terça-feira, 26 de junho de 2018

Exame de biologia e geologia – o bom-senso não é impossível

Só ao princípio da tarde tive acesso ao exame de biologia e geologia, realizado esta manhã. Contrariando os meus receios, a prova respeita os conteúdos programáticos e tem um grau de facilidade/dificuldade conforme com a leccionação. Significam estes factos que, apesar de os programas não estarem actualizados (já nasceram desprovidos dessa desejável característica…), e de o de biologia de 10º ano ser (a meu ver) altamente questionável na sua extensão e (in)articulação, isso não impede que se executem provas de exame que respeitem o esforço dos alunos, o trabalho dos professores e as legítimas expectativas dos estudantes (minimamente trabalhadores) e dos seus encarregados de educação.
Dito de outro modo: o que se denomina bom-senso (e que tem dois terríveis problemas associados: ninguém saber concretamente em que consiste e todos pensarem que têm muito, especialmente aqueles a quem mais falta, por razões óbvias…) não é impossível, muito menos o sendo um módico de respeito pelos professores, que não desistem de (tentar) ensinar, e pelos alunos, que não podemos permitir que desmoralizem e desistam de aprender.
Ainda bem.
Esperando agora que os critérios de classificação não surjam com originalidades dispensáveis...

José Batista d’Ascenção.

segunda-feira, 25 de junho de 2018

Exames ou maratonas?

Esta manhã calhou-me vigiar o exame nacional de matemática A (código 635). Esta prova teve início às 09.30 horas e terminava às 12.20 horas ou, para os alunos que usaram mais 15 minutos de tolerância, durava até às 12.35 horas (o que aconteceu com mais de dois terços dos que fizeram prova na sala onde eu estava).
Pelo meio, às 11.00 horas, houve 5 minutos para recolher as máquinas de calcular permitidas na resolução do (chamado) 1º caderno e distribuir o 2º caderno, altura a partir da qual os alunos já não podiam fazer uso da máquina.
Não sou professor da disciplina, obviamente, e só por isso pude ser destacado para esta vigilância. Mas, como professor, interrogo-me se é adequado fazer provas de tão longa duração, já que o estado psíquico dos alunos parece não ser o melhor. Na sala em que estive a vigiar houve alguém que precisou de ir ao quarto de banho. Nestas circunstâncias, lá tem que se chamar uma funcionária ou um funcionário, consoante seja aluna ou aluno. Na sala ao lado, vi que também foi preciso. E, à saída, soube de fonte fidedigna, que um(a) aluno(a) vomitou sobre a mesa em que fazia a prova. Naturalmente, um acidente pode acontecer em qualquer altura, na prestação de qualquer prova, mas há que ponderar o tempo em que alunos estão fechados numa sala, eventualmente exposta a sul, frente a uma prova de exame (olha se a temperatura fosse superior a 30 ºC, como aconteceu anteontem!). Das condições fisiológicas dos professores vigilantes com problemas da área da nefrologia nem falo, para não parecer que quero beneficiar a «malandragem» docente.
Como não sou professor de matemática, também não me pronuncio sobre a prova em si, mas ver alunos que não param durante tanto tempo e entregam resoluções com 14, 13, 12 e 10 páginas, em muito maior número do que os que usaram apenas 4 páginas, e saem extenuados e abatidos (houve mesmo quem se esquecesse da máquina de calcular, que tivemos que recolher e guardar…), faz-me recear que nem tudo seja tão adequado como soía e merecia.
Será preciso provas tão longas para testar o que os alunos de 12º ano sabem de matemática?

José Batista d’Ascenção

quinta-feira, 21 de junho de 2018

Caminhamos juntos, juntos humildemente celebramos

Faz um ano éramos a maioria de nós e outros. À volta da mesa nos sentamos de novo. De nós, os que já estávamos, e são quase todos, sentimos a falta dos que partiram ou mudaram de escola, e já sentimos pena por quem esteve connosco este ano e pode não estar no próximo (restando sempre uma secreta esperança de que possam voltar, como ainda este ano aconteceu…), particularmente quando nos habituamos à presença disponível, serena e doce de colegas que só há meses conhecemos (não é Judite?) ou à energia e entusiasmo que já conhecíamos e de que pudemos novamente beneficiar (não é assim, Fernanda?). O Vosso lugar está, portanto, cativo, ou cada vez mais cativo, na nossa estima e na nossa consideração. Aonde quer que vos leve a profissão, em quaisquer curvas da vida, sabei que o vosso lugar está guardado com carinho na nossa recordação e na vontade de que a felicidade ou a esperança estejam sempre na dobra de cada dificuldade que vos surja. Se puderdes, correi para nós, pois mesmo que a intenção fosse pedir (alguma) ajuda, provavelmente seríamos nós a sentirmo-nos ajudados (muito mais do que podeis imaginar). E se não houvesse essa intenção, provavelmente ainda nos ajudaríeis mais, porque mais valorizada ficaria a relação que, para todos os efeitos, nos une. Recebei por isso o nosso singelo e sincero obrigado.
O tempo passa, deixando cicatrizes, mas também a memória de momentos bonitos que vivemos juntos, que sempre os há. São difíceis os dias que passam e já foi mais entusiasmante a nossa profissão. Mas sabemos que isso não acontece porque tenhamos «envelhecido» mal ou porque as dores do corpo e da alma se tornaram mais frequentes, e muito menos porque deixámos de tentar ser profissionais aplicados e dignos e disponíveis para os (nossos) alunos (e até para os que não foram nem são nossos alunos e que às vezes, bem aflitos, nos procuram). São apenas sinais dos tempos, que indicam, afinal, que o nosso papel é ainda mais necessário e fundamental. E quanto mais difícil o nosso papel se tornar (o que, de todo, dispensaríamos), maior será a nobreza de o desempenhar, seja isso reconhecido ou não (e algum dia o será, embora nenhum de nós vá retirar daí qualquer benefício pessoal). Em consequência, temos que amparar-nos cada vez mais (em sentido simbólico e real). Caminhando juntos tiraremos as pedras do caminho, seja a nossa vez de avançar ou de outro qualquer e partilharemos a dor de alguma ferida que não tenha sido possível evitar, assim como celebraremos todos até as mais pequeninas vitórias de cada um. Quanto mais vivermos em festa mais fáceis nos parecerão os obstáculos e maior será o nosso ânimo para prosseguir. Donde, que não nos falte a vontade de nos irmos juntando como agora para confraternizarmos, ficarmos mais unidos e mutuamente nos apoiarmos (obrigado, Cristina Soares, por teres isso tão presente e cuidares com tanto carinho de concretizar oportunidades como esta).
Temos o privilégio de trabalhar numa escola de liberdade, onde cada um (aluno, funcionário ou professor) pode ser igual a si próprio sem receio, onde a democracia é um facto e se pratica a fraternidade. Estas divisas fabulosas são-no mais ainda na ESCA porque nem precisam de constar em qualquer regulamento. Será, então, perfeita a nossa Escola? Claro que não, nem nós pretendemos que seja, porque o paraíso é etéreo e não terreno. Essa condição obriga-nos a burilar arestas constantemente e a constantemente prestarmos atenção a nós próprios e aos outros. Cada dia que passa precisamos mais de ajuda e de nos ajudarmos. É isso mesmo que também fazemos neste momento. E que havemos de fazer cada vez mais. Porque merecemos.
Com gratidão.
Um abraço imenso.

José Batista d’Ascenção.

segunda-feira, 18 de junho de 2018

Sons e tons… fora da escola e dentro dela, com e sem alunos perdidos no telemóvel

Nunca confessei isto a ninguém: quando vou à escola nos tempos em que não há aulas ou matrículas ou apoio a alunos que vão a exame ou que pedem ajuda para a revisão de provas, os espaços escolares, sobretudo os longos corredores silenciosos e desertos, criam-me desconforto. E se não encontro colegas, o vazio é ainda mais incomodativo. Nunca esclareci esta contradição entre a perturbação que o barulho excessivo dos alunos me provoca em tempo de aulas e o vazio que sinto pela falta do movimento desses mesmos alunos nos tempos em que eles não vão à escola. Não sei explicar. Nem sei se há outros professores que sentem o mesmo que eu ou algo parecido.
É em casa que os tempos de silêncio me sabem melhor, sobretudo quando mergulho nas minhas leituras. Relativamente preservado do bulício urbano, é com alívio que normalmente olho para o televisor desligado ou a que tiro o som, por exemplo para ver (parte de) um ou outro jogo de futebol dos que criam mais expectativas. Raramente, vejo com apreço um ou outro programa ou alguém que me parece que vale a pena escutar. Som acolhedor e confortável é o dos familiares à mesa ou pela casa ou o do convívio com amigos, bem como o da Natureza onde ainda é possível ouvi-la e senti-la. E o da música escolhida, claro.
Em matéria de serenidade e compostura, dentro e fora da escola, não sei em que medida o meu apreço por ambas se vai acentuando naturalmente com a idade ou se isso resulta de aversão ao ambiente de ruído e espalhafato dos dias de hoje, em espaços públicos abertos ou fechados, nos programas televisivos e radiofónicos (ouvir um relato de um jogo de futebol, por exemplo, é absolutamente insuportável, por indecoroso e obsceno), nos transportes, nos festivais de música, nos cortejos académicos, nas competições desportivas, etc.
Interrogo-me também sobre se o aturdimento sensitivo dos jovens alunos e a sua fixação nos «telefones inteligentes» não são responsáveis por fenómenos de distracção e alheamento que os levam a concentrar-se menos bem no estudo e a perder peças de roupa, sacos, mochilas, estojos e outros pertences, os quais, na minha escola, ao longo de um ano, se acumulam na enorme vitrina que os expõe à visibilidade de todos, com excepção aparente dos que os perderam. É impressionante. E é também impressionante que os encarregados de educação não instem os seus educandos, se não a dar mais atenção aos objectos de que são portadores, pelo menos a ir procurar o que lhes desapareceu nos «perdidos e achados». Há, porém, algo de que não há esquecimento possível: o telemóvel. Esta asserção é válida para os alunos, para os seus pais e para… os professores.
Como é que a vida era possível há trinta anos apenas?

José Batista d’Ascenção.

Nota 1: A minha opção por um tema como este em época de exaltação dos ânimos de professores e governantes, pelos motivos conhecidos, não tem por objectivo iludir o essencial, é apenas uma forma de me afastar um pouco de certo «ruído» que me causa dor e tristeza.

Nota 2: As imagens estão muito baças por dois motivos: a imperícia do fotógrafo e o reflexo nos vidros. 

sábado, 2 de junho de 2018

A realidade do ensino e a acção dos professores que dão aulas - 7 motivos de esperança

Retrato recente e actual de uma realidade
 que amanhã devia ser longínqua
1. As crianças portuguesas de hoje, como as crianças de sempre, portuguesas ou de qualquer país, têm qualidades e capacidades que, por comparação, não estão diminuídas. Se a «matéria-prima» nunca teve mais talento e temos agora mais recursos e condições (materiais e humanos, como se diz), então podemos (e é nosso dever) conseguir (muito) mais e melhor rendimento.

2. Em Portugal, a escolaridade obrigatória é agora para todas as crianças e jovens até ao 12º ano de escolaridade. E ainda bem. Sendo o universo tão amplo, necessariamente teremos (sempre) uma fracção de alunos bem preparados. Isso é auspicioso, naturalmente, sobretudo se não nos fizer esquecer aquela faixa imensa que fica mal (ou muito mal) preparada, convencida de que sabe e enganosamente certificada.

3. Nas universidades e fora delas há pessoas de alto gabarito que olham para a escola básica e secundária e não só se disponibilizam a colaborar com os professores e a apoiá-los cientificamente como trabalham e intervêm arduamente em defesa de uma escola que ensina e prepara, sem inflar obscenamente o ego e a vaidade das crianças e sem lhes encher a cabeça de lixo e de predisposição para a falta de respeito (por si e pelos outros) e para o incumprimento dos deveres (faltar às aulas, não fazer os trabalhos, copiar, exigir classificações sem saber, etc.).

4. Não é impossível que um dia ocupe o vértice do sistema escolar alguém que tenha pela Educação aquele apego e vontade e engenho que Mariano Gago tinha pelo ensino das ciências experimentais. E nessa altura, sem embarcar em «ilusionismos» de «pessoas providenciais», talvez não sejam precisos muitos anos para que muito possa mudar no sistema de ensino, com enorme proveito das crianças, da sociedade e do país. Esse sonho e esse desejo (pelo menos) não são proibidos.

5. Também não é impossível que os professores do ensino básico e secundário, algum dia, percam o «medo de existir», e passem a não calar o que lhes parece e está mal e é injusto ou ilegal (sem precisarem de dizê-lo aos gritos) e falem menos em vencimentos baixos (até por ser inútil) e em «fugas» para a reforma (porque todo o tempo é tempo de ser professor e há o direito a sê-lo com satisfação). E com a plena consciência de que o seu papel é imprescindível.

6. Não é impossível, por outro lado, que aqueles que foram alunos responsáveis e, de entre eles,  aqueles que há poucos anos tiveram que emigrar e conhece(ra)m outras realidades e vão voltar ao país, mais alguns que têm consciência da sua preparação escolar deficiente e por cá ficaram, com pena de ambos os factos, engrossem a faixa da população da geração seguinte que vai exigir e lutar por uma escola que funcione, que respeite e que seja respeitada. É legítima neste aspecto uma enorme esperança, que, aliás, resgataria a escola de hoje, provando que não é - não está a ser - inútil.

7. Os milagres não existem, mas acontecem, por vezes. Especialmente quando nós os queremos muito e não desistimos de trabalhar para isso. Ora, podem não estar longe os dias em que os portugueses sentirão a necessidade de uma escola digna do nome, como precisam e merecem.
Nessa altura, tê-la-ão.

José Batista d’Ascenção.