domingo, 22 de novembro de 2020

O que valem o talento, a paixão, a generosidade e o empenhamento

E a importância que têm na formação dos professores e das crianças e jovens.

Imagem de uma apresentação do Prof. Galopim de Carvalho
para uso dos professores, retirada do seu mural do "facebook"

Ainda bem não leio a frase: “temos a geração mais bem preparada de sempre”. Dava-me jeito, mas não “compro” a ideia. Primeiro teríamos que discutir o que se entende por “preparação”. De todos, já agora. De todos nós, portugueses, que vivemos numa sociedade democrática e temos o dever do exercício da cidadania. Somos o que somos, claro, e em muitas partes do mundo não se vêem motivos mais estimulantes ou extinguem-se os que supúnhamos bem consolidados. O que não serve de consolação, antes pelo contrário. Adiante.

O motivo destas linhas é a acção de divulgação científica, de pedagogia e de exemplo cívico de alguém que admiro e estimo sem limites: o Professor Galopim de Carvalho.

Este Homem Bom não desiste. Não desiste de auxiliar e estimular os professores (do básico e do secundário) e de ensinar cidadãos, mormente os alunos, desde as criancinhas aos (mais) crescidos. De uma humildade tocante e exemplar, trabalha sem descanso, numa atitude que faz equivaler a «férias permanentes»! Ajuda e resolve muitas fraquezas do corpo docente, que anima como poucos.

O Ministério da Educação e o país, na sua mais alta representação, bem podiam e deviam dar ênfase ao seu labor e seguir o seu exemplo. Em meu entender, a maior parte da formação que tem sido formalmente prestada aos professores nas últimas décadas, mesmo com a introdução dos meios digitais, não melhorou a qualidade intrínseca do ensino e da pedagogia. E os professores frequenta(ra)m-na, as mais das vezes, obrigados pelos requisitos de progressão na carreira e, nalguns casos, por imposição  do próprio Ministério.

Diferentemente, e como deve ser, quando o Professor Galopim elabora materiais que põe à disposição dos professores, sempre bem feitos, em linguagem clara e escorreita e cientificamente rigorosos, os professores aderem, agradecem e pedem mais. Ou seja: os docentes estão ávidos de formação: boa e acessível, facilitando imenso se for gratuita.

Não podia deixar de fazer este registo, eu, obscuro professor do ensino (básico e) secundário. Cheio de gratidão ao distinto cidadão, mestre e amigo.

José Batista d’Ascenção

domingo, 8 de novembro de 2020

Como ensinamos mal ciência – um exemplo.

Charles Darwin [imagem obtida via «Google»]

Há alguns anos, num exercício de formação obrigatória prestada pelo GAVE/IAVE, nós, os formandos, fazíamos a discussão de uma resposta bastante defeituosa, dada em exame (de um ano anterior), para aferirmos a classificação (que teria sido) mais justa naquele caso específico.

A questão pretendia uma fundamentação baseada na teoria darwinista da evolução e a resposta em análise, bastante confusa, incluía uma referência atabalhoada à importância do «uso e do desuso» na modificação dos órgãos dos seres vivos.

Ora, a «lei do uso e do desuso», que traduzimos vulgarmente pela frase «a função faz o órgão» foi proposta primeiramente pelo evolucionista Jean-Baptiste de Monet (1744-1829), conhecido por Lamarck, que é anterior a Charles Darwin (1809-1882).

Acontece que Darwin, conhecedor profundo do trabalho de Lamarck, considerava, como ele, «o uso e o desuso” na modificação dos seres vivos e a transmissão à descendência das características adquiridas por essa via. Isso está abundantemente registado e exemplificado na sua obra «On The Origin of Species» publicada pela primeira vez em Londres, em 1859. A primeira tradução para português dessa obra só aconteceria mais de 50 anos depois, em 1913, pelo médico Joaquim Dá Mesquita Paul. O jornal «Público» republicou-a recentemente. Nesta tradução, as referências ao «uso e desuso» encontram-se, salvo erro, em 25 das suas 506 páginas.

Contudo, Darwin explica a evolução de modo inovador, relativamente aos evolucionistas anteriores, com uma fundamentação extensa e profunda, dificilmente rebatível no essencial.

Voltando ao trabalho de discussão daquela resposta dada em exame (de que ignorávamos a cotação atribuída), o “consenso” obtido então (longe da unanimidade, no entanto) foi o de que se devia descontar na classificação a atribuição “errada” de uma perspectiva lamarckista à fundamentação darwinista pretendida. Foi assim, erradamente.

O ensino/aprendizagem de crianças e jovens requer, obviamente, simplificações e analogias que facilitem a aquisição e a compreensão do conhecimento. Mas não é incomum a adulteração do fundamental, restringindo a substância do saber a fórmulas feitas que, longe de incentivar e apaixonar, formatam errónea e persistentemente mentalidades e raciocínios e matam o gosto de aprender.

No domínio das ciências, também foi assim que se formaram/formataram os professores. O que não facilita nem enobrece a sua função e suponho que contribui (largamente) para o descrédito que a ignorância atribui ao valor do conhecimento científico.

Em Portugal e no mundo.

José Batista d’Ascenção