terça-feira, 29 de setembro de 2020

E se os (poucos) funcionários de que as escolas dispõem não aguentarem?

Imagem obtida aqui.

A dez minutos do fim da aula do turno da manhã de hoje (13.10 h), lembrou-me um aluno de que tínhamos de desinfectar as mesas. Mandei vir os toalhetes, que se tinham acabado, pedi a todos que arrumassem o material nas mochilas e pus-me a aspergir cada mesa, uma por uma, até à vigésima oitava e, por último, a minha. Tão diligente foi a miudagem a limpar cada um o seu lugar que nenhum saiu depois da hora – a tarefa, mal ou bem, cumpriu-se naquela dezena de minutos roubados à aula efectiva.

Mais uns minutos demorei eu, após o que me pus a caminho para ir tomar uma bucha, à laia de almoço, no café das proximidades. Pude então presenciar a azáfama das funcionárias, aplicadas na limpeza dos enormes corredores e demais instalações, antes da entrada do turno da tarde.

Com ar exausto, uma delas deixava escapar: - «sinto vontade de chorar». Essa senhora vai fazer sessenta e oito anos, ainda não perdeu a simpatia, mas é normal que lhe vão faltando as forças. Outras três, que se juntavam na confluência dos corredores daquele piso, à minha passagem, também contam mais de sessenta anos. A fadiga de todas elas e o seu ar abatido percebia-se bem, apesar das máscaras.

Elogiei-lhes o desembaraço, mas não saciei a fome sem me interrogar, em silêncio: se estas pessoas ficarem de baixa, e se não houver substitutos, o que vai a escola fazer?

A resposta é o silêncio. Mas um silêncio nada confortável.

Foram aquelas pessoas e os demais funcionários que, em Maio passado, possibilitaram a retoma das aulas em condições de irrepreensível higiene. Deram então provas efectivas, dignas de elogio. Idêntico ao apreço e apoio que agora merecem e precisam, porque os alunos são em muito maior número.

José Batista d’Ascenção

segunda-feira, 28 de setembro de 2020

O meu reinício do ano lectivo

Esta não é a distância entre os alunos na generalidade das aulas

Os meninos que este ano me couberam vêm do (ensino) básico. Nestas primeiras aulas, por detrás das máscaras, percebi neles (naturais) expressões de expectativa, reparei em alguns (bastantes) olhos brilhantes e, de modo geral, constatei atitudes de interesse e de participação, bem como de cordialidade e simpatia, o que muito me agradou.

Ficaram surpresos com a minha proposta de tema (luta pela preservação das pegadas de dinossauro de Pego Longo – Carenque) a abordar em «cidadania», aparentemente pouco entusiasmados, é certo. Por isso convidei-os a comunicarem a minha sugestão aos pais, e fiquei a aguardar… Entretanto, trabalho para lhes conquistar a confiança e para os entusiasmar tanto quanto possível na disciplina. Para voltar àquele assunto em ambiente mais favorável. Mas, principalmente, porque o programa é extenso e diverso e, na parte de biologia, bem pouco lógico e coerente.

Da correcção da ficha de diagnóstico confirmo, repetidamente, ao longo dos anos, uma impressão antiga: a abordagem à geologia no sétimo ano de escolaridade faz-se de tal modo que mais parece uma vacina de rejeição injectada nos garotos. O menor dos males é não saberem coisa nenhuma, desde que não detestem aquela área do saber. Vejo nisto um problema real de que quase ninguém se ocupa. O resultado não é auspicioso.

Sobrepondo-se a este e a outros problemas, os meus temores nesta altura são recorrentes: Em quantos destes meninos não deixarei embaciar a vivacidade do olhar? Que proporção deles deixarei sucumbir ao apelo das hormonas e dos sentimentos nos tempos de aulas, já daqui por uns meses? Em quantos conseguirei melhorar a impressão menos boa que têm das matérias? E – terrível questão! – em quais deles poderei, eventualmente, reforçar as aversões que trazem?

Resta-me a consolação de saber que vou fazer o que posso. Para já, olho-os com ternura e sinto-os meus. Meus alunos. E de nenhum desistirei. Obrigo-me a esse privilégio, de que fica este registo.

A ver se sossego.

José Batista d’Ascenção

sexta-feira, 25 de setembro de 2020

Cidadania e que mais?

Imagem obtida aqui.

Prolonga-se nos jornais, pela caneta dos mais conhecidos articulistas portugueses, o clamor sobre o "ensino da cidadania” nas escolas. Como de costume, os nossos pensadores teóricos aprofundam um tema e trocam entre si referências favoráveis ou depreciativas, directa ou indirectamente, em simultâneo com a indiferença abúlica que a respectiva matéria merece no quotidiano escolar.

Este apontamento não pretende ser um lamento nem uma crítica sobre a realidade em questão, dentro e fora das escolas. De modo muito resumido, e porque o tema permanece, com alguma exaltação, na agenda social das elites jornalísticas, pretende apenas deixar registo de que a cidadania não é tanto uma matéria que se ensina, mas mais algo que se pratica, sujeito a princípios, critérios e consequências, por forma a dar-se o exemplo a crianças e jovens. E depois de se dar o exemplo, certos comportamentos de cidadania devem ser exigidos em conformidade.

Naturalmente, no que respeita a sentimentos e intimidade, à família cabe, por direito, o primeiro papel, e não deve a escola intrometer-se indevidamente naquilo em que a diversidade de opiniões entre professores e entre os cidadãos redunda facilmente em conflito, particularmente quando choca com a vontade legítima dos pais ou outros encarregados de educação. Dito isto, tem que salvaguardar-se, obviamente, a aprendizagem dos conteúdos históricos e científicos que a escola não pode (fingir) ignorar.

A fim de que a acção da escola não se descredibilize no mesmo grau e de modo similar ao que acontece no exercício da política e da governação em tantos países e lugares, até surgirem, por eleição democrática (eventualmente sujeita a batota), líderes que envergonham (ou deviam envergonhar) a evolução das sociedades. Porque me parece que estas coisas estão relacionadas. 

José Batista d’Ascenção

quarta-feira, 16 de setembro de 2020

Olá, simplesmente

Forma inadequada de cumprimento.
Fonte da imagem: aqui.

Recomeçaram as aulas. As condições físicas das escolas, sobretudo o espaço entre os alunos no interior das salas e as (im)possibilidades do indispensável arejamento nos dias frios ou chuvosos, deixam (muito) a desejar e causam receio. O estado de saúde de muitos professores, especialmente daqueles que às mazelas somam o peso da idade, preocupa. Assim mesmo, não podíamos não voltar às aulas presenciais, necessárias para todos os alunos, especialmente para os menos providos de meios tecnológicos próprios.

Há dias, entre as múltiplas medidas preventivas recomendadas, que uma enfermeira ia relembrando aos professores, em reunião havida para esse e outros efeitos, constava a dos cumprimentos entre as pessoas. À dúvida pertinente de uma professora, sobre se não era inadequado recomendar que se tussa ou espirre colocando a dobra entre braço e antebraço a servir de escudo e depois usar o toque de cotovelos para fazer saudações, hesitou a técnica de saúde, aparentemente surpreendida, antes de sugerir o que parece ser comum entre os alunos – dar um toque com as partes antero-exteriores dos pés. Fraca medida, em meu entendimento, principalmente para pessoas que, além de deverem manter-se a conveniente distância, já quase precisam de usar bengala. Outros modos de cumprimentar recorrem agora ao (deselegante) toque entre punhos, com a parte exterior dos dedos fechados. Não vejo vantagem no procedimento.

Porque não recomendar a saudação por voz, à conveniente distância física, com um simples “olá” ou “bom-dia” ou “boa-tarde” ou “boa-noite” ou outra expressão apropriada? E reservamos os beijos, os apertos de mão e os abraços para os casos em que podemos dá-los ou para quando viermos a poder.

Olá, a todos.

José Batista d’Ascenção

segunda-feira, 7 de setembro de 2020

Preservação das pegadas de dinossauro de Pego Longo (Carenque) – exigência de cidadania que é obrigação de todos e particularmente das comunidades escolares

Fonte da imagem: aqui.
O departamento de ciências experimentais do ensino secundário do Agrupamento de Escolas Carlos Amarante - Braga, formado pelos professores dos grupos disciplinares de biologia e geologia e de física e química, aprovou hoje uma proposta de tratamento do tema em epígrafe, na área disciplinar de Cidadania e Desenvolvimento, no âmbito das «Instituições e participação democrática», do «Desenvolvimento sustentável» e da «Educação ambiental».
Foram aventadas várias hipóteses de acção, com o necessário envolvimento dos alunos, num tema que está na ordem do dia e que foi recentemente submetido, sob a forma de providência cautelar, à apreciação do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que já a aceitou. É primeiro proponente dessa providência cautelar o Professor Galopim de Carvalho.
Pretendem os professores que o assunto seja divulgado o mais possível junto dos cidadãos e dos jovens alunos das escolas, para que se salvaguarde um património classificado como Monumento Natural (Decreto-Lei nº 19/97, de 05 de Maio), na sequência da acção de especialistas de topo em termos mundiais e depois de se terem gasto cerca de 8 milhões de euros na abertura dos túneis de Carenque, sob a jazida, e de se ter projectado um centro interpretativo e um museu para o local, que ainda aguardam no papel.
Dadas as condições sanitárias e financeiras em que o país se encontra, os proponentes da providência cautelar apenas pretendem, no imediato, que a lixeira em que o local se tornou, com crescimento de vegetação à mistura, seja objecto de limpeza, de modo a conservar a camada calcária de 10-15 cm de espessura que contém as pegadas, a qual é bastante frágil, por assentar sobre outra, que, apesar de mais espessa, é de natureza argilosa. Ao longo dos últimos 20 anos, as entidades legalmente responsáveis: A Câmara Municipal de Sintra e o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas deixaram aquele importante património ao abandono, em risco de destruição, até hoje.
É intenção dos professores do departamento de ciências experimentais do Agrupamento de Escolas Carlos Amarante apelar ao envolvimento de outras escolas, tantas quantas for possível, de modo a criar um movimento que não deixe cair o assunto no esquecimento, usando as redes sociais e os órgãos de comunicação, e que, se possível, (se) tente levá-lo até à Assembleia da República, solicitando a intervenção dos partidos. Está em causa a preservação de um bem muito importante (de que muitos políticos não terão a exacta noção) que não nos pertence, que não podemos delapidar e para a conservação do qual não são necessárias somas significativas de dinheiro.
Todos os esforços e acções são essenciais, ainda que pareçam pequenos e poucos significativos.
Precisa-se das sugestões e da ajuda de todas as pessoas de boa vontade, a quem antecipadamente se deixa um grande obrigado.

José Batista d’Ascenção 

terça-feira, 1 de setembro de 2020

O privilégio do retorno à escola

Foi hoje, ao primeiro tempo. Vários colegas fizeram-no como eu. Alguns tinham serviço de exames. Ali nos encontrámos, cada um atrás da máscara de comportamento social que, afinal, sempre "afivelamos”, mas agora com outra sobre essa, bem real, física e, dentro de dias, incomodativa, principalmente se fizer calor.
Nos dois últimos anos tive uma sorte imensa (apenas sorte, porque nada fiz para isso) com os alunos das minhas turmas: bem-educados, cordatos, simpáticos, genericamente trabalhadores e humildes no proceder, como eu aprecio. Tenho saudades da miudagem, que cresce e fica mais madura e adulta e vai à sua vida.
Este ano vou ter novos alunos.
Como espero e desejo, trabalharei para os ensinar e ajudar a crescer. Isto é um compromisso, sejam quais forem as condições. Conto saber ser digno dos meus novos alunos e da profissão que um dia quis abraçar. E de que nunca me arrependi.
“Boas entradas” para eles, quem quer que sejam, e para mim e para todos os professores e alunos e funcionários da minha escola e de todas as escolas do país.
Adiante iremos.

José Batista d’Ascenção