sábado, 27 de fevereiro de 2021

Membrana celular e sistema endomembranar (I)

Por se destinar a alunos do ensino secundário, este texto procura seguir as regras ortográficas de 1990.

Imagem obtida aqui.

Qualquer ser vivo é constituído por uma ou mais células. E cada célula, ainda que tenha uma estrutura (das mais) simples, é sempre uma unidade funcional de metabolismo complexo rodeada por uma membrana (a membrana citoplasmática ou plasmática, também chamada plasmalema) que serve de fronteira e “alfândega” entre o meio intracelular (citoplasma) e o espaço exterior (meio extracelular). Todas as membranas são formadas por uma bicamada de fosfolípidos, com as partes polares ou carregadas das suas moléculas (as suas "cabeças") viradas para os meios aquosos externo e interno (já que são hidrofílicas), e as partes apolares (a que chamamos "caudas"), repelidas pela água (hidrofóbicas), dispostas de modo oposto formando o “miolo” da própria membrana. De um e de outro lado desta bicamada ou atravessando-a em toda a sua espessura, abundam proteínas, a que chamamos, respetivamente, proteínas periféricas (também chamadas extrínsecas) e proteínas integradas (também designadas intrínsecas). As proteínas membranares desempenham funções próprias e diversas, desde um papel estrutural a transportes de materiais específicos, por vários mecanismos, uns que consomem energia e outros não. Devido às propriedades das moléculas constituintes, as membranas são muito flexíveis e quer as proteínas quer os fosfolípidos podem difundir lateralmente no plano da membrana, com grande mobilidade. Este modelo base de membrana diz-se de “mosaico-fluido de Singer e Nicholson”, atendendo às suas características e em homenagem aos seus proponentes. Na superfície exterior da membrana celular, aos fosfolípidos e às proteínas associam-se frequentemente polissacarídeos, originando o que chamamos de glicolípidos e glicoproteínas. Outros componentes, como o colesterol, fazem também parte das membranas biológicas, intercalados entre os fosfolípidos. As moléculas de colesterol contribuem para a fluidez da estrutura membranar.

Como a espessura das membranas ronda os 100 Aº (Angstrom) [1 Aº corresponde a um décimo milionésimo do milímetro], a sua visualização não é possível com os microscópios óticos comuns, dado que o limite de resolução das imagens não o permite.

O metabolismo celular requer a contínua entrada na célula dos materiais necessários e a evacuação dos seus produtos, incluindo os resíduos tóxicos que é preciso remover. Estes materiais têm que atravessar a membrana plasmática. As membranas são também contínuas transdutoras de energia e informação. Tão complexa e intrincada é a atividade metabólica de cada célula que, comparando-a com a mais extensa cidade, esta (nos) parece mais simples, no seu funcionamento quotidiano.

Um facto muito curioso é que as substâncias que entram ou saem das células podem fazê-lo sem atravessar, de imediato, a espessura membranar. Na realidade, devido à sua fluidez e maleabilidade, a célula pode englobar porções de material (sólido ou líquido) por emissão de prolongamentos citoplasmáticos (pseudópodes), que são essencialmente projeções membranares, ou por invaginação da membrana, de que resulta a formação de vesículas com conteúdo, que se internam no citoplasma levando o material englobado ao seu destino. A este processo chama-se endocitose. O processo inverso também pode acontecer: lixo interno da célula ou componentes a exportar para o seu exterior (por exemplo o leite produzido nas células das glândulas mamárias), são trazidos através do citoplasma envolvidos em vesículas membranares que se aproximam da membrana citoplasmática e se fundem com ela, de modo a verter o conteúdo no espaço externo. A este processo chama-se exocitose. Deste modo, a área superficial da membrana citoplasmática mantém-se, nem encolhe nem aumenta significativamente, em consequência da complementaridade daqueles processos.

(Continua)

José Batista d'Ascenção

domingo, 21 de fevereiro de 2021

Fatores que afetam a atividade das enzimas (II): a presença de inibidores

Nota curta para alunos do ensino secundário; por essa razão o texto segue as regras ortográficas de 1990

Por último, as enzimas são muito sensíveis à presença de certas substâncias chamadas inibidores. Há inibidores que, por serem parecidos (estrutural e quimicamente) com o substrato, são capazes de se ligar ao centro ativo, bloqueando-o e impedindo a reação – são os inibidores competitivos. Outros ligam-se a zonas específicas das enzimas (que não o centro ativo), chamadas centros alostéricos, alterando a conformação e a estrutura da enzima, de que resulta a modificação do centro ativo, o que impede a ligação entre este e o substrato – são os inibidores não competitivos.

Os inibidores competitivos, como o nome indica, competem com o substrato pela ligação ao centro ativo. Quando um inibidor competitivo está presente há centros ativos (ocupados) que (por isso) não se ligam ao substrato e, portanto, a velocidade das reações é mais baixa. Porém, se se aumentar cada vez mais a concentração de substrato aumenta-se a probabilidade de cada enzima se encontrar com o substrato em vez de se encontrar com o inibidor. Assim, a velocidade da reação aumenta. E, se continuarmos a aumentar a concentração de substrato, a presença do inibidor torna-se irrelevante, pelo que a velocidade da reação se aproxima muito ou atinge mesmo a velocidade máxima: o efeito do inibidor desaparece.

Os inibidores não competitivos ligam-se a centros alostéricos, isto é, a locais diferentes do centro ativo. Portanto, não competem com o substrato pela ligação ao centro ativo. Cada inibidor que se liga a uma dada enzima altera-lhe a estrutura, alterando-se também o centro ativo, o que impede a ligação entre a enzima e o substrato. É como se essa enzima estivesse a menos. Assim, há um efeito de diminuição da velocidade da reação por cada inibidor que se liga a uma enzima. Nestes casos, o aumento da concentração de substrato pode fazer aumentar a velocidade da reação, mas apenas enquanto (e se) houver enzimas (centros ativos) que não tenham sido afetadas pelo inibidor, porém, por mais substrato que se acrescente, como não há competição entre substrato e inibidor, a velocidade da reação nunca atinge o valor máximo que atingiria se o inibidor não estivesse presente. Isto é, o aumento da concentração de substrato não pode anular o efeito do inibidor.


José Batista d'Ascenção

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

Fatores que afetam a atividade das enzimas (I): concentração de enzima, concentração de substrato, temperatura e pH

Apontamento para alunos do ensino secundário, razão por que o texto segue as regras ortográficas de 1990

Quando pensamos na atividade de uma enzima podemos pensar em termos do seu centro ativo. Assim, quantos mais centros ativos (mais enzimas…) estiverem operacionais num dado momento maior é a velocidade da reação. Ou seja: para condições definidas e considerando muito abundante (saturante) a concentração de substrato (às vezes dizemos, havendo “excesso” de substrato) relativamente à concentração de enzima, a velocidade da reação é diretamente proporcional à concentração de enzima (ao número de centros ativos a operar). 

Podemos também considerar a variação da velocidade da reação em função da concentração de substrato, para uma dada quantidade [concentração] de enzima. Para baixas concentrações de substrato, muitos centros ativos estão desocupados e a velocidade da reação é baixa. Para concentrações de substrato muito baixas, qualquer aumento dessas concentrações tende a aumentar proporcionalmente a velocidade da reação. Ao aumentarmos a concentração de substrato aumentamos o número de centros ativos a trabalhar e a velocidade aumenta. Quando aumentarmos a concentração de substrato de tal modo que todos os centros ativos fiquem ocupados obtemos uma velocidade da reação que é máxima para aquela enzima, naquelas condições. A partir daí, se continuarmos a aumentar a concentração de substrato a velocidade máxima mantém-se constante porque os centros ativos estão todos ocupados.

A temperatura condiciona enormemente a atividade enzimática. Cada enzima tem normalmente uma temperatura ótima de atuação. De modo genérico, baixando a temperatura (a partir do ponto ótimo) diminui a atividade das enzimas até um ponto em que elas deixam de atuar. A energia vibracional (cinética) dos átomos da enzima torna-se cada vez menor e a sua capacidade catalítica diminui, no entanto, a sua estrutura em nada é alterada. E, por isso, este efeito é reversível: basta elevar a temperatura e a catálise volta a ocorrer normalmente. Ao contrário, se aumentarmos a temperatura para lá da temperatura ótima, a atividade enzimática diminui até se anular; mas este efeito é normalmente irreversível porque ocorre desnaturação das enzimas (que são proteínas). Isto quer dizer que a estrutura proteica é alterada, sendo destruído o centro ativo, e, por isso, cada enzima desnaturada é uma enzima perdida.

O modo como as enzimas se comportam em função da temperatura pode ter aplicações úteis muito importantes. Assim, enzimas que suportam altas temperaturas dizem-se termorresistentes e podem ser usadas em processos químicos e/ou industriais que requerem temperaturas altas. Ao invés, processos químicos e/ou industriais que funcionam com enzimas capazes de atuar a temperaturas baixas evitam o desperdício de energia necessária para aquecer as câmaras de reação e podem ser ecologicamente úteis uma vez que não se lançam efluentes quentes nos esgotos (por exemplo a água suja de máquinas de lavar roupa em que, junto com o detergente, foram usadas enzimas para digerir certos resíduos de sujidade).

Nos seres vivos, a influência da temperatura sobre as enzimas tem uma importância determinante. Um exemplo é a hibernação de certos animais. Como esses animais têm que gerir o consumo de reservas energéticas durante o período de dormência, de modo a fazê-las chegar até à altura de se poderem alimentar de novo, é útil que as enzimas funcionem a um ritmo muito lento (que a temperatura baixa não permite que seja maior), desacelerando o metabolismo até níveis basais. Desse modo é doseado automaticamente o consumo de energia…

Uma aplicação prática da influência das baixas temperaturas na atividade enzimática é a conservação de alimentos por ação do frio, em frigoríficos e congeladores. Os alimentos são constituídos por matéria orgânica que é usada por diversos micróbios para obtenção de energia, com a consequente degradação desses alimentos. Ora, colocando-os no frio diminui-se a capacidade catalítica das enzimas microbianas e assim se atrasa a sua decomposição. Se a temperatura for muito baixa, como no caso da congelação, as enzimas ficam inativas, pelo que o metabolismo dos micróbios fica parado, o que permite, em condições adequadas, conservar os alimentos por períodos muito longos. Naturalmente, percebe-se facilmente que qualquer alimento congelado não se deve deixar descongelar e voltar-se a congelar, dado que, nesse caso, as enzimas dos micróbios, no intervalo de tempo em que a temperatura sobe, recuperam a sua atividade (porque estavam apenas inativas, mas não destruídas), restabelecendo o metabolismo e degradando os alimentos.

Relativamente ao pH (valor da acidez, da neutralidade ou da alcalinidade do meio), cada enzima apresenta também um valor ótimo de atuação. Variando o pH, acima ou abaixo do ponto ótimo, exercem-se efeitos na estrutura (proteica) das enzimas efeitos que, a partir de certos limites, se tornam irreversíveis. Assim, valores extremos de pH, relativamente ao valor ótimo de uma enzima, afetam irreversivelmente essa enzima. Como é óbvio, há enzimas que atuam otimamente em meio ácido (caso da pepsina, no estômago), outras em meio neutro e outras em meio básico. Enzimas diferentes podem apresentar tolerâncias muito variáveis às modificações de pH.


José Batista d'Ascenção

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

Catalisadores biológicos ou enzimas.

Apontamento para alunos do ensino secundário. Por esse motivo, o texto segue as regras ortográficas de 1990

As reações metabólicas são catalisadas por enzimas. As enzimas são quimicamente proteínas. Normalmente, as enzimas apresentam dimensões muito maiores (são macromoléculas) do que as dimensões do(s) substrato(s) sobre o qual ou sobre os quais atuam. Todas as enzimas têm uma configuração espacial determinada (estrutura terciária ou quaternária…) com uma zona especial onde se faz a ligação temporária ao(s) substrato(s) – o centro ativo. É a estrutura tridimensional da proteína que determina a configuração do centro ativo, a região fundamental que permite a sua ação. Se a estrutura de uma enzima for afetada e o centro ativo for destruído, essa enzima perde a sua capacidade catalítica.

A catálise de reações por meio de enzimas deve-se, portanto, à formação de um complexo temporário (de duração muito curta) entre o(s) substrato(s) e o centro ativo da enzima respetiva, facto que se traduz na diminuição da chamada energia de ativação. A energia de ativação é a energia necessária para que as moléculas de substrato colidam entre si e entrem em reação.

A formação do complexo enzima-substrato exige afinidade química entre o centro ativo e o substrato, o que também obriga a que a geometria de um e do outro sejam compatíveis. Isto tem outras implicações: cada enzima é específica para um dado substrato, ou melhor, para uma dada reação química. Se uma enzima catalisa apenas a reação de um ou mais substratos, sempre e só os mesmos, diz-se que tem especificidade absoluta. Se, porém, catalisa a reação de uma dada categoria de substratos, do mesmo tipo mas diferentes entre si, dizemos que aquela enzima tem especificidade relativa.

O modelo atualmente aceite para a atuação das enzimas é chamado modelo da adaptação induzida, de Koshland. Segundo este modelo, mais importante do que a geometria específica do centro ativo é a sua afinidade química com o substrato, levando a que, quando se forma o complexo enzima-substrato, o centro ativo da enzima se ajuste à forma do substrato, de modo análogo ao que acontece com uma luva quando a calçamos. Inicialmente pensava-se que enzima e substrato(s) apresentavam formas complementares rígidas tal como uma chave e a respetiva fechadura. Esse modelo acabou por ser abandonado. 

Há vários fatores que afetam a atividade das enzimas, influenciando a velocidade das reações. Os mais importantes são: a quantidade (concentração) de enzima, a quantidade (concentração) de substrato, a temperatura e o pH; outro fator importante diz respeito à presença ou ausência de inibidores. Abordá-los-emos em textos publicados a seguir.

José Batista d'Ascenção

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

Importância da água para os seres vivos: características moleculares, propriedades e funções



Tabela-resumo para alunos de 10º ano (ver nota abaixo)

 

 

Características e propriedades da água. Sua abundância na Terra.

 

 

Funções da água, nas células e nos organismos vivos

 

 

É o líquido mais abundante à superfície do planeta

 

É o constituinte molecular mais abundante nas células vivas funcionais e nos organismos. É o meio em que ocorre o metabolismo. A vida começou no seio da água (em meio aquoso) e com a participação da água.

 

 

A polaridade da molécula da água torna este líquido um bom solvente (das substâncias, cujas partículas – iões ou moléculas - são carregadas ou polares)

 

Porque é bom solvente, a água é um bom transportador e distribuidor de substâncias no organismo (casos do plasma sanguíneo, da linfa que banha as células, das secreções e dos fluidos de excreção, como a urina).

 

 

Participa facilmente em reações, quer como reagente quer como produto.

 

Está envolvida no metabolismo celular (por exemplo a fotossíntese e a respiração) e na fisiologia dos organismos (como a digestão e a excreção).

 

 

Tem elevada capacidade térmica mássica: absorve e liberta grande quantidade de calor sem variar muito a sua temperatura.

 

Por apresentar elevado calor específico, a água é um bom regularizador da temperatura corporal (e dos climas). Porque é um fluido móvel distribui calor pelas diferentes regiões do corpo, uniformizando a temperatura (transferências de calor também ocorrem nas correntes marinhas, influenciando os climas).


 

Nota: para desenvolvimento e melhor elucidação dos conceitos e das suas inter-relações consultar este texto.

 

José Batista d’Ascenção

terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

E agora o ensino à distância – um desafio (ainda) mais difícil

Imagem colhida via google: aqui.

Não terá sido uma “fuga em frente”, foi mais uma inércia cega e errática, face às pressões que a exigiam: governo, directores escolares, com destaque para a voz do seu presidente corporativo, representantes dos pais e uma plêiade de “especialistas”, apoiados na falta de “evidências científicas”, tardaram no fecho das escolas, até ao momento em que a realidade se impôs. Mas as responsabilidades estão bem repartidas e a larga maioria de nós não lhes escapa.

Atrapalhados e mal preparados, temos agora uma realidade escolar muito mais difícil, agravada pelo facto de não sabermos quanto tempo vai durar. Assim mesmo, cabe-nos a dose de serenidade necessária para limitarmos os estragos, olhando para as nossas crianças e jovens, com a firme determinação de lhes fazermos sentir que há um conjunto de doenças individuais e sociais para vencer que não diminuem o afecto que lhes temos nem afectam a nossa obrigação de os proteger e de os ensinar. Enquanto aguardamos o regresso à escola, que é o sítio e o meio ideal para isso.

A situação e os tempos estão nebulosos, as estratégias do tipo «barata tonta» nunca resultaram, os meios tecnológicos são imprescindíveis, mas, para além das limitações intrínsecas, não resolvem a impreparação, a desorganização, a burocracia e a incompetência estrutural nem, muito menos, são imunes aos negócios oportunistas e ao desperdício. Seja como for, estamos cá.

Apanhamos os cacos, compomos o jardim e cuidamos das flores. Com empenhamento e a humildade de reconhecer erros e aprender sempre. Para podermos ensinar alguma coisa.

Hoje e amanhã.

Até já.

José Batista d’Ascenção