sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Avaliação externa das escolas (vulgo, inspecções) – que contributos efectivos para o bom funcionamento do sistema de ensino?

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Maria Filomena Mónica foi sempre uma voz interessada e interveniente no que respeita ao nosso sistema escolar. Grande apreciador que sou das suas opiniões, e sabendo que há bastantes meses se encontra doente, ao reler o seu livro “A Sala de Aula”, editado pela Fundação Manuel dos Santos e publicado em 2014, detive-me sobre um assunto que não é devidamente discutido, a páginas 180-191, e decidi respigar daí os extractos que se seguem. Faço-o em homenagem e gratidão a Maria Filomena Mónica.

«Quanto à avaliação externa das escolas, a situação é negra. O relatório oficial, intitulado “Avaliação Externa das Escolas 2011/13” é uma análise pretensiosa de 231 escolas»… [em que se pode observar] «o lugar subalterno que a aprendizagem ocupa na lista de prioridades. É verdade que o relatório refere, à cabeça, o facto de as instâncias internacionais terem afirmado que os dois factores mais importantes no êxito escolar são a qualidade dos professores e as práticas de sala de aula, mas, logo a seguir, deparamo-nos com uma série de bizarrias.»
(…)
[Lê-se nas conclusões desse relatório:] «As escolas observadas registaram uma preponderância do nível Muito Bom em “Liderança e Gestão” e Bom em “Resultados e Prestação do Serviço Educativo”. Se as escolas fossem empresas, o primeiro item faria sentido; não sendo o caso, é disparatado.» …
(…)
«Feito a pedido, este tipo de avaliação contribuirá, quando muito, para a satisfação de algumas reivindicações.» … [Revela alguém de uma escola:] «as avaliações externas de escola não são bem uma inspecção, porque são solicitadas pelas próprias escolas, com vista à obtenção de maior prestígio e ainda da obtenção de uma percentagem elevada de classificações de Muito Bom e de Excelente nos domínios avaliados, desta forma conferindo algumas benesses, como um maior crédito de horas para projectos» [etc.]
(…)
[Um membro da direcção de uma escola refere, relativamente aos dias em que decorre uma "inspecção":] «Temos de mostrar o que fazemos melhor, tentamos contornar o que corre menos bem, procuramos arranjar justificação para os números, que contam mais que tudo, e acabamos por ficar sem tempo para o trabalho que deveríamos estar a fazer no dia-a-dia. (…) Tivemos de organizar muita documentação solicitada … (entre outros, Projecto Educativo da Escola, Projecto Curricular de Escola, Regulamento Interno da Escola, quatro Projectos Curriculares de Turma). Os três primeiros são considerados documentos estratégicos da escola. Dão muito trabalho (…) os superiores pressupõem que estes documentos estão na base da nossa acção. Isto tudo (…) para nada: (…) a maioria dos alunos, pais, funcionários e até muitos professores não lhes dão importância. Há excelentes professores que não perdem tempo a ler qualquer um desses documentos» (…) os pais … querem uma escola exigente, rigorosa, que apoie os seus filhos (…), mas não que lhes enviem para casa papéis que não entendem.»
(…)
[Os elementos da direcção das escolas ouvidos] «exprimem opiniões idênticas: as avaliações em nada contribuem para melhorar as escolas.
Uma avaliação séria exige um corpo de inspectores bem remunerados, prestigiados e sobretudo independentes do Ministério. Ora, em Portugal, a Ispecção-Geral do Ensino faz parte da burocracia central, … É o governo quem manda nos inspectores e no objecto a avaliar. Sendo isto assim, a independência dos inspectores é nula.»
(…)
«Em Portugal, os inspectores são funcionários públicos. E funcionários públicos menores. Alguém se lembra de um relatório redigido por um inspector? Alguém se recorda de uma polémica suscitada por uma inspecção? Alguém é capaz de citar uma frase de um inspector sobre a escola?»
(…)
… «A 12 de Julho de 2012, o ministro Nuno Crato» confirmou no cargo de inspector-geral um jovem de 45 anos, natural de Portalegre, cujas habilitações eram: «Licenciatura em Línguas e Literaturas Modernas pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, um “Curso de Especialização em Inspecção da Educação” tirado na Universidade Católica e dois minicursos, um em “Auditoria e Processos e Sistemas de Informação” e o outro em “Especialização e Inspecção, Auditoria, Avaliação e Fiscalização”, ambos feitos no Instituto Nacional de Administração. Frequentou ainda um curso de “Gestão e Administração Escolar” (150 horas), no Centro de formação de Professores da Arrábida. Quanto ao percurso profissional, não é mais rico: (…) [aquele] inspector-geral apenas lecionou durante três anos. … Visto os inspectores pouco mais receberem do que os professores … interroguei-me sobre quais os motivos que podem levar alguém a candidatar-se ao cargo. Não tardei a encontrar a resposta: não dar aulas.»
(…)
[Interrogada, uma professora, confirmou a] «minha suspeita: “Os inspectores são, regra geral, professores que não gostam de ensinar e que optaram pela carreira de inspectores para fugir à prática lectiva, uma coisa que todos sabemos, mas que não dizemos em voz alta.”»
(…)
A finalizar, Maria Filomena Mónica, confessando não ter soluções mágicas, afirma, no entanto: «se quisermos dar autonomia às escolas, temos de dispor de uma Inspecção-Geral à prova de bala. As escolas têm de ter independência, mas esta só lhes pode ser outorgada se existir um corpo de inpectores que vigie o que acontece no terreno».

José Batista d’Ascenção

domingo, 17 de setembro de 2017

E se pais e mães passassem a exigir que não se atribuam (tantos) vintes aos alunos do ensino secundário?

«Certificar com Equidade», dizem as normas
Num país de loucos tudo é possível. Esta entrada, estranha e forte, resulta da minha tristeza com as primeiras aulas deste ano lectivo. Esclareça-se: nada de mal me aconteceu (nem vai acontecer, estou em crer) a mim ou aos meus alunos. O desconforto resultou de ver que vários dos que eu supunha que ia encontrar se terem transferido para outras escolas. Toda a gente sabe: os alunos procuram escolas que «dêem notas» mais altas, porque eles não escondem o motivo nem evitam afirmá-lo a quem o queira ouvir (o que não é o meu caso, daí a surpresa). Cada um deve ser inteiramente livre de escolher a escola que bem entende. Mas poderia aceitar-se que uma escola fosse escolhida, à partida, por «dar» melhores «notas» que (as) outras? Isto não deveria inquietar o Ministério da Educação e pôr em marcha a inspecção escolar? A não ser que não se passasse nada…
Admitamos que, por não ser travada, a loucura se expandia até ao caos. Teríamos então pautas carregadas de dezanoves para os alunos mais fraquinhos e vintes, indistintamente, para os que fossem extraordinariamente bons e para quaisquer que «acertassem uma no cravo e outra na ferradura». Nessa altura, desempatariam as classificações finais os resultados obtidos em exame, se os «copianços» e o desleixo de quem vigiasse a sua realização não tivessem também atingido máximos de desvergonha, e haveria inúmeros casos em que as diferenças finais da avaliação andariam pelas centésimas ou menos que isso. Num país de loucos, este estádio de esquizofrenia generalizada poderia atingir-se sem que as universidades chamassem a si a responsabilidade de seleccionar os seus alunos, como lhes devia competir, uma vez que isso implica trabalho, muitas canseiras e despesa.
Admitamos também que, num país de loucos, fosse possível haver sobressaltos de consciência, ainda que não totalmente imunes à ganância de (ilusório) proveito próprio. Nesses casos, podia ser que os encarregados de educação exigissem algum rigor e justiça (porque não?) na atribuição de classificações, ainda que apenas para evitar a monotonia, vulgaridade e inutilidade de certificados de habilitações emitidos a esmo com classificações máximas, ou próximas disso… Ou seja: exigência de igualdade de oportunidades e de condições de trabalho, mas não de resultados fictícios e obscenamente injustos para todos aqueles que mostram talento, aplicação ou ambos, que são a larguíssima maioria, e que merecem (e precisam de) avaliações sérias.
Não, eu não quero viver num país de loucos (em boa verdade, criminosos…). Não, eu não quero clamar, jamais: meu incrível país corrupto! Não, eu não quero que os meus filhos e os meus netos digam um dia: Tu viste, tu ouviste, mas não disseste nada. Não quero.
Atenção: isto seria num país de loucos, em que a semelhança com a realidade resultaria de inteira coincidência.

José Batista d’Ascenção

terça-feira, 12 de setembro de 2017

Facilitismo para o século XXI – opinião de Jorge Buescu (In: jornal “Público” de 12 de Setembro de 2017, página 46)

Para Jorge Buescu, Presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática, a flexibilização curricular – em sua opinião, uma “profundíssima reforma curricular” –, que o Ministério da Educação (ME) iniciou em meados de Agosto último, é profundamente destrutiva do nosso tecido educativo, porque “as disciplinas actualmente leccionadas ficarão, em média, com menos 25% das aulas, o que significa que “haverá um corte efectivo de até 25% dos conteúdos a leccionar nas disciplinas actuais – podendo estes cortes variar de escola para escola e até de professor para professor.”
Estas alterações não foram acompanhadas “de um processo de discussão pública e esclarecimento de pais e alunos” e vão entrar em vigor este ano lectivo, escassas “três semanas depois da sua divulgação!”, em 240 escolas piloto, sendo intenção do ME alargá-las “a todo o universo escolar português em 2018/19.”
Os conteúdos das diferentes disciplinas que continuam a fazer parte da aprendizagem comum a todas as escolas constituem o que foi chamado “Aprendizagens Essenciais” (AE). Segundo Jorge Buescu, “estes documentos curriculares são extremamente vagos, sendo na prática inúteis enquanto orientação eficaz do ensino. No caso da Matemática as AE padecem ainda de graves falhas científicas. […] Aquilo que os alunos sujeitos, já no ano de 2017/18, a esta delirante experiência vão aprender no 10º ano é […] menos do que o programa de 2014, e é também menos do que o programa de 2002. […] Os conteúdos de matemática retrocedem mais de 20 anos. Alunos que nesta semana iniciem qualquer […] ciclo de ensino vão aprender menos matemática do que os seus colegas do ano passado!”
A concluir, Jorge Buescu refere: “O ministro da Educação […] sabe bem que a Matemática é uma ciência extremamente estruturada e cumulativa, na qual aprender menos é saber menos. Custa a acreditar que esteja a promover uma reforma tão dissolvente do conhecimento, do rigor e da exigência como a que está em curso”[…].

O respeito que sinto pelo Professor Jorge Buescu faz com que não possa deixar de registar aqui as suas opiniões sobre tão importante matéria.

José Batista d’Ascenção

sexta-feira, 8 de setembro de 2017

Algo mais sobre os períodos em que deve organizar-se o ano lectivo

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No jornal “Público” de hoje (página 50), Filinto Lima (FL) responde à crítica que lhe tinha sido dirigida por José Eduardo Lemos (JEL) na semana passada, no mesmo jornal, sobre o número de períodos do ano lectivo, que Filinto Lima pensa que deve ser dividido em dois semestres, com o objectivo de aumentar o sucesso escolar.
Afirma FL que JEL “foi incapaz de apresentar uma única vantagem para a trimestralidade dos períodos letivos”. Sem responder por outros, parece-me que há vantagem em haver um momento formal de avaliação ao fim de três meses e tal de aulas, que dê um claro “feedback” a alunos e aos seus encarregados de educação sobre o estado das aprendizagens, mormente nos anos iniciais de ciclo, por exemplo no secundário, no 10º ano, e muito particularmente quando os alunos mudaram de escola. Quanto mais tardios mais ineficazes se tornam quaisquer planos de recuperação e remediação. Por outro lado, os momentos de avaliação formais ainda funcionam como motivo de pressão para muitos alunos se esforçarem mais um pouco. Todos sabemos que há hoje, no básico, mas também no secundário, uma enorme (e muito discutível) pressão para que se consiga sucesso a qualquer preço, ainda que fictício, como na realidade acaba por ser (e nem precisávamos que fosse assim: se se quer sucesso artificial, traduzido na passagem de alunos, pois que os alunos “progridam”, se os pais e as hierarquias o desejarem, mas sem se obrigar os professores a aldrabar os resultados). Pergunto: como é que eu vou motivar alunos com alguma lassidão e sem hábitos de trabalho a dedicarem-se mais um pouco, lá por alturas de Outubro ou Novembro, se as “notas” só vão sair lá para Fevereiro do ano seguinte? Temo que seja um forte estímulo a que esses alunos “empurrem com a barriga para a frente”, como é tão tipicamente português…
Diz FL que “a partir do próximo ano letivo, em pelo menos uma escola púbica haverá períodos semestrais para promover o sucesso escolar”. Aprecio a intenção de promover o sucesso, que não tem nada de original nem de invulgar, mas fica por demonstrar que a semestralidade dos períodos seja factor relevante para o conseguir. Restam a vontade e a convicção de FL, que me parece pouco e eu gostaria que não redundasse em mais pressão para os professores da escola que ele dirige obterem sucesso de qualquer jeito, nem que seja para ficar nas boas graças do director…
Outro objectivo de FL é a redução do trabalho burocrático dos professores. Louvável, em minha opinião. Mas eu preferia que ele lutasse para que os diferentes cargos dos professores, tão prenhes de requisitos e procedimentos absurdos e inúteis, como está, por exemplo, o de director de turma, fossem reduzidos à sua dimensão útil e eficaz, libertando os professores, como recomenda Galopim de Carvalho, “de, praticamente, todas as tarefas que não sejam as de ensinar” (in: https://www.facebook.com/Prof.Galopim). Creio até que, se assim fosse, FL teria do seu lado a imensa maioria dos professores. E tenho por certo que, então, haveria também mais sucesso, já que não há “milagres” para o alcançar, muito menos com base na calendarização dos períodos lectivos.
Aqui chegados, destaco outro ponto: FL tem uma convicção e desejará que seja aplicada em todo o país. Eu pedia-lhe que começasse por pôr o assunto à discussão, para que o mesmo seja debatido por todos os interessados: alunos (estou a referir-me aos de mais idade…), encarregados de educação, professores e sociedade, a fim de sabermos ou tentarmos discernir o caminho que indubitavelmente pareça melhor.
Caso contrário ainda acabamos em situações dispensavelmente originais. Tão originais como a das universidades portuguesas, provavelmente os únicos sítios (admito eu) em que os semestres lectivos têm, “classicamente”, três meses ou menos. Sem que ninguém ache estranho.
O que não precisamos seguramente é de aumentar e multiplicar problemas das escolas, somando-os a todos aqueles que, cronicamente, nunca resolvemos.

José Batista d’Ascenção

segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Regresso às aulas – mensagem antiquada (1) aos (que forem) meus alunos

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Meus caros alunos:
Por estes dias, os vossos pais preocupam-se com os que vocês ficam a fazer em casa ou na rua enquanto eles vão trabalhar. É possível que alguns até fiquem aliviados porque vocês dormem até (quase) ao meio dia (ou a passar disso), na suposição de que, enquanto dormis é menos provável que vos aconteçam coisas menos boas. Este modo de sentir é compreensível por todos quantos têm filhos na vossa idade, e vocês o compreenderão muito bem, mas só daqui por alguns anos… E se os pais estiverem empregados, esse receio porventura aumentado tem o reverso vantajoso de implicar uma fonte de sustento para a casa, situação que não é privilégio de todos, como alguns de vocês sabem e sentem.
Pela vossa parte, admito que haja também algum tédio neste tempo de fim de férias e pouco entusiasmo no que pod(er)ia ser a facilitação da vida dos pais nos dias em que ainda não há estudo: arrumar os quartos, dar um jeitinho na limpeza da casa, preparar as refeições, levantar a mesa, lavar a loiça, etc. Assim lhe aliviáveis as tarefas, para além de lhes manifestardes carinho, consideração e respeito. E o tempo até custava menos a passar. E tínheis depois muito mais sabor no encontro com os amigos, a quem poderíeis contar com orgulho a vossa participação nas tarefas domésticas. Vantagem não menor e que sentireis num tempo eventualmente mais próximo é quando viverdes fora da casa dos pais (na universidade, no trabalho, na constituição da vossa família mais restrita…) e sentirdes que não vos assusta organizar a vossa casa ou o vosso espaço, tratar da vossa comida, da vossa roupa, etc.; ou seja, na autonomia que precisais adquirir, sabendo fazer as coisas ou, caso a vossa situação financeira o permita, sabendo como as coisas se devem mandar fazer ou verificar ser foram devidamente feitas. Perdoai, se puderdes, este discurso comezinho, mas sabei que ele é útil e necessário e bom. Claro que a ocupação dos vossos tempos pode e deve ainda contemplar o lazer, coisa que pode sair muito barata, se optardes pela música ou pela leitura, por exemplo, para além do desporto, como é evidente. Muito compensador e formativo, mas com pouca prática entre os portugueses, é os jovens praticarem trabalho voluntário, ajudando quem precise. E há tantas pessoas que precisam…
Nós, os professores, estamos às voltas com a preparação do novo ano lectivo e vivemos, como vós, na expectativa e com alguma ansiedade. Uns quantos de nós foram parar longe de casa, em ambiente e com pessoas que não conhecem e sofrem muito com isso. Desde logo porque alguns têm filhos… Mas não vos maço com as preocupações dos que vão tentar ensinar-vos algumas coisas nos próximos meses. São os ossos do ofício. A vós cabe-vos encetar mais um ano escolar com toda a energia que puderdes e tentando cumprir a vossa parte. Não é necessariamente fácil a vossa tarefa, mas também não tem que ser, nem deve ser, um martírio. Pensai que há muito para aprender e que ficareis pessoas cada vez melhores e mais capazes quanto mais aprenderdes. A ignorância é uma prisão pobre, feia e triste. Saber é capacidade, é liberdade, é beleza, é a possibilidade (mais provável) de construir uma vida bonita e compensadora, por cada um e por todos.
Aceitai o desafio, com os vossos professores.
Felicidades. Até um dia destes.

José Batista d’Ascenção

(1) Além de antiquada, esta mensagem pode ser entendida por alguns como discurso moralista. Este risco de incompreensão reforçou em mim a vontade de escrever um texto assim, devido ao facto de não aceitar que se confundam os conceitos de “educação” e de “mistificação”, com prejuízo dos jovens do meu país, especialmente os mais pobres.