quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

Diálogo entre mim, professor, e a minha consciência

Imagem adaptada, obtida aqui.
Nós, os professores da minha geração, falhámos, deixei escapar, para comigo.
E logo o juiz do tribunal em que todos os dias presto contas:
- Culpas os professores e desconsidera-los.
- Não, não desconsidero os professores, porque há muitos que aprecio e porque também sou um deles.
- Tens a certeza? Mas não os ilibas de culpas. Em que ficamos?
- Fico-me pelas duas vertentes: os professores são vítimas, mas, às vezes, a meus olhos, é como se fizessem tudo para continuarem a ser.
- Mesmo aqueles que aprecias?
- Sim, também esses, ou muitos desses.
- E sentes-te no direito de os julgar, tu que és e te sentes um deles?
- Que oiço eu, pobre réu, no tribunal que me «chama à pedra»?
- Então parece-te que seria fácil evitar o estado de coisas a que se chegou?
- Fácil não era. Mas também não era impossível.
- Eles são o fim da cadeia: políticos, governos, ministérios, supostos especialistas, instituições de formação, direcções escolares, inspecções, coordenações intermédias... determinam o quadro e definem as linhas do que os professores podem ou não podem fazer. Sobra-lhes muita autonomia?
- Autonomia formal, não. Mas é ainda muito o que podem fazer.
- Faz favor de ser claro.
- Se são professores, devem exigir como primeira prioridade trabalhar com alunos. Não devem pactuar, nem por omissão, com a falta de condições para o fazerem. Devem tornar aquela prioridade evidente, pelo empenho e pelo desempenho, perante alunos e encarregados de educação. E devem afirmar e registar isso mesmo, de modo cristalino, nos documentos formais e em todas as oportunidades, especialmente as consignadas na lei. Também devem avaliar o trabalho realizado, nas condições existentes, e, com a maior serenidade, discriminar, assumir e pedir responsabilidades.
- Não está mal. Pela tua parte, fazes isso?
- Sempre que posso.
- Deu ou dá frutos?
- Não tantos como gostaria, na realidade, quase nenhuns, mas pelo menos não morro de vergonha quando me confronto contigo.
- A situação das nossas escolas parece-te irremediável?
- Parece-me que não pode ser irremediável.
- E por onde se devia começar (ou ter começado)?
- Por querer começar.
- Há-de haver quem (desde sempre o) queira. E para além disso?
- É condição fundamental preparar rigorosamente os professores, em termos científicos, nas matérias que devem ensinar e nos aspectos psicopedagógicos que a ciência valida indiscutivelmente, logo na formação de base, a qual só deve ser permitida em instituições credíveis. Proporcionar acesso a formação de qualidade ao longo da profissão, é uma extensão da mesma condição.
- E que mais?
- Definir claramente o que cabe ao professor e as condições de que deve dispor. O que requer clareza, simplificação e exequibilidade do conteúdo das leis e escolas com instalações e organização condignas.
- Avança:
- Avaliar a formação contínua e expurgá-la do que não tem qualidade ou aplicabilidade.
- Podes continuar:
- Definir claramente os programas a cumprir, a interdisciplinaridade e a articulação desejadas.
- E ainda:
- Correlacionar a actividade lectiva e a acção dos professores com os progressos dos alunos, na presença de dados fiáveis, e centrar aí a avaliação efectiva do trabalho dos docentes.
- Uma escola não é mais do que isso?
- É seguramente, mas sem isso não há escola. O resto viria por acréscimo.
- E os professores querem o que propões?
- Procedem mal, se (e enquanto) o não quiserem.
- E continuarão a pagar as consequências, como actualmente – finalizou a minha «inquisidora».

José Batista d’Ascenção