domingo, 24 de fevereiro de 2019

Como o GAVE/IAVE foi desacreditando o conceito de exame, pelo menos o de biologia e geologia

Texto longo, sobre matéria dolorosa, que não pude impedir-me de escrever

Programa (que já nasceu) inadequado e
desactualizado, mas que se mantém em
vigor, com partes não consideradas nas
«aprendizagens essenciais» 
As provas de exame, se bem feitas, em conformidade com os programas (que o mesmo é dizer: respeitando os alunos e o trabalho dos professores) são instrumentos de avaliação sérios, rigorosos, objectivos e uniformes das aprendizagens (bem ou mal feitas) e imparciais, porque classificados em regime de anonimato.
Naturalmente, à partida, é preciso que os programas sejam claros, bem definidos e articulados, o que está longe de acontecer com o de biologia de 10º ano, o qual, abarcando matérias interessantes, cada uma por si, é um «enredo» que, desde sempre, carece de especificações claras, de articulação (intra e interdisciplinar), de lógica na sequenciação e de actualização e peca(va) (!?) por extensão, ou seja: necessita(va) (!?) muito de ser cuidadosamente revisto.
Ora, o GAVE/IAVE nunca deu pelo problema, falha que também aconteceu com instituições relacionadas com os professores da disciplina, como a Ordem dos Biólogos [a quem devolvi o cartão de sócio na sequência do aval à aprovação do dito programa, depois de me esforçar por mostrar que íamos prejudicar muito a aprendizagem da biologia no ensino secundário…] ou que se afirmam representantes deles, como a Associação Portuguesa de Professores de Biologia e Geologia. Em cima desse problema, os executores dos enunciados das provas de exame nacional de biologia e geologia, optaram por um modelo discutível de elaboração das questões (a que passaram a chamar itens), as quais, não raro, fogem ao âmbito dos programas ou contrariam frontalmente as suas sugestões metodológicas.
E os resultados dos exames foram oscilando, com desempenhos demasiados chocantes em certos anos, sem estremecimento visível dos professores e das organizações acima citadas e, muito menos, de qualquer (auto)questionamento do GAVE/IAVE.
Para (tentar) subir as classificações de exame, muitos professores, em diversas escolas, passaram a treinar intensamente os alunos naquele tipo de questões, «amestrando-os» mais ou menos razoavelmente, enquanto as classificações internas podem variar em sentido inflacionário persistente, por vezes escandaloso, como os dados revelam e as inspecções detectam, mas que, por ser matéria não contemplada legalmente, nem é objecto de contenção eficaz nem de… punição.
Estas dificuldades podem ser fonte de proveito, de tal sorte que até o GAVE/IAVE se aplicou nesse sentido, publicando em livros com a sua chancela os famigerados exames e tentando proibir a edição por terceiros, reclamando direitos de autor, pretensão declarada ilegal pelos tribunais e pela Procuradoria Geral da República.
Entretanto, especialistas da área de «educação», como o Professor José Precioso e colaboradores, da Universidade do Minho, debruçam-se sobre os ditos exames, comparam-nos com o que se faz, por exemplo, em Espanha e concluem que se está a exagerar no grau de dificuldade, arruinando as hipóteses de sucesso de muitos dos alunos médios.
O «divórcio» entre a acção dos professores que estão a leccionar, seguindo e segundo os programas em vigor, a que estão obrigados, e aqueles que fazem as provas é deveras acentuado, funcionando como se fosse uma espécie de «condenação» para os primeiros e um «jogo» (autista? divertido? insensível? irresponsável?) para os segundos. Se isto parece escandaloso, veja-se o que foi afirmado em 2015, pelo presidente do conselho científico do IAVE, João Paulo Leal, numa conferência em Coimbra, conforme noticiado no jornal «Público» do dia 17 de Maio desse ano, na página 12. Transcrevo:
«João Paulo Leal explicitou que [o IAVE] tem feito os exames escolhendo os itens de maneira a que se repliquem as notas dos anos anteriores. […] Na conferência, […] deixou claro que se podem promover resultados mais altos ou mais baixos, alterando, simplesmente, as cotações dos vários itens ou, então, uma ou duas questões em todo o exame. […] “a Português, por exemplo. Se quero que haja notas mais altas é muito fácil. Pego em uma ou duas perguntas, substituo-as por outras, aparentemente semelhantes, e a minha expectativa em relação aos resultados dá um salto de cinco valores.” […] Disse, ainda, pensar que “não é segredo para ninguém que as equipas do Iave que realizam os exames fazem uma estimativa de que resultados, em média, cada exame vai ter: Com uma diferença de mais ou menos um valor em vinte, acertam em 95% dos resultados”, disse, sublinhando que aquelas equipas “conseguem fazer um exame para a nota que querem”.»
Ora, na sequência destas notícias, um facto a destacar é que não houve qualquer demissão.
«Aprendizagens Essenciais»
que não especificam o que é  essencial

Sobra o papel do Ministério da Educação que, neste «panorama», carece de definição. Em Agosto último, mais ou menos de supetão, foram publicadas as chamadas «Aprendizagens Essenciais» (AE). Eureka! Parecia que o programa de biologia de 10º levava uns cortes, faziam-se clarificações e introduzia-se algo necessário. Mas… o programa continua o mesmo. Agora temo-lo, ao programa, e temos as AE. Mas porque não se fez um programa novo, e pronto? É que, nesta altura, estou eu e muitos indeciso sobre que aprofundamento dar, por exemplo, aos «aspetos químicos e funcionais … da função enzimática das proteínas» (página 8). Partindo desta simples frase, o que se deve dar, para além da natureza das enzimas: o(s) modelo(s) de actuação? As propriedades? O tipo e efeito de inibidores? A influência da temperatura e do pH sobre a actividade enzimática? Entre os professores ninguém parece saber, mas para o ano, supostamente, isto será objecto de exame.
À boa maneira portuguesa, deixamos correr e logo se verá, porque, na altura, «entre mortos e feridos alguém há-de escapar». E se houver reclamações a fazer, ninguém se esquecerá daquele argumento fácil, sempre à mão – a incompetência dos malvados professores.
  
José Batista d’Ascenção

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

Pais que não conhecem os filhos que têm

Era uma aluna silenciosa, meiga e discreta. Aparentemente concentrada nas aulas, participava sempre que solicitada. Tinha um pequeno problema de dislexia que nunca quis que fosse motivo para fazer testes adaptados (mais curtos) ou dispor de mais tempo na resolução do que os colegas. Suponho que queria ser (apenas) normal (como efectivamente é) e tratada com normalidade.
A mãe (no papel de encarregada de educação) via a sua filha discriminada, sem atenção nem consideração pelas suas particularidades, coarctada nos seus direitos, isolada e triste (e, com este último aspecto, não é difícil concordar…).
Com a excepção referida, nunca os professores deram por que assim fosse (embora eu fale apenas por mim…), nem nunca sentiram qualquer rejeição por parte daquela aluna, que bem gostavam de ajudar, no seu confessado bloqueamento e cansaço.
Um destes dias, a encarregada de educação comunicou a transferência da filha para outra escola. Nessa comunicação trata-a por um dos seus nomes, de que ela não gostava. Admito que a mãe desconheça esse facto (e talvez nem o aceite).
Boa sorte, Mariazinha.

José Batista d’Ascenção