terça-feira, 27 de março de 2018

A língua portuguesa, que tão mal estimamos e usamos…

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Decorrem por estes dias os conselhos de turma para avaliação dos alunos do ensino básico e secundário neste final do segundo período. Burocratizadas até ao absurdo, especialmente no ensino básico, e com tendência a alastrar ao secundário, estas reuniões não cumprem idealmente a sua função, o que, obviamente, não põe em causa a necessidade de que se façam e de que haja avaliação ao longo do ano.
Por hoje, dou conta apenas de alguns pormenores (entenda-se, «pormaiores!») que cada vez me custam mais e que ontem, num dos casos, ditei para uma acta, nos seguintes termos: «entre os aspectos menos conseguidos ou favoráveis, continua a ser prática de um aluno não responder a qualquer das questões abertas dos elementos escritos de avaliação [leia-se, testes], o que dificulta a obtenção de dados de classificação mais aferidos.»
Numa outra turma, comentei o facto de as respostas escritas de outro aluno não se entenderem, pelas dificuldades do seu pensamento, mas também pela sua letra frequentemente ilegível e pelo modo como (não) redige.
E isto acontece no 11º ano!
Que fizemos e fazemos da nossa língua?
Li aqui que «há escolas portuguesas onde, apesar do desleixo do Ministério da Educação, [se tem] testemunhado um esforço notável dos seus professores para incentivar a leitura e a boa escrita». É um bálsamo insuficiente. Porque não são todas as escolas?
Há outras pessoas (professores, por sinal) que dão um contributo inestimável nesta área, dentro e fora da escola, como é o caso de Cristina Fontes, quinzenalmente, no jornal «Correio do Minho». Estas pessoas, não desistentes, merecem enormemente o nosso apoio e o nosso estímulo.
Páscoa Feliz.
  
José Batista d’Ascenção

domingo, 18 de março de 2018

Aproximação do termo do segundo período do ano lectivo…

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Quando eu era aluno do liceu, o segundo período lectivo era determinante na passagem de ano. Por essa altura já conhecíamos bem todos os professores e colegas e os dados sobre o aproveitamento, de modo geral, estavam lançados. Alguns haviam-se esforçado quanto podiam, com mais ou menos gosto, o que também dependia, e muito, dos professores, outros cumpriam o ritual das aulas sem interesse e sem grande rendimento, de modo que era com o receio de uns e a agradável expectativa de outros, em relação ao que a afixação das pautas revelaria, que se aguardava o tempo de férias.
Foi isto no ano feliz do 25 de Abril de 1974 e nos que se lhe seguiram. Feliz pelo tempo de liberdade que se iniciava, pela emoção e alegria que transbordava das pessoas, especialmente as que pertenciam aos extractos sociais menos abastados e que se supunham informadas. Feliz também pela igualdade de direitos ruidosamente declarada. Feliz ainda, porque o acesso ao ensino se tornaria um direito de todos, embora mais formal do que real. Menos feliz foi a opção pelo ensino unificado, sob a ideia de que todos tinham direito à mesma formação e cultura geral, antes da obtenção de quaisquer qualificações técnicas para o desempenho de uma profissão.
Como a experiência bastamente demonstra, os paraísos na Terra tendem a ser efémeros. No ensino esta regra também se cumpriu, de modo inexorável. Massificada e uniformizada a população escolar, eram precisos muitos professores e, perante necessidades de tal monta, parecia que bastava apenas ter umas horas disponíveis e uma qualquer formação (ou quase nenhuma), mesmo que em área diversa das disciplinas a leccionar, para se aceder à docência. Por outro lado, os conteúdos seriam sempre e cada vez mais desvalorizados, pelo que o professor passou a ser encarado como um agente que, mais do que dominar profundamente as matérias a ensinar, devia estimular a construção do conhecimento por cada aluno, em percurso e ação a realizar pelo próprio, execrando-se a mera transmissão de saberes e desprezando a memória, porque dicionários, enciclopédias e, mais tarde, o «google» disponibilizariam toda a informação a mobilizar pelos «aprendentes», a todo o tempo, em qualquer situação… O descrédito do professor veio de caminho e o proveito dos alunos ficou muito aquém do que seria desejável. Claro que se pode sempre argumentar que, em relação aos tempos da ditadura, houve largos progressos, um tipo de argumento que é válido, por ser verdadeiro, mas que nos engana com… a verdade.
Hoje, os alunos do ensino básico e secundário são filhos de pessoas que foram alunos depois de mim. Algumas dessas pessoas perceberam a importância da escolarização, outras nem tanto. As primeiras querem uma escola exigente e, quando podem, optam muitas vezes pelo ensino privado, onde supõem que a fealdade da pobreza e a indisciplina - que está longe de ser um «mal congénito» dos pobres - não perturbam a aprendizagem de quem consegue pagar as propinas. As segundas entregam os filhos à responsabilidade da escola pública: os professores que se ocupem deles, que os ensinem, que os eduquem e, sobretudo, que tomem conta deles por quanto mais tempo melhor. De preferência sem maçar muito as crianças e jovens e principalmente os pais. Reclamando direitos seus, que as hierarquias estimularam como forma de quebrar a «insubmissão» e punir «falta de qualidade» dos professores, levam-se a peito e foram muitas vezes às escolas propositadamente para agredir docentes, os quais passavam imediatamente a ser alvo de processo disciplinar, sem que o sistema de justiça aplicasse aos agressores qualquer pena ou lhes exigisse alguma reparação. Ainda não foi ultrapassada a ressaca desse modo de relação da comunidade escolar com os professores do ensino básico e secundário.
Como andar na escola é dispendioso para os cofres do Estado, agora é preciso que os alunos progridam, mesmo que não tenham aprendido, porque, dizem, reprová-los não lhes melhora o saber nem a capacidade de aprender. Sendo assim, qual é a importância das pautas de «notas» que um dia destes vão ser afixadas? Ou a expectativa dos alunos em relação a elas? Ora, praticamente nenhumas, porque, normalmente, os alunos já sabem as classificações que vão ter e, por outro lado, quase todos eles vão passar no fim do ano, mesmo que com muitas «negativas». 
É assim, mas devia assumir-se que a progressão, por si só, não significa saber nem preparação e que quem sai mais prejudicado são, tendencialmente, os filhos das pessoas com menos possibilidades económicas. De resto, os mais pobres sabem e sentem que é assim desde sempre e aos mais pequeninos dos filhos deles rapidamente a vida ministrará ensinamento equivalente.
Agora, não se diga que o sistema escolar falhou. Não senhor, quem falha – e tem a culpa - é apenas uma parte dele, aquela que todos conhecem: os professores.
Para quê, procurar outros responsáveis?
  
José Batista d’Ascenção

terça-feira, 6 de março de 2018

O que estamos a avaliar no ensino secundário: como avaliamos, em que condições avaliamos e qual é o fim último das avaliações que estamos a fazer?

Há vinte e cinco anos, os «exercícios escritos» a que submetia os meus alunos normalmente não iam além de duas ou três páginas com menos de dúzia e meia de questões de diferentes tipologias, mas em que a resposta à maior parte delas obrigava sempre a umas (poucas) linhas de redacção onde era apresentado um raciocínio sobre uma situação ou problema e, sendo o caso, se procurava chegar à solução.
Era um tempo que corria para o seu termo. Em consequência do que se ensinava e divulgava em cadeiras ditas de «educação» nalgumas universidades, o texto escrito perdia uso e valor, substituído por esquemas como os famigerados «mapas de conceitos», panaceia que se apresentava como uma boa metodologia para se conseguir uma «aprendizagem significativa». E tais esquemas, quando não ultrapassavam meia dúzia de caixinhas e outras tantas setas até podiam ser úteis. O problema surgia quando se enchiam páginas atrás de páginas, mais a abertura dos capítulos e o seu término, com emaranhados de rectângulos e riscos, que, necessariamente, conduziram à saturação e à queda em desuso. Os relatórios dos trabalhos práticos das disciplinas de ciências foram afectados por uma onda similar, pelo que, ao português escorreito de que os alunos e professores deviam fazer uso, de forma lógica, articulada e sequencial, para uns e outros e uns com os outros se entenderem, sucederam os salvíficos «vês de Gowin», que não só não salvaram nada como já ninguém se ufana de os usar.
Aos alunos foi-se deixando de exigir que escrevam. A somar ao infortúnio, e a pretexto de maior objectividade na avaliação, muito acentuada pelas condições de acesso ao ensino superior, os «exercícios escritos de avaliação» passaram a ser testes de cruzinhas e escolha de letras correspondentes a opções, sempre com a indicação obrigatória das cotações de cada pergunta e da respectiva resposta.
Testes assim são justos, rigorosos e objectivos? Três vezes: sim. Mas são pedagogicamente questionáveis, por cumprirem objectivos que estão para além (e ao lado…) do todo que é (ou devia ser) o ensino e a formação dos jovens, e trazem consequências (muito) indesejáveis: mais que dar respostas certas, a muitos alunos (incluindo alunos muito bons) o que lhes interessa são os pontos e (sobretudo) as suas somas e médias: e então, aquando da entrega dos testes, imediatamente um D indicado como resposta pode transformar-se num B (a opção certa), com o professor a ter que admitir que se pode ter enganado na «correcção», embora cheio de dúvidas acerca disso…
Ora, eu quando ensino um aluno (sim, confesso, eu tento ensinar alunos…), o que me interessa é perceber o que ele pensa e ir ao fundo das suas dificuldades, e, para isso, nada encontro melhor do que ler o que escreveu ou tentou escrever, mesmo que (aparentemente) me dê mais trabalho. Isto, no entanto, não agrada aos alunos, porque detestam escrever, nem aos pais, porque, como os seus filhos, julgam mais difícil esquadrinhar e questionar as classificações que os professores atribuem.
A onda pegou e ampliou-se. Os exames nacionais adoptaram o figurino e passaram a modelo referencial. Nos dias de hoje, um exame de biologia e geologia tem muitas vezes 15-16 páginas e nas escolas, apesar do aperto financeiro e por sua causa, é comum os testes andarem pelas 9-10 páginas. Em qualquer dos casos estamos perante «atentados ecológicos» no âmbito de uma disciplina que devia ensinar e dar o exemplo de contenção de gastos e  minimização de desperdícios.
Mas por que é que é assim e por que é que não muda?
Respondo: Por muitas razões. No nosso sistema de ensino cada erro que se comete tende em cada repetição a tornar-se institucional e exemplo a seguir. É o caso, mas não gratuitamente. Eu gostava de ensinar alunos com algum gosto em aprender e não jovens «stressados» por competições ferozes pelos pontos a obter em testes e exames essencialmente de opções entre afirmações certas e erradas ou simplesmente alheados e desinteressados de tudo isso. Não que seja contra os testes nem contra os exames. Se bem feitos, adequados e proporcionados e aplicados em condições de rigor, são bons elementos de avaliação. Mas não são os únicos e têm que observar aquelas condições, o que está longe de acontecer. É que hoje, nas escolas, os espaços e o mobiliário não asseguram boas condições de aplicação de um teste, mesmo com recurso a versões diferentes (o que aumenta o trabalho e o cansaço do professor e conduz a mais erros de classificação). Por outro lado, há alunos que desenvolveram códigos de comunicação praticamente indetectáveis que lhes permitem conferir respostas de opção, até mesmo nos exames nacionais. E ignorar isto não é um procedimento bom nem um procedimento justo.
No que me toca, o desconforto vem de me sentir mais um «co-seleccionador» involuntário de alunos para o ensino superior do que um professor que tenta ensinar e formar jovens alunos. Não há soluções perfeitas e em Portugal, aparentemente, o que é sujeito a uma infinidade de regras estritas e universais resiste mais facilmente à corrupção ou dá (a conveniente) ideia disso... Mas por que é que as universidades não arranjam maneira de seleccionar os seus alunos?
Eu, se fosse professor universitário, talvez gostasse de ajudar a seleccionar os meus…
  
José Batista d’Ascenção