quarta-feira, 31 de agosto de 2022

Cultura de inovação pedagógica, dizem

Depois de um ano lectivo à bulha com grelhas de avaliação, decorrentes do que chamaram “projeto MAIA”, o qual, a meu ver, não trouxe proveito à (a)normalidade do dia-a-dia escolar, nem à sua desejável tradução na aprendizagem efectiva dos alunos, obriguei-me a ler, nestas férias, o fascículo “Avaliar e aprender, numa cultura de inovação pedagógica” de Domingos Fernandes, o primeiro autor do dito projecto.

São pouco mais de 70 páginas de “literatura” apologética de práticas pedagógicas que, em minha opinião, fomentam o percurso de descrédito da escola pública e arruínam a saúde e o prestígio dos professores, em estado já muito precário.

As modalidades de avaliação são cada vez mais e a sua fragmentação burocrática continuará, pouco importando se o que se recomenda tem execução possível ou se, tendo-a, isso melhora verdadeiramente a aprendizagem. O mesmo para o conceito de “feedback”, a «distribuir» (p. 49, 50, 51, 52, 54, 57, 58, 59, 68) aos alunos (eu pensava que era “dar”, “prestar” ou “fornecer”). Insiste-se em que os alunos têm que ter participação activa nos processos de avaliação dos próprios e, como se isso não bastasse, nos dos seus pares, para além da «participação na discussão de critérios, de descritores e de rubricas de avaliação (p. 15)». Não se sabe se os proponentes destes processos conhecem a aversão com que muitos alunos os recebem ou a repulsa legítima que causam em não poucos encarregados de educação, particularmente aqueles que são mais exigentes na preparação dos seus educandos. Segundo o autor, a “inovação pedagógica” é «entendida como um processo contínuo de (re)invenção das práticas e formas de estar com os alunos e com as matérias, materiais e objetos de aprendizagem que dão forma e sentido à profissão”… (p.72). Parece-me uma definição de conveniência para sustentar a asserção redundante de que «só inovando se podem melhorar as estratégias de ensino e de avaliação, a partir de leituras do currículo e da pedagogia que não podem deixar de ser inovadoras» (p.7). Neste particular vem-me à mente o chamado “Instituto de Inovação Educacional” (Dec.-Lei n.º 3/87) e os contributos para a melhoria da escola pública que devia ter produzido ao longo da sua existência: quem, no interior das escolas, retém algum com interesse?

Preconceituosa e insustentável me parece a afirmação de que «são as conceções e as práticas pedagógicas que herdámos do século XIX que continuam a prevalecer» (p. 5, 8, 13). No século XIX em Portugal, mesmo no seu término, que percentagem de portugueses sabiam ler? Quantas escolas havia? Quem as frequentava? Aqueles professores que viveram a escola por dentro nos últimos 40 anos sabem que, neste curto intervalo de tempo, há diferenças abissais, em qualquer aspecto, entre o que a escola foi e o que é. Assombra a acusação de uma suposta fixação em «ideias vindas do século XIX», tempo em que havia um abismo entre certas (e boas, mas não muitas) intenções reformadoras e a realidade educativa concreta do país, a que correspondia um analfabetismo tenebroso.

Decepcionante é a definição arbitrária de vários conceitos: quem sabe precisar, por exemplo, o que é um «domínio do currículo», quando o currículo o não define?

Chocante é a proposta de a «classificação pedagógica» numa disciplina se desdobrar em «várias notas», em oposição à «classificação clássica», em que há «uma única nota por disciplina» (p. 61, 62). Alguns professores aplicaram isto nos testes (apondo três números em cada um, por exemplo), o que espantou alunos e pais. Com que vantagens para discentes, encarregados de educação e docentes?

A irrealidade destas e doutras ideias manifesta-se no artificialismo vazio de alguns esquemas (veja-se a fig. 2 da p. 7), sobre os quais, assim como sobre a qualidade da escrita, é preferível não alongar os comentários… 

José Batista d’Ascenção

quarta-feira, 3 de agosto de 2022

O IAVE tem sempre razão

Exame de biologia e geologia, 2ª fase, questão I.20. Nela se pede justificação para a vantagem de um antibiótico relativamente a outro no tratamento do «embranquecimento» de corais. A resposta pretendida deve ater-se aos resultados de uma experiência ilustrada numa figura com imagens esquemáticas e num gráfico. Acontece que esses resultados não permitem qualquer conclusão que não seja hipotética e especulativa. E é em termos de mera possibilidade que os critérios estipulam o elemento conclusivo da resposta - aquele elemento, que, a meu ver, poderia ser outro, como alguns alunos apontam, só que não é aceite.

Custa-me que se arquitectem perguntas assim. A leccionação dificilmente capacita alunos para o artificialismo exigido em certas respostas. E não é o trabalho, nem a necessidade de alterar o período de férias já definido, que é o mais difícil para um professor que também foi classificador na 1ª fase. O que penaliza mesmo os que, como eu, defendem os exames nacionais - o panorama avaliativo nas disciplinas em que eles não existem é triste e grave - é que as provas sejam concebidas deste modo.

A um aluno que, perante tal pergunta, respondesse liminarmente que não há elementos que permitam inferir sobre qualquer vantagem ou desvantagem face aos resultados, apetecia-me atribuir-lhe a classificação máxima. Mas não posso. O IAVE tem sempre razão. Mesmo quando não tem.

José Batista d’Ascenção