segunda-feira, 17 de julho de 2017

Sobre o perfil do Ministério da Educação para o século XXI, definido por Filinto Lima

No jornal "Público" de hoje (pg. 45), Filinto Lima refere o que chama de “oito atitudes estruturantes” para “definir o perfil do Ministério da Educação do século XXI”, enumerando e definindo resumidamente as seguintes: confiança (nos actores educativos), diálogo, escuta, vivência (do que se passa nas escolas, através de visitas), redução do acto de legislar ao estritamente necessário, desburocratização, envolvência (no engajamento das comunidades educativas e das forças partidárias; atitude definida como “a principal do conjunto elencado”) e, por último, não inventar. Previamente, Filinto Lima esclarece que “não pretende fazer qualquer juízo sobre o desempenho dos diferentes Ministérios da Educação”.
Como não sinto as limitações de Filinto Lima (quaisquer que sejam e que eu desconheço), assumo que os diferentes Ministérios da Educação não fizeram o que deviam, por não saberem, por não poderem ou por não conseguirem ou por… não quererem ou, ainda, por terem objectivos algo difíceis de perceber, na sua clareza e na sua coerência, senão na sua justiça. Isto não invalida uma ou outra medida acertada, num ou noutro tempo, sempre com o selo da imprevisibilidade da sua duração…
No geral, concordo com Filinto Lima.
Assim mesmo, saliento que à confiança não pode faltar a noção de respeito e, sobretudo, de responsabilização muito bem definida: do Ministério da Educação, das Escolas (logo, dos professores) e dos alunos e dos seus encarregados de educação. Como sabemos, há possibilidade legal (e muito bem) de reclamar das acções dos professores, mas não constitui prática o reconhecimento formal de erro nas determinações e orientações do Ministério da Educação, nem tem havido responsabilização efectiva de encarregados de educação por actos inaceitáveis cometidos no interior das escolas.
Naturalmente, são necessários, a todo o tempo, a atenção, o debate a auscultação e um bom conhecimento do dia-a-dia das escolas para se poder tomar decisões acertadas e em conformidade. Mas as decisões, traduzidas em normativos legais, carecem de mais cuidado, de clareza (algumas leis e normas parecem escritas para dificultar o seu entendimento…), de rigor e harmonização e, fundamentalmente, de diminuição do ritmo de produção. E, tão importante como evitar a “emissão compulsiva” de legislação, deve-se condensar, articular, fundir e resumir, tanto quando possível, a que existe. Isto, que já desburocratizaria substancialmente, devia ser acompanhado por sérias recomendações de simplificação de procedimentos, libertando os professores para o que deve ser a sua função: ensinar (bem sei que este conceito é hoje “discutível”…) e formar (sobretudo pelo exemplo, pelo entusiasmo e pelo estímulo) crianças e jovens.
Claro que para se conseguir o anteriormente dito é preciso um trabalho de definição que devia envolver o poder constituído e as comunidades. Porém, encontrada essa base, nas suas linhas essenciais, as escolas têm que funcionar por si, independentes de partidos e também livres da influência de interesses particulares de sectores da comunidade. Não nos iludamos: a escola deve ter poder de decisão próprio e responder por isso, nos termos definidos.
Por fim, Filinto Lima, afirma que o Ministério da Educação não deve inventar. E não deve: não deve perturbar o funcionamento das escolas, mormente das que funcionam (ou podiam funcionar) bem. De acordo.
Mas o que eu gostaria mesmo era que se definisse basicamente o perfil ou mesmo um conjunto de perfis de actuação e de responsabilidade das Escolas que precisamos. Agora e para o futuro, a médio prazo, sem essa coisa de indicar o século, porque o início do século actual já lá vai e o seu termo é bastante longínquo…
Por outro lado, temo que o Ministério da Educação seja irreformável, a não ser que se defina um quadro legal que permita às escolas um funcionamento que o obrigue a mudar alguma coisa.

José Batista d’Ascenção

Adenda: Tenho consciência de que, nesta altura, o texto que escrevi não será lido por ninguém. Compreendo e aceito. Por essa razão, o sítio “A Escola no tempo” ficará “mudo” até Setembro próximo, excepto para referir alguma coisa a que (eu) atribua importância que o justifique.
Até Setembro.

quinta-feira, 13 de julho de 2017

Monumentos de Braga, pela arte de Domingos Araújo

A fonte do Ídolo, em Braga, por Domingos Araújo
Domingos Araújo, meu colega, que passei a sentir como amigo, professor de Física e Química da Escola Secundária Carlos Amarante (Braga), é, além de um profissional responsável e empenhado, um cidadão atento e, mais do que isso, uma pessoa com alma sensível e talentos diversos: gosta de música e canta [quando ouvi, pela sua voz, a “pedra filosofal” de Gedeão, musicada por Manuel Freire, numa sessão para alunos incentivada por outra colega professora da nossa escola e do mesmo grupo disciplinar do Domingos – a Julita Capelo, já aposentada, que ensinou com rigor e entusiasmo gerações de alunos que muito e muito bem aprenderam com ela - emocionei-me e a custo reprimi as lágrimas], organiza ou faz parte da organização de espectáculos musicais, como os de homenagem, em anos sucessivos, a esse génio canoro que foi «Zeca Afonso», nalguns casos em interligação com grupos musicais e cantores da Galiza, e faz ilustrações pela técnica do pontilhismo, usando apenas o preto, tanto quanto sei. Da sua colecção fazem parte os monumentos principais de Braga, com bela perspectiva e rigor de escala e proporção, e reproduções de figuras humanas, psico e sociologicamente impressivas, de que em tempos se fez uma exposição de grande sensibilidade e qualidade na Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva, em Braga.
Ora, um dia destes, o Domingos distribuía na Escola, a algumas pessoas, uma das suas obras retratando a “Fonte do Ídolo”, um monumento romano da «Bracara Augusta» do século I, e o único desses tempos que terá sobrevivido intacto até aos nossos dias. Senti-me privilegiado por também receber aquela oferta, emoldurei o quadro e pendurei-o na sala da minha casa.
Com o Domingos fico frequentemente à conversa nos tempos de intervalo ou em horas sem aulas, no bar de professores. Gosto do modo como o meu amigo fala dos alunos, da maneira como os encara e da atenção e da importância que lhes dá e das suas opiniões sobre a escola, a sociedade, a música, a literatura, a política e a arte. Há poucos meses fiquei a saber por ele mesmo que, por contagem de todo o seu tempo de serviço, após saída de normativo legal sobre a matéria, estará mais próximo da aposentação do que antes projectava. No momento, sem saber porquê, mas sem qualquer sentimento de inveja ou má vontade, fiquei triste: só a seguir dei conta de que é para mim importante vê-lo na escola e tê-lo como colega no activo, um bem que, algo egoisticamente, não me agrada perder.
Obrigado, Domingos.

José Batista d’Ascenção

Adenda: Não sei se o Domingos vai ler este texto. Se isso acontecer, ou se alguém me der conhecimento de algo menos preciso, incompleto ou inadequado nas poucas linhas que faço publicar, terei todo o gosto em proceder às necessárias emendas.

domingo, 9 de julho de 2017

Perguntar não ofende: Que actividades e procedimentos serão incompatíveis com a participação no processo de elaboração e revisão das provas dos exames nacionais?

Leio (e releio), em notícias de órgãos de informação credíveis, que foi uma professora de uma escola pública da “Grande Lisboa”, que há anos participa na elaboração e revisão de provas de exame de Português de 12º ano, que protagonizou a fuga de informação relativa ao exame daquela disciplina na 1ª fase, dia 19 do mês passado. A divulgação mais ou menos restrita do conteúdo, ou parte do conteúdo, da prova, através das redes sociais, terá partido de uma aluna do colégio dos Salesianos, em Lisboa.
Aos professores a quem são cometidas aquelas funções são exigidos compromissos de confidencialidade e dever de reserva que deviam assegurar o rigoroso secretismo de todo o processo.
No entanto, leio também que essa professora é… «explicadora» de vários alunos do ensino secundário e que terá sido nessas funções que prestou informações sobre o conteúdo da prova de Português. Ora, isto eu não entendo, quero dizer: isto eu não aceito! Então uma professora que participa na elaboração de um exame nacional pode ser explicadora (seguramente remunerada) de alunos que vão submeter-se a esse exame? Isto não constará explicitamente no conjunto de limitações e impedimentos a que os professores que fazem exames estão sujeitos?
Não, eu, cidadão e professor, não entendo: quero dizer, não aceito!
Bem sei que não (me) vale de nada, mas fica escrito.

José Batista d’Ascenção

segunda-feira, 3 de julho de 2017

Inflação de notas no ensino secundário

Não é novidade para ninguém, desde há longos anos, que algumas escolas, sobretudo privadas, inflacionam muito as classificações. Alunos longe das médias necessárias para entrar em cursos como medicina anunciam aos seus professores e colegas a intenção de mudar de escola e o motivo por que o fazem. Por seu lado, as escolas, quer públicas quer privadas, em competição cada vez maior pelos alunos, servem-se do que podem e do que lhes é permitido para os captar. Há meia dúzia de anos, um aluno meu, do 10º ano de escolaridade, logo na última aula do 1º período, “ameaçou” mudar de escola, descontente com a classificação que imaginava que ia ter na minha disciplina e provavelmente noutras. Lembro-me de que não me contive e, de rompante, perante todos, pedi atenção para três curtas notas pessoais que gostaria de fazer sobre a “advertência” do aluno:
1ª manifestar o meu desejo de boa sorte a quem quer que abandonasse a escola, particularmente se ido de turmas minhas;
2ª desejar que todo e qualquer aluno que saísse da escola e viesse a sentir saudades, se empenhasse em se adaptar à nova realidade, evitando regressar;
3º pedir que, em caso de regresso, ex-alunos meus procurassem integrar-se noutras turmas que não as minhas.
Para surpresa minha matei o assunto (que não as transferências) nas turmas que tive nesse ano e nos anos seguintes, até hoje. Mas são comuns atitudes destas perante os professores, sobretudo em aulas de entrega de testes ou nas de final de período, em que é da “praxe” proceder à (algo mitológica) “autoavaliação”. Por mais que se diga e que a realidade mostre, na família e fora dela, do desporto à justiça, da mediação dos negócios às entidades de regulação social, que ninguém deve ser juiz em causa própria, por razões óbvias, o nosso sistema educativo vive noutra dimensão, afundando-se na irrelevância e no desprestígio conhecidos.
Outra via para a “pressão” ocorre (às vezes de forma insinuada) através do director de turma, por acção de alguns encarregados de educação.
Obviamente, o Ministério da Educação tem dados objectivos que mostram que a inflação de notas tem sido uma prática sistemática e escandalosa em certas escolas, com prejuízo de muitos alunos honestos e esforçados, de cujo talento e capacidades o país não devia prescindir. Estranha-se (ou não) que as posições públicas oficiais, quando existem, se façam com pezinhos de lã, do tipo: relativamente a uma Escola A que inflaciona claramente os seus resultados, por comparação com uma outra B que não o faz, é possível que a Escola A esteja a utilizar critérios de avaliação do desempenho escolar dos seus alunos muito diferentes dos critérios utilizados pela Escola B. Também é possível, acrescento eu, que não haja critérios… aceitáveis. E que nada seja feito, de modo concreto e eficaz, para resolver tamanho problema.
Por estas e outras razões, sempre defendi a avaliação externa através de exames, os quais, no entanto, devem respeitar os programas e corresponder ao tipo de lecionação que é exigida e que os professores têm condições de praticar. Mas esta é matéria para outras análises…

José Batista d’Ascenção