em momentos de maior desânimo e perplexidade chego a admitir que a escola pública existe para não funcionar.

O emaranhado de leis, normas e documentação é de tal ordem e de tão má qualidade que, quando se consegue ler, não se destrinça nele coerência nem rumo nem aplicabilidade. É uma espécie de teia de arrazoados pesporrentes, abstrusos e impraticáveis.

As instâncias hierárquicas fazem política (de fraca categoria) e, basicamente, pretendem estatísticas que lhes tragam benefício formal que justifique cargos e protagonismo. As direcções escolares representam o poder e colam-se à função. Os conselhos gerais não servem para nada e é um bem quando presidente e director(a) não colidem abertamente. Os conselhos pedagógicos e os conselhos de directores de turma são comissões de burocracia. Os conselhos de turma e os grupos disciplinares, legal e impropriamente ditos de recrutamento (agrupados em departamentos artificiais, cuja pertinência ou utilidade nunca se descortinou), somam mais burocracia à burocracia estipulada, com estulta diligência.

O inadequadamente chamado sistema de avaliação de professores é um horror sem classificação ética possível e cumpre uma função (pouco) críptica, que é a de evitar a despesa decorrente das progressões na carreira.

As aulas e a aprendizagem do saber que é património da humanidade, e que começa na simples necessidade de saber ler e escrever, são chocantemente desvalorizadas. A serenidade, a disciplina e a boa educação também.

Os professores no activo são destratados (ou agredidos) e estão fartos de não lhes permitirem realizar a sua função básica elementar. Estão velhos e envelhecidos e, não poucos, com a saúde arruinada. Alguns exibem agora umas aplicações no telemóvel com um contador decrescente (até ao segundo) do tempo que lhes falta para se aposentarem.

Os jovens não querem ser professores. E dos que, apesar de tudo, querem, parte deles talvez fosse melhor que seguissem outras profissões.

De um tal rol, parece que não há coisas boas no ensino. Mas há: continua a ser maravilhoso estar na sala de aulas com alunos minimamente motivados, tendo o cuidado de fechar a porta para atenuar o barulho dos corredores.

E há as crianças e os jovens em si: os problemas são múltiplos e diversos, mas não são eles a fonte.

José Batista d’Ascenção