quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Dia a dia: pequenas coisas que significam muito ou a acta de um caso sem história

Imagem obtida aqui
Diz-se que há dias em que uma pessoa não deve sair à rua. Do mesmo modo, poderia dizer-se que há dias em que uma pessoa não deve ficar em casa. Significam uma e outra afirmação que há alturas em que algo que corre mal funciona como o primeiro de uma sucessão de acontecimentos maus. Talvez isto tenha alguma relação com a chamada «lei de Murphy» (se alguma coisa pode dar errado, ela dará errado), que alguém explicava assim: se uma torrada com manteiga de um dos lados cair ao chão, ela cairá com a superfície barrada virada para baixo!
Passemos ao meu desabafo (sobre o qual – propositadamente – deixei transcorrer uns dias): Na sexta-feira passada tinha combinado que, ao fim da manhã, sairia da escola, ia rapidinho levantar dinheiro, passava na bomba para meter gasolina e apanhava a Lurdes, para irmos almoçar a hora boa, por forma a ocuparmos a tarde de acordo com a programação usual. Nesse dia, a manhã de aulas não foi empolgante, mas correu bem (pelo menos em comparação com o tempo imediatamente a seguir…). Chuviscava, ao dirigir-me para o carro. Quando me aproximava, vi uma roda da frente em baixo e surgiu o primeiro contratempo. Um telefonema rápido, a pedir 15-20 minutos, a reflexão mental sobre o que era preciso fazer, casaco fora, mangas arregaçadas, macaco, chave de «porcas» e a roda sobressalente arrancados do fundo da mala. Com umas pinguinhas sobre o dorso, elevei o carro, desaparafusei a roda e vá de puxá-la, puxá-la e voltar a puxá-la. Umas pancadas com o punho, novos puxões, o carro abanava, mas a roda não saía. E eu não percebia porquê.
Solícita, a minha colega Goreti Mota, que se dirigia para o carro dela para, como eu, ir almoçar, aproximou-se e... apiedou-se. Tentou abrigar-me dos pingos de chuva. Ouviu a minha queixa sobre o comportamento imprevisto daquela roda. Expedita, disse-me que ia pedir ajuda ao Sr Silva, o chefe dos funcionários. Eu, com as mãos miseravelmente pretas continuava, perplexo, a tentar entender aquela roda que não «dialogava» comigo. Comigo, que uns anos antes tinha mudado uma roda daquele carro sem problemas… Chegou o Sr Silva, olhou, deu uns puxões, ergueu-se e de costas para a roda aplicou-lhe umas pancadas fortes e secas com o calcanhar. E a roda cedeu.
Alívio. Porque o Sr Silva sofre da coluna, recomendava-lhe algum cuidado e, satisfeito, tratei logo de me adiantar para ser eu a meter a roda de reserva: em «três breves» a apertei e de imediato desci o macaco, que desceu, desceu, desceu, até revelar um pneu, também ele, em baixo! Grande azar: pneu sobressalente vazio ou também furado? Palpite do Sr Silva: vazio por perda de ar, lentamente, ao longo de muito tempo. Conferia: o carro tem quase 18 anos (ainda é jovem, portanto…) e só uma vez, que me lembrasse, tinha havido um furo. Mas para o caso pouco interessava: agora tinha um carro com apenas 3 rodas e faltava a quarta… Sugestão imediata da Goreti: ela telefonava a dizer a quem a esperava para almoçar que tinha que demorar um pouco mais, metíamos as duas rodas no jipe dela e íamos tão rapidamente quanto possível a uma estação de serviço próxima arranjar pelo menos uma delas e voltávamos ao (meu) carro em pouco tempo. E se bem o disse, depressa tomou a iniciativa. O Sr Silva ainda foi comigo aos WC abrir-me porta e a torneira para eu poder lavar as mãos, voltou ao seu serviço e eu segui, grato e confortado, no jipe da Goreti que nos levou rapidamente à tal estação. Ali, serviço atencioso, rápido e eficiente: cheio o pneu de reserva e mergulhado na água, não tinha furo nenhum - muito bem; extraído o parafuso que furara o outro, o técnico rapidamente passou à acção e em poucos minutos reparava o pneu e enchia-o. Já o trabalho estava quase feito, lembrei-me que era minha intenção ir buscar dinheiro antes de ir meter gasolina, ou seja: não tinha nenhum comigo. E disse-o, pensando alto. Rapidamente, a Goreti sossegou-me: «não te preocupes, eu tenho dinheiro». Aliviei e, momentaneamente, pensei em pedir-lhe que se fosse logo, eu ia levantar dinheiro por ali próximo, chamava um táxi que me levaria para a Escola, a mim e às duas rodas, e lá me amanhava. Porém, lembrei-me que do portão da escola até ao meu carro era uma certa distância, com uma rampa de forte inclinação ao longo de 25 ou 30 metros pelo meio onde, àquela hora, circulavam outros carros, o que esfriou a minha ideia. Mas a Goreti não manifestava qualquer pressa (que eu sabia que tinha que ter). Felizmente, a conta foi tirada em dispositivo multibanco, pelo pude ser eu a pagar. Nova vitória. E ainda encontrei uma moeda de 2 euros que meti na mão do senhor que arranjou as rodas (com pena de não ter um pouco mais… e admitindo que ele não imaginasse que era todo o dinheiro que tinha comigo…).
Regressados ao meu carro, sobre três rodas e um macaco, exigi à Goreti que se fosse embora, sentidamente agradecido, e também satisfeito com a generosidade e a calma daquela minha querida Colega. Sentia-me agora forte e confiante e encorajado, não pelos meus méritos, mas pela atitude tão bonita e útil da minha amiga.
Mudei a roda num rápido. E fui, também eu, almoçar. A caminho e depois não podia deixar de imaginar: um percalço, outro e outro; um aborrecimento, multiplicado por três, mas também provas de atenção, interajuda e disponibilidade elevadas à potência daquele produto de factores.
Não que eu precisasse de tais provas, porque conheço a pessoa e a profissional que a Goreti sempre foi e é, assim como a capacidade e a eficácia do Sr Silva, mas porque é sempre bom sermos confrontados (e confortados) com evidências desta natureza.
Obrigado, Goreti.
Obrigado, Sr Silva.

José Batista d’Ascenção

2 comentários:

  1. Tu és um amigo precioso e como tal tens amigos que o sabem. É bom ter amigos e, sobretudo, que sejam especiais. Bj. Lena

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