quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Inconveniências pedagógicas em tempo de Natal.

Este é um texto que ninguém deve ler, sob pena de se indispor. Desculpem qualquer coisinha…
Imagem obtida aqui.

Tais estão as coisas que há alunos que encaram a possibilidade de copiar como se fora um direito.
Este ano lectivo dois dos meus alunos ficaram perplexos porque no local da classificação de um teste, tinham uma chamada para uma nota à margem, em que o professor registava a sua falta de confiança na prestação dos alunos em causa e pedia a assinatura dos respectivos encarregados de educação, como prova de que tomavam conhecimento. Essa nota havia sido aposta no cumprimento específico de certo ponto dos critérios de avaliação. O efeito terá sido tão profundo que um dos alunos quis afirmar, de sua iniciativa, perante os restantes, na altura e em ocasião posterior, que dali em diante promete ser honesto quando realizar testes. Pareceu-me tão (comoventemente) sincero em cada uma das vezes, que tive (e tenho) receio de que possa (vir a) ser visto pelos outros como um caso exótico, se não mesmo aberrante.
Também tenho tido, ao longo dos anos, alunos que fazem saber (mais recentemente de forma indirecta…) de modo, nuns casos, discreto e noutros ostensivamente, legitimando a interpretação de que que constitua aviso, chantagem ou vingança, que vão mudar de escola porque querem ter «melhores notas». Não se conhece aluno que diga que vai mudar de escola porque quer aprender mais ou melhor, mas porque quer ter «melhores notas».
Há também casos de alunos que, tendo-se transferido para escolas públicas, no 11º ano, apresentam quedas de classificações que podem ser de 18 para 9 ou de 16 para 8, em disciplinas tão díspares como inglês ou biologia e geologia, em que não é difícil aquilatar com algum rigor e uniformidade o que um aluno sabe ou ignora. Refira-se que não se trata de meros casos pontuais, pelo que não é legítimo que alguém se sinta «retratado» em particular. Nem se pense, também, que o mal que grassa é exclusivo de escolas privadas. Na realidade, a pecha alastra pelas escolas públicas em hipotética (mais imaginária que real?) e infeliz competição (em idas e vindas que anulam os efeitos pretendidos?) pela angariação de alunos.
Ora, compete ao Ministério da Educação e aos serviços de inspecção analisarem a matéria e sobre ela tomarem as decisões que se imponham. E ajudaria que os especialistas que se pronunciam sobre os assuntos do ensino, alguns sendo ex-ministros da pasta, não receassem o tema, fizessem luz sobre o mesmo e possibilitassem as melhores e mais justas soluções. Pela minha parte, sem ser exaustivo, há perguntas que não deixo de colocar:
- Que uniformidade existe (ou que nível de discrepância é aceitável) na avaliação dos alunos do todo nacional, incluindo escolas públicas e privadas, especialmente no ensino secundário, afectando, sobretudo, o acesso ao ensino superior?
- Com que objectivos devem ser elaborados os exames nacionais (pelo menos os da disciplina de biologia e geologia): para avaliar a qualidade das aprendizagens sobre as matérias dos programas ou para garrotar o ingresso em certos cursos do ensino universitário?
- Assegurada a resposta às questões anteriores, e perante tantas estatísticas disponibilizadas, que ilações se tiram e que medidas se tomam face à comparação da média das classificações internas com a média das classificações obtidas em exames nacionais, nos casos exageradamente discrepantes?
- Qual é o grau de eficácia na manutenção do sigilo relativo ao conteúdo dos exames nacionais até ao momento da sua realização?
- Qual é o grau de eficácia no controlo rigoroso das condições de execução dos exames nacionais em todas e em cada uma das escolas?
Se não assegurarmos condições de justiça no sistema educativo não podemos esperar melhor imagem do que aquela que resulta da acção de certos protagonistas da política e da governação, que tratam da sua vidinha, sem que lhes seja aplicada qualquer penalização. Ou de instituições que deviam ser exemplares, sejam as militares (estou a pensar no incrível caso de Tancos), sejam as de (suposta) solidariedade nacional (pense-se no famigerado caso «Raríssimas»). Ou de certas sentenças recentes do sistema de justiça. Ou da acção (até à data) inexistente da «protecção civil» em matéria de prevenção de incêndios florestais. Etc., etc..
Este texto viu a luz do dia depois de ter tomado conhecimento de um conselho de turma em que os representantes dos encarregados de educação se esforçaram «diplomaticamente» para que certo docente (que não é o autor destas linhas) passe a reflectir e ponderar sobre as suas classificações, «atendendo ao contexto, ao que se passa a nível nacional e à circunstância de um simples ponto poder fazer a diferença no futuro dos alunos», ao que o visado respondeu apelando a que os pais e todos os cidadãos levantem a voz contra a proliferação de classificações mentirosas sobre o conhecimento e capacidades dos alunos, enganando-os, enganando os seus pais e causando injustiças em série. E não se tratava, no entender daquele professor, de reprovar os alunos em massa, nada disso, tratava-se, tão-somente, de realizar um trabalho decente e justamente avaliado.
Ter-se-ão calado, aqueles pais, mas ninguém crê que tenham ficado convencidos.
Afinal, que sociedade queremos?

José Batista d’Ascenção

quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

DÉFICE NA EDUCAÇÃO

Texto amavelmente cedido pelo Professor Galopim de Carvalho, que aqui se publica com sentida gratidão.

No passado dia 3, o Primeiro Ministro, na cerimónia de entrega do Prémio Manuel António da Mota, no Palácio da Bolsa, no Porto, disse, preto no branco:
“De uma vez por todas, o país tem de compreender que o maior défice que temos não é o das finanças. O maior défice que temos é o défice que acumulámos de ignorância, de desconhecimento, de ausência de educação, de ausência de formação e de ausência de preparação”.
Dito, creio que de improviso, o que está no pensamento de António Costa, veio ao encontro do que ando a dizer há muitos anos.
Num país, como Portugal, onde a investigação científica e o ensino superior, em todas as áreas do conhecimento, está ao nível do que caracteriza os países mais avançados, é confrangedor assistir à generalizada iliteracia dos portugueses, incluindo muitos dos nossos quadros superiores, intelectuais de serviço e políticos de profissão que, embora conhecedores dos domínios em que se movimentam, são falhos de outras culturas, em particular da científica, que a escola deveria dar mas não deu, como está implícito nas palavras do Primeiro Ministro.
Sou levado a pensar, e não estou só nesta ideia, que grande parte da situação vinda agora, bem ao de cima nas ditas palavras, radica, desde há muito e em grande parte, na “máquina” do Ministério da Educação. Os ministros e secretários de estado, uns com ideias, outros sem elas, têm-se seguido ao sabor das legislaturas e das remodelações. Foram entrando, ignorando muitas das disposições dos que os antecederam, criando outras e desaparecendo de cena, dando lugar a novos outros, em repetição deste desgraçado ciclo. Mas a “máquina”, essa, praticamente, não muda e é essa, quanto a mim, uma das responsáveis pelo défice agora denunciado por António Costa.
Outra parte da responsabilidade desta triste e lamentável situação cabe aos sucessivos chefes de governo que, mais preocupados com outros sectores da administração, dividendos políticos e outras aberrações dos aparelhos partidários instalados, têm descurado este gravíssimo problema, dito agora nas suas palavras como primeiro ministro: “défice que acumulámos de ignorância, de desconhecimento, de ausência de educação, de ausência de formação e de ausência de preparação”.
É urgente olhar para a realidade do nosso ensino e é preciso vontade política para promover uma profunda avaliação e consequente reformulação desta máquina ministerial despida de constrangimentos mais partidários do que políticos 
É preciso e urgente que o Ministério da Educação se torne numa das principais preocupações dos governos, não só na escolha dos respectivos titulares, como nas dotações orçamentais que permitam dar às escolas as necessárias condições de trabalho e de relativa autonomia e, aos professores, a dignidade compatível com o importantíssimo papel que representam na sociedade, a começar nos respectivos vencimentos.
É preciso e urgente que o Ministério da Educação chame a si um conjunto de bons professores e outros profissionais capazes de proceder à necessária e profunda revisão de tudo o que se relacione com o ensino básico e secundário, a começar na conveniente e eficaz formação de professores, reformulação de programas passando pelos livros e outros manuais adoptados (que envolvem interesses instalados) com discursos estereotipados que se repetem acriticamente em obediência a esses programas, levando ou, melhor, obrigando os professores, não a ensinar e formar cidadãos, mas a “amestrar” alunos a acertar nos questionários de exames, por vezes, autênticas charadas.
Sempre disse e insisto em dizer que o professor deve saber muito, mas muito mais do que o estipulado no programa da disciplina que deve ter por missão ensinar. Não pode, de maneira nenhuma, ser um mero transmissor das noções, tantas vezes, insisto em dizer, estereotipadas e acríticas dos manuais de ensino.
Esse muito mais está na abrangência dos seus conhecimentos, não necessariamente especializados ou de ponta (indispensáveis no ensino superior), mas ao nível de uma sólida cultura científica e humanística. E isso vem de trás, da formação cívica que adquiriu, do modo como passou pela universidade e do proveito que tirou desse privilégio, numa sociedade plena de desigualdades como tem sido a nossa. Mas esses conhecimentos, todos sabemos, estão ao seu alcance nas hoje muito boas bibliotecas das escolas e, agora mais do que nunca, na inesgotável, imediata e acessível via “on line”. 
Para tal, os professores necessitam de tempo, e tempo é coisa que os professores não têm. Há que libertá-los de, praticamente, todas as tarefas que não sejam as de ensinar. Há que resolver o problema das suas colocações, com vidas insuportáveis material e emocionalmente, a dezenas de quilómetros de casa, separados das famílias.
Se nada disto for iniciado por este governo, as palavras de António Costa que, estou certo, terão todo o apoio dos PCP; BE e PEV, não passarão disso mesmo.
O sistema social e político dominante na sociedade capitalista que domina na União Europeia, continua a promover e alargar o fosso entre os que estudam, e assim aspiram e conquistam o direito à cidadania, e os outros. Transmitir esta mensagem aos jovens é um dever moral e cívico dos professores, essencial na luta contra o insucesso escolar e pelo direito a uma condição humana de maior dignidade. Não é fácil, mas não é impossível esta tarefa. Há que saber ganhar a confiança dos alunos e, também, o seu afecto. Feliz do estudante que goste da convivência com o seu professor. Essa relação é decisiva na sua atitude face à escola e ao gosto de aprender. Duplamente feliz se o professor estiver à altura do seu papel que, para além de educacional, é, sobretudo, social.

A. M. Galopim de Carvalho

Afixado por: José Batista d'Ascenção

terça-feira, 28 de novembro de 2017

Dificuldade artificial (e intencional?) dos exames nacionais (ou de alguns deles?) como meio de angariação de fundos?

Hoje, um aluno interessado procurou-me para que lhe explicasse o conteúdo de uma solução de um exercício do livro «BIOLOGIA E GEOLOGIA, Questões de Exames Nacionais e de Testes Intermédios 2006-2017 (10º e 11º anos)», o qual tem escrito, bem visível na capa e na lombada, «Edição 2018», embora a 1ª edição seja de Outubro de 2017, uma sugestiva (e criativa!) ideia de actualização e antecipação…
Na contracapa está escrito que «Os conteúdos estão organizados de forma a permitir ao aluno dirigir o seu estudo para os temas e as unidades do programa».
Nada tenho contra as estratégias de negócio que, de forma transparente, prestem serviços úteis e de qualidade, particularmente se destinados à formação dos jovens. Mas defendo que é na Escola e com a ajuda e as explicações dos professores dos próprios alunos que eles devem ficar minimamente preparados sobre as matérias a aprender. Têm direito a isso, sem gastos por fora. E não compreendo como programas tão mal estruturados e articulados e desactualizados, de que talvez o pior exemplo seja o de Biologia de 10º ano, que mais parece ter sido concebido para impedir que os alunos aprendam e que os professores consigam ensiná-los,  permaneçam intocados, anos e anos, sem perspectivas de qualquer revisão. Revisão mais premente e necessária ainda face às sugestões e recomendações metodológicas neles contidas, as quais apontam explicitamente e invariavelmente no sentido da simplificação e da facilitação dos conteúdos. É tanto assim que os manuais em uso, feitos de acordo com os programas, insistem, em todos os exercícios que propõem, em questões muito simples, tão simples que, não raro, chegam ao ponto de serem insultuosas para a inteligência dos alunos. E não há no mercado manuais da disciplina com outra visão dos programas, todos eles, aliás, devidamente autorizados pelo Ministério da Educação.
No oposto surgem os exames nacionais de Biologia e Geologia, em desconformidade com os programas (absurda e escandalosamente desactualizados) a exigir um grau de conhecimentos, abrangência e capacidade de relacionação que só por milagre seria possível os alunos atingirem nas condições da nossa escolaridade (deixo agora de lado os erros dos próprios exames…).
Quando (eu) ensino quero e preciso saber quais são as referências e as balizas. De outro modo, saltando do programa para «tudo» o que com ele se relaciona ou aprofundando-o para além do que estipula, navego no escuro, arriscando-me a cumpri-lo mal e a não acertar no que vai sair nos exames. Por outro lado, recuso-me a «amestrar» alunos para os exames (vulgo «treinar macacos»), pelo que a minha função fica muito dificultada. E para grande parte dos alunos, a situação que existe redunda numa frustração tão cruel como desnecessária, causa de aversão (ou mesmo de ódio) actualmente e no futuro às ciências naturais.
Donde não se perceberem os objectivos. Para os professores, tão importante como a definição clara do que devem ensinar é a formação e actualização de que sempre precisam (e que não têm tido – por exemplo, eu não quero formação, aliás, inútil, para classificar exames, eu preciso dela para ensinar melhor os alunos). Na mesma linha, os alunos precisam de saber o que têm que aprender e têm todo o direito a serem bem ensinados.
Se entre os objectivos está a perspectiva de fazer negócio com a aflição dos alunos, então esses fins são ilegítimos e compete-nos tomar sobre eles uma posição de rejeição.
É o que devíamos ter feito quando o presidente do conselho científico do Instituto de Avaliação Educativa (IAVE) afirmou, como o fez João Paulo Leal, em Coimbra, em 16 de Maio de 2015 (conforme notícia do jornal «Público» de 17 de Maio de 2015, página 12), «que se podem promover resultados, em média, mais altos ou mais baixos, alterando simplesmente as cotações dos vários itens [questões] ou, então, uma ou duas questões em todo o exame. (…) a Português, por exemplo, se quero que haja notas altas é muito fácil. Pego numa ou em duas perguntas, substituo-as por outras, aparentemente semelhantes, e a minha expectativa em relação aos resultados dá um salto de cinco valores… Não é segredo para ninguém que as equipas do Iave que realizam os exames fazem uma estimativa de que resultados, em média, cada exame vai ter: Com uma diferença de mais um menos em valor em vinte, acertam em 95% dos casos, aquelas equipas conseguem fazer um exame para a nota que querem».
E depois disto, passados dois anos e meio, nada aconteceu. Tudo como dantes. Dá para entender?

José Batista d’Ascenção

terça-feira, 21 de novembro de 2017

Desventuras do exercício da docência

Ele há coisas! Hoje, chegado à escola atempadamente, à hora habitual (oito e pouco), com as aulas preparadas para toda a manhã (juro!) passei sem saber como a funcionar como se fora quarta-feira, dia em que os primeiros noventa minutos da manhã são destinados àquelas horas em que estamos acorrentados à escola, mesmo quando temos muito que fazer e não é possível fazê-lo lá. E então sentei-me, puxei de um caderno e vá de ocupar o tempo, enquanto aguardava pela colega com quem, às quartas, costumo trabalhar na «estufa». E ela que se atrasava! Deu o segundo toque e eu à espera. Até que toca o telefone (da sala de professores). Como só estava eu e uma outra colega, ainda lhe disse: «nem vale a pena atender, não deve ser a nenhum de nós que procuram». 
Mas ela atendeu. Chamavam por um tal professor José Batista. Como? Só então caí em mim. A D. Fátima, habituada aos registos de assiduidade, tinha pedido aos alunos para esperarem. Eles próprios achavam estranho o professor não ter subido. E esperaram. Esperaram todos o tempo necessário (mais de 10 minutos, o tempo de tolerância às 08.20h). Nenhum mostrou qualquer hesitação ou má vontade. São assim aqueles miúdos do 11º E da ESCA. Por isso gosto tanto deles, desde que os tenho como alunos.
Algo envergonhado e acabrunhado, pedi-lhes sincera desculpa. E fiquei sensibilizado com a doçura serena deles e a disponibilidade para a aula, que hoje se estendia por 135 minutos! Com alunos diferentes podia não ser assim.
Já a D. Fátima não pode imaginar a estima e o carinho em que a tenho.
Agora mesmo ainda me sinto estranho. Mas faço esforço para ver os aspectos bonitos e generosos associados uma situação indesejável, e tento minimizar algum sinal de decrepitude própria que espero que não se torne demasiado frequente.
Um grande obrigado.

José Batista d’Ascenção

O cumprimento do dever e vogar do pensamento no tempo infinito da vigilância de um teste

Toca a campainha e o professor segue para a sala. À porta, concentrados, os alunos estão nervosos. Perguntam se o teste é fácil, mais fácil do que o anterior, e o professor diz-lhes que sim. Entrados na sala, depressa ocupam os seus lugares. Alguns dispõem ou acondicionam os seus amuletos; há quem insista na pergunta sobre se o teste é fácil. O professor recomenda concentração e muita calma, diz que o tempo é mais do que suficiente e pede o favor de ser alertado para alguma gralha no enunciado, que é feito em duas versões, com perguntas exactamente iguais mas com a ordem das opções ou das sequências ou das correspondências trocadas. É uma trabalheira montar testes assim, mas é necessário por três motivos principais: seguir o modelo do exame nacional, obviar a impossibilidade de separar fisicamente os alunos, devido às dimensões das salas de aula e ao tipo de mobiliário, e conseguir classificações mais objectivas.
Distribuídos os enunciados, cai o silêncio na sala, só quebrado por algum folhear mais nervoso das 8-9 páginas do teste, em leitura (eventualmente saltatória) dos textos introdutórios e respectivas questões ou por algum pedido de esclarecimento do significado de palavras comuns, mas afastadas do léxico dos jovens…
É então que o professor pode pousar silenciosamente o olhar os alunos, enquanto eles se aplicam. Há os que sabem e esses prosseguem firmes na resolução; há os que hesitam, mas insistem e fazem alguma coisa, e há também os que, cedo, olham vagamente o tampo da mesa, o fundo da sala ou o tecto, em atitude flácida que, por vezes, disfarçam, se o professor faz incidir neles a sua atenção.
Nestas alturas, em que é preciso realmente vigiar os alunos, porque alguns – não poucos - só a muito custo respeitam as regras do trabalho honesto e… estritamente pessoal, o professor pode ser tomado por várias sensações e reflexões, como sejam:
- sentir-se à prova, e também ele examinado, uma vez que é o líder de uma equipa – a turma – cujos resultados dependem da sua acção pedagógica e didáctica e da adequação do teste que aplica e de que é responsável;
- tentar colocar-se na pele de um ou outro aluno, recordando, eventualmente, os tempos em que também o foi e partilhar (reviver…) a angústia de quem sabe mas está nervoso, o medo ou a dor de quem sabe pouco mas até se esforçou e não entende bem o formulado das questões, a tristeza e desgosto dos que desacreditam de si e não se acham à altura por alguma espécie de condição limitativa pessoal, quem sabe se imaginária, e também a revolta ou desafio dos que mal suportam o mundo dos adultos, dos pais, dos professores e da escola e parecem enquistados em não ligar a uns e a outros, quase intencionalmente refractários à aproximação e às tentativas de quem gostaria de os cativar;
- pensar sobre tantos absurdos da escola: as políticas, os interesses, as condições internas de funcionamento, face às características sócio-económicas e afectivas dos alunos e das suas famílias e à conveniência e eficácia e razoabilidade da vida em comunidade;
- reflectir sobre o que é a vida dos docentes e a sua vida em particular, com as suas idiossincrasias, as suas circunstâncias, os seus desejos e as suas possibilidades…
A dada altura, é ainda possível que o professor, muito mais do que os alunos, espere ansiosamente pelo toque de saída.
Se a sessão chegar ao fim e houver uma boa parte dos alunos a manifestar satisfação e alívio, e nenhum deles parecer destroçado, o professor pode então sentir um reconfortante bem-estar, mas não é isso o que muitas vezes acontece.
A ingrata tarefa de elaborar os testes nos moldes referidos (mesmo tirando questões daqui e dali) e a «penitência» de os «corrigir» são um outro «calvário», talvez uma forma de «tpc recorrente para o docente», de cujas exigências só o próprio e a sua família directa têm uma noção exacta.

Nota adicional: este texto é (apenas) um registo, não é um queixume e foi rascunhado à mão, de pé, entre os alunos de uma turma durante a vigilância de um teste.

José Batista d’Ascenção

quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Não fiz greve

Portugal tem uma volumosa dívida, superior a 130% de tudo o que produzimos num ano.
A solidez da economia do país é uma ficção com que, muitas vezes, gostamos de nos iludir.
Nos meses do Verão e do Outono deste ano, as florestas de Portugal arderam, tornando-nos mais pobres, agora e por muito tempo, no futuro.
E no entanto:
Os juízes – sim, os juízes, que são órgãos de soberania! – ameaçaram fazer greve;
Os enfermeiros fizeram greve;
Os médicos fizeram greve;
Os professores do ensino básico e secundário fizeram greve.
Todos exerceram um direito, todos reclamaram das condições do seu trabalho, e fizeram muito bem. Mas pôr a tónica em auferir mais rendimentos?
Eu não vejo como seria possível satisfazer tantas reivindicações sobre aumento de retribuições salariais. Recorrendo a mais empréstimos? Fazendo mais dívida?
Não que eu esteja contente com as condições de funcionamento das escolas. Não estou. E muito poderia ser melhorado, sem passar pelo aumento de despesa pública.
Mas no passado dia 15 não fiz greve.

José Batista d’Ascenção

quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Dia a dia: pequenas coisas que significam muito ou a acta de um caso sem história

Imagem obtida aqui
Diz-se que há dias em que uma pessoa não deve sair à rua. Do mesmo modo, poderia dizer-se que há dias em que uma pessoa não deve ficar em casa. Significam uma e outra afirmação que há alturas em que algo que corre mal funciona como o primeiro de uma sucessão de acontecimentos maus. Talvez isto tenha alguma relação com a chamada «lei de Murphy» (se alguma coisa pode dar errado, ela dará errado), que alguém explicava assim: se uma torrada com manteiga de um dos lados cair ao chão, ela cairá com a superfície barrada virada para baixo!
Passemos ao meu desabafo (sobre o qual – propositadamente – deixei transcorrer uns dias): Na sexta-feira passada tinha combinado que, ao fim da manhã, sairia da escola, ia rapidinho levantar dinheiro, passava na bomba para meter gasolina e apanhava a Lurdes, para irmos almoçar a hora boa, por forma a ocuparmos a tarde de acordo com a programação usual. Nesse dia, a manhã de aulas não foi empolgante, mas correu bem (pelo menos em comparação com o tempo imediatamente a seguir…). Chuviscava, ao dirigir-me para o carro. Quando me aproximava, vi uma roda da frente em baixo e surgiu o primeiro contratempo. Um telefonema rápido, a pedir 15-20 minutos, a reflexão mental sobre o que era preciso fazer, casaco fora, mangas arregaçadas, macaco, chave de «porcas» e a roda sobressalente arrancados do fundo da mala. Com umas pinguinhas sobre o dorso, elevei o carro, desaparafusei a roda e vá de puxá-la, puxá-la e voltar a puxá-la. Umas pancadas com o punho, novos puxões, o carro abanava, mas a roda não saía. E eu não percebia porquê.
Solícita, a minha colega Goreti Mota, que se dirigia para o carro dela para, como eu, ir almoçar, aproximou-se e... apiedou-se. Tentou abrigar-me dos pingos de chuva. Ouviu a minha queixa sobre o comportamento imprevisto daquela roda. Expedita, disse-me que ia pedir ajuda ao Sr Silva, o chefe dos funcionários. Eu, com as mãos miseravelmente pretas continuava, perplexo, a tentar entender aquela roda que não «dialogava» comigo. Comigo, que uns anos antes tinha mudado uma roda daquele carro sem problemas… Chegou o Sr Silva, olhou, deu uns puxões, ergueu-se e de costas para a roda aplicou-lhe umas pancadas fortes e secas com o calcanhar. E a roda cedeu.
Alívio. Porque o Sr Silva sofre da coluna, recomendava-lhe algum cuidado e, satisfeito, tratei logo de me adiantar para ser eu a meter a roda de reserva: em «três breves» a apertei e de imediato desci o macaco, que desceu, desceu, desceu, até revelar um pneu, também ele, em baixo! Grande azar: pneu sobressalente vazio ou também furado? Palpite do Sr Silva: vazio por perda de ar, lentamente, ao longo de muito tempo. Conferia: o carro tem quase 18 anos (ainda é jovem, portanto…) e só uma vez, que me lembrasse, tinha havido um furo. Mas para o caso pouco interessava: agora tinha um carro com apenas 3 rodas e faltava a quarta… Sugestão imediata da Goreti: ela telefonava a dizer a quem a esperava para almoçar que tinha que demorar um pouco mais, metíamos as duas rodas no jipe dela e íamos tão rapidamente quanto possível a uma estação de serviço próxima arranjar pelo menos uma delas e voltávamos ao (meu) carro em pouco tempo. E se bem o disse, depressa tomou a iniciativa. O Sr Silva ainda foi comigo aos WC abrir-me porta e a torneira para eu poder lavar as mãos, voltou ao seu serviço e eu segui, grato e confortado, no jipe da Goreti que nos levou rapidamente à tal estação. Ali, serviço atencioso, rápido e eficiente: cheio o pneu de reserva e mergulhado na água, não tinha furo nenhum - muito bem; extraído o parafuso que furara o outro, o técnico rapidamente passou à acção e em poucos minutos reparava o pneu e enchia-o. Já o trabalho estava quase feito, lembrei-me que era minha intenção ir buscar dinheiro antes de ir meter gasolina, ou seja: não tinha nenhum comigo. E disse-o, pensando alto. Rapidamente, a Goreti sossegou-me: «não te preocupes, eu tenho dinheiro». Aliviei e, momentaneamente, pensei em pedir-lhe que se fosse logo, eu ia levantar dinheiro por ali próximo, chamava um táxi que me levaria para a Escola, a mim e às duas rodas, e lá me amanhava. Porém, lembrei-me que do portão da escola até ao meu carro era uma certa distância, com uma rampa de forte inclinação ao longo de 25 ou 30 metros pelo meio onde, àquela hora, circulavam outros carros, o que esfriou a minha ideia. Mas a Goreti não manifestava qualquer pressa (que eu sabia que tinha que ter). Felizmente, a conta foi tirada em dispositivo multibanco, pelo pude ser eu a pagar. Nova vitória. E ainda encontrei uma moeda de 2 euros que meti na mão do senhor que arranjou as rodas (com pena de não ter um pouco mais… e admitindo que ele não imaginasse que era todo o dinheiro que tinha comigo…).
Regressados ao meu carro, sobre três rodas e um macaco, exigi à Goreti que se fosse embora, sentidamente agradecido, e também satisfeito com a generosidade e a calma daquela minha querida Colega. Sentia-me agora forte e confiante e encorajado, não pelos meus méritos, mas pela atitude tão bonita e útil da minha amiga.
Mudei a roda num rápido. E fui, também eu, almoçar. A caminho e depois não podia deixar de imaginar: um percalço, outro e outro; um aborrecimento, multiplicado por três, mas também provas de atenção, interajuda e disponibilidade elevadas à potência daquele produto de factores.
Não que eu precisasse de tais provas, porque conheço a pessoa e a profissional que a Goreti sempre foi e é, assim como a capacidade e a eficácia do Sr Silva, mas porque é sempre bom sermos confrontados (e confortados) com evidências desta natureza.
Obrigado, Goreti.
Obrigado, Sr Silva.

José Batista d’Ascenção

quinta-feira, 2 de novembro de 2017

Sobre a nota de Educação Física no ensino secundário

«A classificação da disciplina de Educação Física deve contar para todos os efeitos — transição de ano e média final de conclusão de curso — e não ter qualquer efeito na graduação para acesso ao ensino superior, a menos que, neste último caso, seja do interesse dos alunos.»

Parágrafo final do artigo de José Eduardo Lemos no jornal «Público» de hoje (páginas 42 e 43), após fundamentação da sua opinião, com a qual concordo.

José Batista d'Ascenção

terça-feira, 24 de outubro de 2017

«E o Azul se fez Homem», de João Alveirinho Dias

(Um livro particularmente útil para professores de biologia e geologia do ensino secundário, e não só…)

Fotografia com cores falsas de um zircão de Jack Hills,
na Austrália Ocidental, cuja datação sugere que tem cerca
de 4374 milhões de anos. Dimensões: 0,4 x 0,2 mm.
Por estes dias, fui lendo o livro «E o Azul se fez Homem. Parte I – A génese do Ambiente», publicado em 2015, em versão PDF descarregada do mural de João Alveirinho Dias na rede social «facebook».
Com um prefácio de comovente humildade, o autor faz um «pedido de desculpas» por usar «conhecimentos em segunda mão e, por vezes, incompletos». Pela minha parte, e depois de ter lido o que li, só tenho a agradecer, e muito, pela «síntese dos factos e das teorias» que tentam «integrar o somatório de todos os conhecimentos num conjunto unificado» em que o ser humano surge como elemento produto e pertença do planeta em que habita.
J. Alveirinho Dias faz uma viagem no tempo e nos acontecimentos que, à luz da ciência, podem ter ocorrido no planeta desde a sua origem, há cerca de 4570 milhões de anos, tentando «constituir uma síntese holística dos conhecimentos sobre o Ambiente e, portanto, sobre a Terra e, consequentemente, sobre o próprio Homem.» Ainda no intróito, Alveirinho Dias, seguindo a teoria Gaia de James Lovelock, refere de forma esclarecedora: «É errado pensar que existe o Homem e a Terra. [A Terra e o Homem] Não são entidades separadas; são uma e única entidade. O Homem é apenas uma das muitas partes integrantes desse sistema complexo que é a Terra. O Homem é apenas uma das 30 milhões de espécies que se estima existirem no nosso planeta, das quais apenas 3 milhões estão cientificamente classificadas.» E mais adiante, explicita: «é ponderoso que conheçamos bastante melhor (todos nós) o ambiente do qual dependemos, e tal só pode ser conseguido através da investigação científica, da circulação transversal das informações assim obtidas e do aumento da literacia científica da sociedade (incluindo, obviamente, a da classe politica e a da população em geral). Quanto melhor conhecermos o ambiente, mais correctos e acertados poderão ser os nossos procedimentos e, por conseguinte, maiores serão as garantias de manutenção dos princípios civilizacionais e da nossa existência.»
Daí por diante, seguem as referências ao modo como o planeta se formou, à origem da Lua, à deriva dos continentes, consequência da energia interna da geosfera, assim como à formação e evolução dos oceanos e da atmosfera. Tudo isso é relacionado entre si e com as primeiras manifestações de vida, a sua diversificação e aumento de complexidade ao longo do tempo, sem esquecer a menção de extinções em massa, como a que foi devida à progressiva oxigenação dos oceanos, em resultado do processo fotossintético, e as razões por que esse enriquecimento em oxigénio provocou a extinção de grande parte dos seres vivos existentes. Cada aspecto com o rigor científico possível, balizado no tempo por meio de datações radiométricas (ver figura acima, retirada do livro), e assente em propostas de explicação de fenómenos e processos, com base no estudo de meteoritos, de vestígios de glaciações, de camadas sedimentares, de fósseis, etc. Até «ao nascimento do “nosso” Ambiente», há cerca de 541 milhões de anos, tempo da «infância do ambiente que conhecemos e que estamos a modificar» perigosamente.
Vale muito a pena ler.
Fico à espera da parte II.
Obrigado ao autor.


Adenda: João Alveirinho Dias é, também, um artista de gabarito em matéria de desenho, revelando um traço “simples”, característico e muito original. Para dar uma ideia fica uma belíssima imagem do Alentejo saída da sua mão.



José Batista d’Ascenção

domingo, 22 de outubro de 2017

Sobre o ensino da Filosofia no ensino secundário

Texto amavelmente cedido pelo Professor Galopim de Carvalho, que aqui se publica com um sentimento de profunda gratidão

METER A FOICE EM SEARA ALHEIA

Porque tive um bom professor de Filosofia, em Évora, no 6º e 7º anos do Liceu (actuais 10º e 11º), António Hortêncio da Piedade Morais, mantive ao longo da vida um certo respeito por uma matéria que nunca aprofundei. Lembro-me de uma frase sua: “a filosofia é, sobretudo, a via que conduz o nosso cérebro ou a nossa mente a pensar sobre o pensamento” e é esta a noção que conservo desta disciplina. Percebe-se assim por que razão os filósofos são, muitas vezes, referidos como pensadores. 
Há dias tive curiosidade em passar os olhos sobre o programa oficial desta disciplina, no nosso ensino secundário, e uma das frases que li e que transcrevo: “Iniciar a discursividade filosófica, prestando particular atenção, nos discursos/textos, à análise das articulações lógico-sintácticas e à análise dos procedimentos retórico-argumentativos”, acentuou-me a convicção de que um discurso tão desnecessariamente rebuscado (que me mostra o elevado nível filosófico de quem o escreveu, mas me deixa dúvidas e perplexo no que respeita a sua qualidade pedagógica) faz fugir “a sete léguas” um qualquer adolescente. A mim, cuja idade pesa mais do que cinco adolescentes, foi o que me aconteceu, fugi.
Com boa vontade, podemos admitir que todos somos filósofos sempre que procuramos saber ou investigar algo, seja sobre minerais ou rochas, borboletas, literatura, castelos, gastronomia, pintura, planetas e satélites, jardinagem ou até mesmo futebol, moda ou tauromaquia. Tudo é sabedoria e tudo é, de facto, para os respectivos cultores, motivo de amor ou interesse. Mas o conceito académico de filosofia é algo mais profundo, a tratar por quem ganhou estatuto para tal. É, por assim dizer, uma sabedoria com uma longa história, vasta e complexa, que abarca a universalidade do conhecimento, que o questiona, explora e, tantas vezes, vai à frente dele.
Como disciplina dos programas escolares do ensino secundário, Filosofia é um ramo do conhecimento como qualquer outro. Afasta muitos alunos porque, como se viu, usa um vocabulário para eles erudito e hermético, fora do seu dia-a-dia. Na realidade, tem um “falar caro” que, se for “trocado por miúdos”, deixa de “meter medo”, passa a ter significado e, até, acredite-se, pelo menos para mim, tem beleza. 
Como filósofo que sou, no estrito sentido de gostar de saber coisas, das mais simples e vulgares, como levantar uma parede de tijolos, ao porquê das ondas de gravidade prevista por Einstein há 100 anos e agora, finalmente, descobertas, não resisto a “meter o nariz e espreitar” este maravilhoso domínio do génio humano.
Fique claro que não pretendo “meter a foice em seara alheia”. Não adquiri preparação académica em filosofia. Limito-me, pois, a procurar tornar acessíveis as leituras que a condição de “arrumado na prateleira”, na situação de aposentado, desde 2001 (há 16 anos, é muito tempo), me vão ensinando. 
Dada esta explicação que me desculpem os leitores mais letrados, professores e outros que, certamente, dispensarão, estas minhas incursões. Mas é que eu sei que são muitos os que esperam de mim estas conversas. E é a pensar neles que vou pondo aqui, todos os dias e “enquanto é tempo” (o horizonte de vida não permite dilatar o tempo), o que aprendi e continuo a aprender, bem como o que meditei ao longo da vida.

A. M. Galopim de Carvalho

Afixado por: José Batista d'Ascenção

sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Obrigações fundamentais da Escola

Há quem, sem condições, se esforce quanto pode;
e quem, com boas condições, se recuse a esforçar-se
o que devia.
Imagem colhida aqui.
Em qualquer tempo, em qualquer lugar, há obrigações a que a Escola não pode eximir-se. As crianças, com alimento básico, roupa que vestir e tecto que as acomode mais ou menos confortavelmente, têm direito à frequência de ensino que as deve estimular e preparar para:
- compreenderem perfeitamente a língua materna (ancorada nas suas raízes…) e usá-la com proficiência, pelo que deve ser ensinada com empenho e rigor e… entusiasmo;
- conhecerem e compreenderem a sociedade e as suas origens, começando pela comunidade de pertença, para bem se integrarem, o que implica estudar história;
- aprenderem pelo menos uma língua estrangeira, para melhor comunicarem com o mundo, poderem viajar, adaptar-se a outras culturas e nelas, eventualmente, poderem viver e trabalhar;
- saberem raciocinar, questionar-se e questionar os outros, as instituições e as normas vigentes, o que não dispensa noções de filosofia e enquadramento em valores éticos pessoais e sociais;
- entenderem e apreciarem o funcionamento do mundo natural e dos mecanismos que lhes são intrínsecos, o que remete para conhecimentos básicos de ciências geográfico-naturais (geografia, biologia e geologia) e físico-químicas, as quais, suportadas no conhecimento matemático, permitem compreender os fenómenos regulares decorrentes das leis físicas que regem o planeta e o universo a que pertencemos;
- desenvolverem o gosto e a sensibilidade pelas artes: visuais, musicais ou outras;
- concretizarem com prazer a ideia de um corpo são com mente sã, através da prática de exercício físico e desporto.
Para além das áreas (mais ou menos) disciplinares apontadas, a Escola devia ainda ter como fundo um grande apego aos valores universais de cariz humanista e às grandes realizações culturais da humanidade, em quaisquer áreas: literatura, pintura, escultura, música, etc., etc. 
Podendo e não cumprindo as funções referidas, a Escola peca por negligência.
Mas poder-se-ia pedir isso tudo à Escola?
Em países minimamente desenvolvidos poderia, e não era pedir-lhe demais. Se lhe dessem as devidas condições. Se a Escola servisse para ensinar crianças, como devia servir, mediante a acção dos professores, que para isso foram (ou deviam ter sido) formados. Se fôssemos capazes de delimitar campos de responsabilidade, e se fossem muito bem definidas as funções que a Escola, mesmo que queira, não sabe nem pode desempenhar: acção social (condições de habitação, de alimentação, vestuário, acompanhamento da deficiência profunda, higiene sanitária), serviços de saúde (bem estar psicofisiológico, cuidados de prevenção básicos, tratamento da doença) e apoio psicológico em casos particulares (famílias desestruturadas, problemas de saúde mental, integração de emigrantes, emergências derivadas de catástrofes ou infortúnio, etc.). Se fosse assim, creio que os professores, pela sua parte, e na sua área, estariam à altura, e poderiam e gostariam de ser postos à prova. Mas seria pedir muito, eu sei.
Entre nós, nas condições existentes, lamentavelmente, para além daquela minoria de crianças e jovens que (cor)respondem bem, apesar das insuficiências do sistema escolar, em relação à maior parte dedicamos-lhe uma atenção tão pouco cuidada e ineficaz quanto o zelo com que tratámos as nossas florestas ao longo dos últimos quarenta anos.
Gostaria de morrer sem assistir a consequências mais penosas (ou dramáticas, para as pessoas e para o país), derivadas em parte do modo como crianças e jovens fazem o seu percurso – e o seu “crescimento” -  escolar, do que aquelas de que vou tomando conhecimento ou a que provo diariamente o amargor do sofrimento: veja-se, por exemplo, o que tem sido a acção (e os diplomas académicos e a impunidade) de muitos dos nossos (não muito idosos e bastante malformados) políticos…

José Batista d’Ascenção

domingo, 15 de outubro de 2017

Os alunos que tenho a sorte de ter este ano lectivo

Imagem obtida aqui.
Fez ontem um mês que se iniciaram as aulas. Já conhecia a quase totalidade dos meus alunos desde o ano passado. Conhecer os alunos com quem se trabalha é sempre um factor positivo e, no meu caso, um privilégio (de que não podem beneficiar os meus colegas que frequentemente saltam de escola em escola, atirados, por vezes, para lonjuras incríveis dos locais em que viviam e/ou trabalhavam, como aconteceu com os miseráveis concursos do último Verão).
Este ano sou um privilegiado, repito, e digo porquê: os meus alunos são gente boa, pessoas bem formadas que os pais (que eu não conheço…) educaram como deve ser. É um conforto lidar com jovens humildes, simpáticos, disponíveis e (quase todos) trabalhadores. Para além de mim, e muito antes de mim, mais pessoas lhes devem ter dito que a escola, mesmo (muito) imperfeita, como é, é uma oportunidade de oiro para se prepararem para a vida, para uma profissão (qualquer que seja), para o desempenho da cidadania e, muito importante, é também, especialmente para os mais pobres, a melhor via de melhorarem a sua condição social, ficando em Portugal ou procurando o estrangeiro, como tantos têm feito nos últimos anos (e ainda bem para eles).
Para além do empenho, enquanto dever estrito de cada aluno, é um conforto, para qualquer professor, a sensibilidade (logo que se aperceberam do pormenor de o professor não gostar de apagar quadros – há quem não goste, deste os tempos do giz de cal – este ano há sempre alguém, discretamente lesto, a poupar-lhe esse trabalho), a atenção (uns - bastantes - às matérias de estudo, durante e após as aulas, e todos a pequeninos gestos que tornam a convivência doce: dar conta, solicitamente, de algum pedido feito no fim da aula anterior, dirigir um olá ao professor distraído que segue pelos corredores, apanhar os papéis caídos no chão, não se esquecer de arrumar a cadeira sob a mesa no final de cada aula, etc.), a delicadeza e a amabilidade dos alunos (visíveis na forma como aguardam a entrada na sala, se relacionam uns com os outros e saúdam o professor que chega ou o modo como dele se despedem quando a aula finda, bem como a atitude no decurso de cada lição). Isto é o que devia ser normal e, por esse motivo, dispensar referência. Acontece que é também por essa razão que (infelizmente) deve ser referido.
Há, obviamente, as partes de que não gosto e que é preciso melhorar (e só restam oito meses para isso…). Um dia destes um grupo de vários alunos não fez o trabalho de casa - sim, há professores que não abdicam do trabalho de casa dos alunos, e não é para mal deles -, depois de decorrido tempo suficiente para o terem feito. Foi um desgosto (autêntico, sofrido) com fúria consequente (claramente transmitida, no momento), que teve efeito positivo concreto na maior parte deles (não em todos…). Eles próprios transmitiram (antes de mim) a falha à directora de turma que não os poupou ao correctivo merecido, que aceitaram bem. Cabe aqui realçar o bom trabalho dos directores de turma dos meus alunos deste ano, os quais ouvem com respeito e sem submissão os encarregados de educação, facilitando, e muito, a tarefa dos próprios pais e a dos professores e contribuindo para a boa formação e o melhor rendimento possível dos alunos. A eles, como aos pais dos meus meninos, também estou grato.
Outra coisa de que não gosto é que qualquer dos meus alunos não apresente alguma dúvida porque dá trabalho a explicar de novo ou - tenho essa impressão às vezes - para não “desgostar” o professor que já a explicou ou pediu a alguém que a explicasse mais que uma vez. Inaceitável é igualmente que algum aluno deixe de perguntar porque lhe dá trabalho a ele próprio a aprender…
Por isso, este ano, este pobre professor sofrerá mais ainda do que o costume caso algum aluno chegue ao S. João sem aproveitamento. Cada “nota” menos boa será (sentida como) uma “nota” má atribuída a si próprio e ao seu trabalho. Por consequência há que recorrer a todos os meios honestos e legítimos para evitar essa situação. As aulas de apoio são (mais) uma boa altura para esclarecer dúvidas e fornecer as explicações necessárias. Não faltará tempo, se não faltar a vontade.
Pelo menos da parte do professor e, seguramente, da maior parte dos alunos.
Obrigado.

José Batista d’Ascenção

terça-feira, 10 de outubro de 2017

A formação que os professores precisam mas não têm e aquela a que os condenam inutilmente

Há mais de ano e meio, eu e os meus colegas de grupo disciplinar esforçavamo-nos por fazer chegar ao centro de formação a que a nossa Escola pertence uma série de temas do âmbito específico dos programas que nos cabe leccionar (de biologia e de geologia), aproveitando o que pomposamente fora chamado de “plano de acção estratégica para o biénio 2016-18”, destinado a promover o sucesso escolar. Eram muitos e variados os temas que propusemos, tendo em conta alguns conteúdos que têm sido incluídos nos exames, mas que não constam dos programas vigentes e sobre os quais os professores precisam de actualização. 
Pois nem um só dos temas propostos foi acolhido!, provavelmente porque não há entre os formadores dos centros de formação quem esteja devidamente documentado… Contudo, não é crível que, procurando nas instituições de ensino superior – as entidades que têm indubitável credibilidade científica para actualizar cientificamente os professores do ensino secundário - não fosse possível subsidiar módulos ou pequenos cursos de frequência gratuita para os docentes.
Não obstante, decorreu até hoje, dia 10 de Outubro, o prazo de novas inscrições para formar professores classificadores de provas de exame, com pedido de que os professores se inscrevessem e solicitação às direcções para os estimularem nesse sentido. Hoje, último dia do prazo, foi dado conhecimento da prorrogação do mesmo até dia 13, talvez porque os professores não se interessa(ra)m…
Eu conto-me nesse número e digo porquê: Em tempos fui obrigado a participar em três dessas acções de formação que não só não me serviram para nada (não tiveram qualquer utilidade para a tarefa de classificação de provas, não me ajudaram a ser melhor professor, nem serviram formalmente para progressão na carreira, que está congelada), como ainda me fizeram prisioneiro da tarefa forçada, esforçada e gratuita de classificar provas em tempo de exaustão que entra por Agosto dentro (este ano a entrega das provas classificadas na 2ª fase fez-se no dia 03).
Sendo assim, dispenso(-me de) tal formação. Sem qualquer pena e com grande alívio. 

José Batista d’Ascenção

domingo, 8 de outubro de 2017

Sobre “a (in)utilidade do conhecimento escolar”, por Maria Helena Damião

In: Revista “Visão”, nº 1283, 5-11 Outubro de 2017

Segundo Helena Damião (HD), professora da Faculdade de Psicologia e Educação da Universidade de Coimbra, «são vários os países que se encontram a fazer mudanças no currículo» (…) fazendo «ressurgir questões antigas», entre elas: «o conhecimento a proporcionar às novas gerações: de que tipo deve ser? Como deve ser aprendido?»
Helena Damião diz que «tal como há um século, rejeita-se a tradição com a promessa de inovação, (…): centrada a educação na singularidade do aluno e no seu contexto, prevalece a procura do bem-estar subjectivo e da satisfação imediata, que é também superficial (…) A orientação dessas reformas é preparar seres individualistas, empreendedores em si mesmos, competentes e competitivos num mercado de trabalho incerto» (…)
Diz também que «para certos decisores, académicos e outros agentes (…), essa meta traduz o ideal “humanista” (…) adiantando que, «porém, o que se consolida é uma “humanidade sem humanidades” na expressão do filósofo F. Savater que assinala «o perigo de a história, a filosofia, e a literatura desaparecerem da escola, e de seguida, da nossa cultura.» HD inclui na lista «línguas e artes, bem como vertentes das ciências e da matemática a que não se veja aplicação tecnológica e rentabilidade financeira.»
E pergunta: «Que conhecimento resta então para aprender na escola?», respondendo de seguida: «De modo [a] que o aluno possa desenvolver “competências” tem de ser o “essencial”, afirma-se nos textos das reformas. Esse “essencial” é o funcional e, cada vez mais, o “politicamente correcto”. Impõe-se um “núcleo curricular” formado por matemática, duas línguas e algumas ciências, trespassado por uma componente de cidadania, que, apesar do nome, está longe de o ser. Associa-se-lhe a equívoca ideia de que o aluno é activo, capaz de construir o seu próprio conhecimento se tiver oportunidades de realizar projectos relevantes no quotidiano e se estiver em ambientes agradáveis, nos quais prevalecem metodologias lúdicas, tudo podendo descobrir através de pesquisa» (…) [negro carregado da minha responsabilidade, para sublinhar o que considero ser um engano monumental e deliberado com consequências muito negativas, sobretudo para os alunos filhos das pessoas mais pobres, a quem é mais difícil detectar as falácias da escola e procurar antídotos eficazes contra a sua acção perniciosa].
Continuando, HD invoca livros, artigos e manifestos de pessoas e grupos «preocupados com a progressiva e concertada diluição da memória colectiva, que as ditas reformas ajudam a instalar», relembrando «que à escola cabe fundamentalmente veicular o conhecimento universal, erudito e abstracto, com “valor em si mesmo”, aquele que a humanidade tem construído e que forma a civilização e o pensamento» [e - acrescento eu - que demorou muitos séculos a acumular, devido ao labor de muitos espíritos luminosos excepcionais que nos antecederam]. Aquelas vozes fazem notar que cabe à escola «pugnar para que tal conhecimento esteja ao [alcance] de todos, assegurando o princípio da igualdade, marca da democracia.»
A propósito, HD refere «o delicado estado da cultura clássica, que entre nós se aproxima da extinção. O Latim e o Grego, desaparecidos do ensino básico, não chegarão a estar, neste ano lectivo, numa dezena de escolas com secundário.» [na escola onde trabalho, testemunhei a “morte” das turmas de Latim no ensino secundário, a qual não ocorreu por falta de competência nem de entusiasmo do professor, o meu prezado ex-Colega Pe Júlio Vaz]
Helena Damião finaliza o seu artigo com uma citação do filósofo italiano Nuccio Ordine: «sabotar a cultura e a educação significa sabotar o futuro da Humanidade.»
Também penso assim.
Grato, felicito a Professora Maria Helena Damião.

José Batista d’Ascenção

quinta-feira, 5 de outubro de 2017

Análise da qualidade dos saberes dos alunos portugueses ou a esquizofrenia de tantos «especialistas»?

Imagem da página 12 do jornal «Público» de 05/10/2017
Em Dezembro de 2016, o jornal “Expresso” noticiava:
«As boas notícias no mundo da Educação continuam. Pela primeira vez em seis edições do PISA – o maior estudo nesta área que testa a literacia junto dos alunos de 72 países e regiões –, os estudantes portugueses de 15 anos conseguiram um desempenho significativamente acima da média da OCDE, tanto a ciências, como a leitura. A matemática mantiveram-se na média. Em todos os casos, a evolução é inegável desde que o país começou a participar neste estudo, em 2000, com Portugal a galgar várias posições na comparação internacional.»

Em Novembro de 2016, o jornal “Público” noticiava:
«Portugal ficou à frente da Finlândia nos resultados obtidos pelos alunos do 4.º ano nos testes internacionais de Matemática promovidos pela International Association for the Evaluation of Educational Achievement (IEA), uma cooperativa constituída por organizações públicas e privadas. Este feito foi alcançado em 2015 na sexta edição dos testes que visam avaliar a literacia dos alunos mais novos a Matemática e Ciências, que são conhecidos pela sigla TIMSS (Trends in International Mathematics and Science Study).

Hoje, no jornal “Público” pode ler-se:
«Um susto. É esta a leitura que, em síntese, se pode fazer dos resultados das provas de aferição do ensino básico»… etc.
«Face aos resultados, Ministério da Educação anuncia que vai reforçar formação contínua dos professores do 1º, 2º e 3º ciclos de escolaridade»
Eureka!
E mais não digo.

José Batista d’Ascenção

PS: Hoje, em Portugal, não é dia mundial do professor. Hoje, em Portugal, é apenas um dos 365 dias do ano em que se ofende os professores. Disse.

sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Avaliação externa das escolas (vulgo, inspecções) – que contributos efectivos para o bom funcionamento do sistema de ensino?

Imagem obtida aqui
Maria Filomena Mónica foi sempre uma voz interessada e interveniente no que respeita ao nosso sistema escolar. Grande apreciador que sou das suas opiniões, e sabendo que há bastantes meses se encontra doente, ao reler o seu livro “A Sala de Aula”, editado pela Fundação Manuel dos Santos e publicado em 2014, detive-me sobre um assunto que não é devidamente discutido, a páginas 180-191, e decidi respigar daí os extractos que se seguem. Faço-o em homenagem e gratidão a Maria Filomena Mónica.

«Quanto à avaliação externa das escolas, a situação é negra. O relatório oficial, intitulado “Avaliação Externa das Escolas 2011/13” é uma análise pretensiosa de 231 escolas»… [em que se pode observar] «o lugar subalterno que a aprendizagem ocupa na lista de prioridades. É verdade que o relatório refere, à cabeça, o facto de as instâncias internacionais terem afirmado que os dois factores mais importantes no êxito escolar são a qualidade dos professores e as práticas de sala de aula, mas, logo a seguir, deparamo-nos com uma série de bizarrias.»
(…)
[Lê-se nas conclusões desse relatório:] «As escolas observadas registaram uma preponderância do nível Muito Bom em “Liderança e Gestão” e Bom em “Resultados e Prestação do Serviço Educativo”. Se as escolas fossem empresas, o primeiro item faria sentido; não sendo o caso, é disparatado.» …
(…)
«Feito a pedido, este tipo de avaliação contribuirá, quando muito, para a satisfação de algumas reivindicações.» … [Revela alguém de uma escola:] «as avaliações externas de escola não são bem uma inspecção, porque são solicitadas pelas próprias escolas, com vista à obtenção de maior prestígio e ainda da obtenção de uma percentagem elevada de classificações de Muito Bom e de Excelente nos domínios avaliados, desta forma conferindo algumas benesses, como um maior crédito de horas para projectos» [etc.]
(…)
[Um membro da direcção de uma escola refere, relativamente aos dias em que decorre uma "inspecção":] «Temos de mostrar o que fazemos melhor, tentamos contornar o que corre menos bem, procuramos arranjar justificação para os números, que contam mais que tudo, e acabamos por ficar sem tempo para o trabalho que deveríamos estar a fazer no dia-a-dia. (…) Tivemos de organizar muita documentação solicitada … (entre outros, Projecto Educativo da Escola, Projecto Curricular de Escola, Regulamento Interno da Escola, quatro Projectos Curriculares de Turma). Os três primeiros são considerados documentos estratégicos da escola. Dão muito trabalho (…) os superiores pressupõem que estes documentos estão na base da nossa acção. Isto tudo (…) para nada: (…) a maioria dos alunos, pais, funcionários e até muitos professores não lhes dão importância. Há excelentes professores que não perdem tempo a ler qualquer um desses documentos» (…) os pais … querem uma escola exigente, rigorosa, que apoie os seus filhos (…), mas não que lhes enviem para casa papéis que não entendem.»
(…)
[Os elementos da direcção das escolas ouvidos] «exprimem opiniões idênticas: as avaliações em nada contribuem para melhorar as escolas.
Uma avaliação séria exige um corpo de inspectores bem remunerados, prestigiados e sobretudo independentes do Ministério. Ora, em Portugal, a Ispecção-Geral do Ensino faz parte da burocracia central, … É o governo quem manda nos inspectores e no objecto a avaliar. Sendo isto assim, a independência dos inspectores é nula.»
(…)
«Em Portugal, os inspectores são funcionários públicos. E funcionários públicos menores. Alguém se lembra de um relatório redigido por um inspector? Alguém se recorda de uma polémica suscitada por uma inspecção? Alguém é capaz de citar uma frase de um inspector sobre a escola?»
(…)
… «A 12 de Julho de 2012, o ministro Nuno Crato» confirmou no cargo de inspector-geral um jovem de 45 anos, natural de Portalegre, cujas habilitações eram: «Licenciatura em Línguas e Literaturas Modernas pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, um “Curso de Especialização em Inspecção da Educação” tirado na Universidade Católica e dois minicursos, um em “Auditoria e Processos e Sistemas de Informação” e o outro em “Especialização e Inspecção, Auditoria, Avaliação e Fiscalização”, ambos feitos no Instituto Nacional de Administração. Frequentou ainda um curso de “Gestão e Administração Escolar” (150 horas), no Centro de formação de Professores da Arrábida. Quanto ao percurso profissional, não é mais rico: (…) [aquele] inspector-geral apenas lecionou durante três anos. … Visto os inspectores pouco mais receberem do que os professores … interroguei-me sobre quais os motivos que podem levar alguém a candidatar-se ao cargo. Não tardei a encontrar a resposta: não dar aulas.»
(…)
[Interrogada, uma professora, confirmou a] «minha suspeita: “Os inspectores são, regra geral, professores que não gostam de ensinar e que optaram pela carreira de inspectores para fugir à prática lectiva, uma coisa que todos sabemos, mas que não dizemos em voz alta.”»
(…)
A finalizar, Maria Filomena Mónica, confessando não ter soluções mágicas, afirma, no entanto: «se quisermos dar autonomia às escolas, temos de dispor de uma Inspecção-Geral à prova de bala. As escolas têm de ter independência, mas esta só lhes pode ser outorgada se existir um corpo de inpectores que vigie o que acontece no terreno».

José Batista d’Ascenção

domingo, 17 de setembro de 2017

E se pais e mães passassem a exigir que não se atribuam (tantos) vintes aos alunos do ensino secundário?

«Certificar com Equidade», dizem as normas
Num país de loucos tudo é possível. Esta entrada, estranha e forte, resulta da minha tristeza com as primeiras aulas deste ano lectivo. Esclareça-se: nada de mal me aconteceu (nem vai acontecer, estou em crer) a mim ou aos meus alunos. O desconforto resultou de ver que vários dos que eu supunha que ia encontrar se terem transferido para outras escolas. Toda a gente sabe: os alunos procuram escolas que «dêem notas» mais altas, porque eles não escondem o motivo nem evitam afirmá-lo a quem o queira ouvir (o que não é o meu caso, daí a surpresa). Cada um deve ser inteiramente livre de escolher a escola que bem entende. Mas poderia aceitar-se que uma escola fosse escolhida, à partida, por «dar» melhores «notas» que (as) outras? Isto não deveria inquietar o Ministério da Educação e pôr em marcha a inspecção escolar? A não ser que não se passasse nada…
Admitamos que, por não ser travada, a loucura se expandia até ao caos. Teríamos então pautas carregadas de dezanoves para os alunos mais fraquinhos e vintes, indistintamente, para os que fossem extraordinariamente bons e para quaisquer que «acertassem uma no cravo e outra na ferradura». Nessa altura, desempatariam as classificações finais os resultados obtidos em exame, se os «copianços» e o desleixo de quem vigiasse a sua realização não tivessem também atingido máximos de desvergonha, e haveria inúmeros casos em que as diferenças finais da avaliação andariam pelas centésimas ou menos que isso. Num país de loucos, este estádio de esquizofrenia generalizada poderia atingir-se sem que as universidades chamassem a si a responsabilidade de seleccionar os seus alunos, como lhes devia competir, uma vez que isso implica trabalho, muitas canseiras e despesa.
Admitamos também que, num país de loucos, fosse possível haver sobressaltos de consciência, ainda que não totalmente imunes à ganância de (ilusório) proveito próprio. Nesses casos, podia ser que os encarregados de educação exigissem algum rigor e justiça (porque não?) na atribuição de classificações, ainda que apenas para evitar a monotonia, vulgaridade e inutilidade de certificados de habilitações emitidos a esmo com classificações máximas, ou próximas disso… Ou seja: exigência de igualdade de oportunidades e de condições de trabalho, mas não de resultados fictícios e obscenamente injustos para todos aqueles que mostram talento, aplicação ou ambos, que são a larguíssima maioria, e que merecem (e precisam de) avaliações sérias.
Não, eu não quero viver num país de loucos (em boa verdade, criminosos…). Não, eu não quero clamar, jamais: meu incrível país corrupto! Não, eu não quero que os meus filhos e os meus netos digam um dia: Tu viste, tu ouviste, mas não disseste nada. Não quero.
Atenção: isto seria num país de loucos, em que a semelhança com a realidade resultaria de inteira coincidência.

José Batista d’Ascenção

terça-feira, 12 de setembro de 2017

Facilitismo para o século XXI – opinião de Jorge Buescu (In: jornal “Público” de 12 de Setembro de 2017, página 46)

Para Jorge Buescu, Presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática, a flexibilização curricular – em sua opinião, uma “profundíssima reforma curricular” –, que o Ministério da Educação (ME) iniciou em meados de Agosto último, é profundamente destrutiva do nosso tecido educativo, porque “as disciplinas actualmente leccionadas ficarão, em média, com menos 25% das aulas, o que significa que “haverá um corte efectivo de até 25% dos conteúdos a leccionar nas disciplinas actuais – podendo estes cortes variar de escola para escola e até de professor para professor.”
Estas alterações não foram acompanhadas “de um processo de discussão pública e esclarecimento de pais e alunos” e vão entrar em vigor este ano lectivo, escassas “três semanas depois da sua divulgação!”, em 240 escolas piloto, sendo intenção do ME alargá-las “a todo o universo escolar português em 2018/19.”
Os conteúdos das diferentes disciplinas que continuam a fazer parte da aprendizagem comum a todas as escolas constituem o que foi chamado “Aprendizagens Essenciais” (AE). Segundo Jorge Buescu, “estes documentos curriculares são extremamente vagos, sendo na prática inúteis enquanto orientação eficaz do ensino. No caso da Matemática as AE padecem ainda de graves falhas científicas. […] Aquilo que os alunos sujeitos, já no ano de 2017/18, a esta delirante experiência vão aprender no 10º ano é […] menos do que o programa de 2014, e é também menos do que o programa de 2002. […] Os conteúdos de matemática retrocedem mais de 20 anos. Alunos que nesta semana iniciem qualquer […] ciclo de ensino vão aprender menos matemática do que os seus colegas do ano passado!”
A concluir, Jorge Buescu refere: “O ministro da Educação […] sabe bem que a Matemática é uma ciência extremamente estruturada e cumulativa, na qual aprender menos é saber menos. Custa a acreditar que esteja a promover uma reforma tão dissolvente do conhecimento, do rigor e da exigência como a que está em curso”[…].

O respeito que sinto pelo Professor Jorge Buescu faz com que não possa deixar de registar aqui as suas opiniões sobre tão importante matéria.

José Batista d’Ascenção

sexta-feira, 8 de setembro de 2017

Algo mais sobre os períodos em que deve organizar-se o ano lectivo

Imagem obtida aqui
No jornal “Público” de hoje (página 50), Filinto Lima (FL) responde à crítica que lhe tinha sido dirigida por José Eduardo Lemos (JEL) na semana passada, no mesmo jornal, sobre o número de períodos do ano lectivo, que Filinto Lima pensa que deve ser dividido em dois semestres, com o objectivo de aumentar o sucesso escolar.
Afirma FL que JEL “foi incapaz de apresentar uma única vantagem para a trimestralidade dos períodos letivos”. Sem responder por outros, parece-me que há vantagem em haver um momento formal de avaliação ao fim de três meses e tal de aulas, que dê um claro “feedback” a alunos e aos seus encarregados de educação sobre o estado das aprendizagens, mormente nos anos iniciais de ciclo, por exemplo no secundário, no 10º ano, e muito particularmente quando os alunos mudaram de escola. Quanto mais tardios mais ineficazes se tornam quaisquer planos de recuperação e remediação. Por outro lado, os momentos de avaliação formais ainda funcionam como motivo de pressão para muitos alunos se esforçarem mais um pouco. Todos sabemos que há hoje, no básico, mas também no secundário, uma enorme (e muito discutível) pressão para que se consiga sucesso a qualquer preço, ainda que fictício, como na realidade acaba por ser (e nem precisávamos que fosse assim: se se quer sucesso artificial, traduzido na passagem de alunos, pois que os alunos “progridam”, se os pais e as hierarquias o desejarem, mas sem se obrigar os professores a aldrabar os resultados). Pergunto: como é que eu vou motivar alunos com alguma lassidão e sem hábitos de trabalho a dedicarem-se mais um pouco, lá por alturas de Outubro ou Novembro, se as “notas” só vão sair lá para Fevereiro do ano seguinte? Temo que seja um forte estímulo a que esses alunos “empurrem com a barriga para a frente”, como é tão tipicamente português…
Diz FL que “a partir do próximo ano letivo, em pelo menos uma escola púbica haverá períodos semestrais para promover o sucesso escolar”. Aprecio a intenção de promover o sucesso, que não tem nada de original nem de invulgar, mas fica por demonstrar que a semestralidade dos períodos seja factor relevante para o conseguir. Restam a vontade e a convicção de FL, que me parece pouco e eu gostaria que não redundasse em mais pressão para os professores da escola que ele dirige obterem sucesso de qualquer jeito, nem que seja para ficar nas boas graças do director…
Outro objectivo de FL é a redução do trabalho burocrático dos professores. Louvável, em minha opinião. Mas eu preferia que ele lutasse para que os diferentes cargos dos professores, tão prenhes de requisitos e procedimentos absurdos e inúteis, como está, por exemplo, o de director de turma, fossem reduzidos à sua dimensão útil e eficaz, libertando os professores, como recomenda Galopim de Carvalho, “de, praticamente, todas as tarefas que não sejam as de ensinar” (in: https://www.facebook.com/Prof.Galopim). Creio até que, se assim fosse, FL teria do seu lado a imensa maioria dos professores. E tenho por certo que, então, haveria também mais sucesso, já que não há “milagres” para o alcançar, muito menos com base na calendarização dos períodos lectivos.
Aqui chegados, destaco outro ponto: FL tem uma convicção e desejará que seja aplicada em todo o país. Eu pedia-lhe que começasse por pôr o assunto à discussão, para que o mesmo seja debatido por todos os interessados: alunos (estou a referir-me aos de mais idade…), encarregados de educação, professores e sociedade, a fim de sabermos ou tentarmos discernir o caminho que indubitavelmente pareça melhor.
Caso contrário ainda acabamos em situações dispensavelmente originais. Tão originais como a das universidades portuguesas, provavelmente os únicos sítios (admito eu) em que os semestres lectivos têm, “classicamente”, três meses ou menos. Sem que ninguém ache estranho.
O que não precisamos seguramente é de aumentar e multiplicar problemas das escolas, somando-os a todos aqueles que, cronicamente, nunca resolvemos.

José Batista d’Ascenção

segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Regresso às aulas – mensagem antiquada (1) aos (que forem) meus alunos

Imagem obtida aqui
Meus caros alunos:
Por estes dias, os vossos pais preocupam-se com os que vocês ficam a fazer em casa ou na rua enquanto eles vão trabalhar. É possível que alguns até fiquem aliviados porque vocês dormem até (quase) ao meio dia (ou a passar disso), na suposição de que, enquanto dormis é menos provável que vos aconteçam coisas menos boas. Este modo de sentir é compreensível por todos quantos têm filhos na vossa idade, e vocês o compreenderão muito bem, mas só daqui por alguns anos… E se os pais estiverem empregados, esse receio porventura aumentado tem o reverso vantajoso de implicar uma fonte de sustento para a casa, situação que não é privilégio de todos, como alguns de vocês sabem e sentem.
Pela vossa parte, admito que haja também algum tédio neste tempo de fim de férias e pouco entusiasmo no que pod(er)ia ser a facilitação da vida dos pais nos dias em que ainda não há estudo: arrumar os quartos, dar um jeitinho na limpeza da casa, preparar as refeições, levantar a mesa, lavar a loiça, etc. Assim lhe aliviáveis as tarefas, para além de lhes manifestardes carinho, consideração e respeito. E o tempo até custava menos a passar. E tínheis depois muito mais sabor no encontro com os amigos, a quem poderíeis contar com orgulho a vossa participação nas tarefas domésticas. Vantagem não menor e que sentireis num tempo eventualmente mais próximo é quando viverdes fora da casa dos pais (na universidade, no trabalho, na constituição da vossa família mais restrita…) e sentirdes que não vos assusta organizar a vossa casa ou o vosso espaço, tratar da vossa comida, da vossa roupa, etc.; ou seja, na autonomia que precisais adquirir, sabendo fazer as coisas ou, caso a vossa situação financeira o permita, sabendo como as coisas se devem mandar fazer ou verificar ser foram devidamente feitas. Perdoai, se puderdes, este discurso comezinho, mas sabei que ele é útil e necessário e bom. Claro que a ocupação dos vossos tempos pode e deve ainda contemplar o lazer, coisa que pode sair muito barata, se optardes pela música ou pela leitura, por exemplo, para além do desporto, como é evidente. Muito compensador e formativo, mas com pouca prática entre os portugueses, é os jovens praticarem trabalho voluntário, ajudando quem precise. E há tantas pessoas que precisam…
Nós, os professores, estamos às voltas com a preparação do novo ano lectivo e vivemos, como vós, na expectativa e com alguma ansiedade. Uns quantos de nós foram parar longe de casa, em ambiente e com pessoas que não conhecem e sofrem muito com isso. Desde logo porque alguns têm filhos… Mas não vos maço com as preocupações dos que vão tentar ensinar-vos algumas coisas nos próximos meses. São os ossos do ofício. A vós cabe-vos encetar mais um ano escolar com toda a energia que puderdes e tentando cumprir a vossa parte. Não é necessariamente fácil a vossa tarefa, mas também não tem que ser, nem deve ser, um martírio. Pensai que há muito para aprender e que ficareis pessoas cada vez melhores e mais capazes quanto mais aprenderdes. A ignorância é uma prisão pobre, feia e triste. Saber é capacidade, é liberdade, é beleza, é a possibilidade (mais provável) de construir uma vida bonita e compensadora, por cada um e por todos.
Aceitai o desafio, com os vossos professores.
Felicidades. Até um dia destes.

José Batista d’Ascenção

(1) Além de antiquada, esta mensagem pode ser entendida por alguns como discurso moralista. Este risco de incompreensão reforçou em mim a vontade de escrever um texto assim, devido ao facto de não aceitar que se confundam os conceitos de “educação” e de “mistificação”, com prejuízo dos jovens do meu país, especialmente os mais pobres.

terça-feira, 29 de agosto de 2017

Momentos de avaliação dos alunos do ensino básico e secundário – “Para pior já basta assim”

No jornal «Público» de hoje, pg. 47, José Eduardo Lemos, Director da Escola Secundária Eça de Queirós, Póvoa de Varzim, e Presidente do Conselho das Escolas, rebate as opiniões de Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas, em que este defendeu, em artigo no JN de 10 de Agosto, a semestralidade na organização do calendário escolar, ou seja, do ano lectivo. Congratulo-me. Porém, Filinto Lima, anda com estas ideias encasquetadas há bastante tempo, expondo-as publicamente com alguma frequência (veja-se, por exemplo, o jornal «Público» de 24 de Junho de 2017, página 14, e o de 22 de Setembro de 2016, página 45, entre outros), como referi e contestei aqui e aqui.
Por isso, o meu espanto é não ter dado conta de quem saliente a ausência de benefícios de uma tal proposta, demonstre o carácter falacioso das vantagens apontadas por Filinto Lima, e chame a atenção para os seus aspectos negativos. Ora, o que em título coloquei entre comas corresponde precisamente, e bem, à epígrafe escolhida por José Eduardo Lemos para o seu artigo de hoje. Estes assuntos merecem discussão e seria útil os professores não os deixarem passar em claro, porquanto se a modificação viesse a ter lugar e as consequências fossem negativas, como por certo seriam, eram eles que ficavam em causa, como de costume. Seria curial, numa matéria como esta, os docentes manifestarem-se e serem ouvidos, sendo certo que tal assunto, que se saiba, nunca fez parte das suas queixas nem das suas reivindicações.
Se Filinto Lima insiste na ideia lá terá as suas razões. Pela minha parte, admito que possam corresponder (mais) ao interesse corporativo de alguns directores (fico contente por nem todos embarcarem na proposta…) do que ao proveito dos alunos, ao bom funcionamento das escolas e à facilitação do trabalho dos professores.
Tinha dito e repito.

José Batista d’Ascenção