sexta-feira, 12 de maio de 2023

«Aprender a aprender» - falácia que condiciona a prática pedagógica

A pedagogia é um oceano de dúvidas, onde muitas crenças predominam mascaradas de certezas fundadas na ciência, tão válidas como qualquer empirismo que não passe disso mesmo.

A nuvem de factores que envolve o acto de aprender e os seus protagonistas mais importantes - os alunos e quem os educa/ensina - não permite definir um sistema de equações que contemple o conjunto de todas as variáveis. Não obstante, há linearidades indiscutíveis, como a que relaciona as dificuldades económicas com o baixo rendimento escolar das crianças: indubitavelmente, a fome, o frio ou os maus tratos prejudicam a aprendizagem. Mas, o oposto, a ideia de que proporcionando condições materiais e afectivas a todos os alunos se garantiria sucesso universal não é, obviamente, uma verdade demonstrável. Na realidade, as condições intrínsecas de cada indivíduo: a constituição, a saúde, as capacidades, as aptidões e as tendências de cada pessoa (que a tornam única e irrepetível) podem não contribuir para que a melhor educação/formação se desenvolva com satisfação e proveito plenos, dos próprios e dos seus educadores/professores. Por isso, ensinar e aprender é uma luta de sempre.

O conhecimento dos mecanismos neuro-psico-fisiológicos decorrentes dos estímulos educativos deve fazer luz sobre a aquisição e integração do saber, e aí deve assentar a acção pedagógica. Contudo, apesar dos progressos da neurologia, não parece que estejamos perto de conhecer aprofundadamente aqueles mecanismos, esclarecendo de modo concreto e amplo os “algoritmos neuronais” que realizam a aprendizagem e proporcionam eficácia no uso do que se aprendeu, em cada contexto afectivo e sociocultural. Mesmo conhecendo-os, sobravam sempre os casos em que múltiplas deficiências lhes limitariam o bom funcionamento.

Assim, andamos à volta do(s) problema(s), sem saber se temos feito as melhores abordagens. Desconhecemos se há alguma via intrínseca particular que suporte o leque das mais variadas aprendizagens, traduzível numa fórmula-base que servisse a cada um para aprender qualquer coisa. Se existisse uma “fórmula mágica” todos poderiam aprender tudo, sem limites. Por outro lado, sabemos que há (relativamente) poucas pessoas geniais que aprendem (ou aprenderiam) bem qualquer matéria. Conhecemos igualmente muitos génios que o são (ou foram) em áreas restritas: na matemática, num ou noutro desporto, na política, na literatura, etc. Sabemos ainda que todas as pessoas aprendem: algumas muitíssimo e outras muito pouco (quaisquer que sejam as bitolas…). Agora, aprender significa aprender qualquer coisa, seja o que for. E aprender algo, concretamente, facilita ou é condição de aprendizagem de outras coisas. Mas não se aprende no vazio. “Aprender a aprender” é um jogo de palavras. Que podia ter continuidade em, por exemplo, aprender a “aprender a aprender”. E assim por diante.

Portanto, se a fórmula «aprender a aprender» fosse real e conhecêssemos a realidade que encerra, talvez já tivéssemos resolvido o problema do insucesso. Porém, nesta matéria o expediente tem sido outro…, e esse é absolutamente ilusório e tremendamente injusto. 

José Batista d’Ascenção

terça-feira, 2 de maio de 2023

Inteligência artificial, o «ChatGPT» e (alguns) perigos decorrentes

A «Inteligência Artifical» (IA) é um “mundo” extraordinário que evolui vertiginosamente, que nos espanta pelas “proezas” que já consegue, que tem possibilidades vantajosas, mas que levanta perplexidades e questões difíceis de esclarecer, sendo que a maior parte das consequências está para além do que conseguimos divisar.

Hoje, os computadores jogam xadrez e já nenhum humano os pode vencer. É um feito (relativamente) recente. Mas não sei de actuais campeões humanos da modalidade que se julguem melhores do que os de outros tempos, quando era fácil ganhar às máquinas, nem os grandes jogadores se terão tornado melhores ou mais capazes só porque jogam (e perdem…) com os dispositivos informáticos.

Esta manhã discuti durante alguns minutos com um colega professor de «física e química» do ensino secundário sobre possíveis vantagens pedagógicas de os alunos proporem ao ChatGPT a resolução de problemas e de aprenderem com essa resolução. Dizia aquele professor que a resolução pela IA de um exercício que fez ultimamente na aula estava quase perfeita e muito bem sequenciada, falhando apenas num pormenor na parte final. Uma maravilha, portanto. Até porque, referia o meu colega, dentro de pouco tempo, a performance dos dispositivos será necessariamente melhor.

Tudo bem, então?

Não, em minha opinião. E lá acrescentei que, do mesmo modo que o motor de busca «Google» não aumentou a bagagem de conhecimentos de ninguém, e conhecendo nós a tendência geral (muito lógica) das pessoas para funcionarem por esforços mínimos, isso pode levar a que muitos deixem de estudar por si próprios, na ideia de que todo o conhecimento está ao alcance e disponível na hora, sem dificuldade. Ora, os cérebros humanos podem tender para o vazio, perdendo capacidade para detectar falhas grandes ou pequenas em respostas que lhes são exteriores e sobre as quais não têm poder crítico. Ou seja, os humanos têm que continuar a estudar e a aprender, e isso exige esforço, tempo, dispêndio, determinação, paciência e, na maior parte das vezes, espírito de sacrifício. Não sendo assim, enormes massas humanas ficarão à mercê das elites que sabem e programam as máquinas para objectivos de supremacia, domínio e proveito material.

O tempo do intervalo passou e, por isso, já não tive tempo de acrescentar outro exemplo que me ocorrera: hoje qualquer jovem vai a qualquer lado com recurso ao GPS disponível nos telemóveis. Mas já pedi a um que, sem ligar o aparelho, me dissesse, a partir do local onde estávamos (e o local podia ser outro qualquer…), em que direcção ficava a capital do país. O rapaz olhou-me espantado, como se a pergunta fosse absurda. E não fazia a menor ideia para que lado apontar. Quer dizer, tal como o «Google» não aumentou a sabedoria global de ninguém, também o GPS não eleva as capacidades de orientação geográfica de quem o utiliza.

Resumindo: estudar e saber é tão necessário como sempre foi e será.

A IA dá-nos, de imediato, respostas espantosas, mas numa compilação estatística do que os humanos produziram, com uma proficiência que nenhuma pessoa pode alcançar. Mas a inteligência humana é imprescindível, hoje e cada vez mais, o que requer trabalho, trabalho, trabalho.

José Batista d’Ascenção