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Quando eu era aluno do liceu, o segundo período lectivo era determinante na passagem de ano. Por essa altura já conhecíamos bem todos os professores e colegas e os dados sobre o aproveitamento, de modo geral, estavam lançados. Alguns haviam-se esforçado quanto podiam, com mais ou menos gosto, o que também dependia, e muito, dos professores, outros cumpriam o ritual das aulas sem interesse e sem grande rendimento, de modo que era com o receio de uns e a agradável expectativa de outros, em relação ao que a afixação das pautas revelaria, que se aguardava o tempo de férias.
Foi isto no ano feliz do 25 de Abril de 1974 e nos que se lhe seguiram. Feliz pelo tempo de liberdade que se iniciava, pela emoção e alegria que transbordava das pessoas, especialmente as que pertenciam aos extractos sociais menos abastados e que se supunham informadas. Feliz também pela igualdade de direitos ruidosamente declarada. Feliz ainda, porque o acesso ao ensino se tornaria um direito de todos, embora mais formal do que real. Menos feliz foi a opção pelo ensino unificado, sob a ideia de que todos tinham direito à mesma formação e cultura geral, antes da obtenção de quaisquer qualificações técnicas para o desempenho de uma profissão.
Como a experiência bastamente demonstra, os paraísos na Terra tendem a ser efémeros. No ensino esta regra também se cumpriu, de modo inexorável. Massificada e uniformizada a população escolar, eram precisos muitos professores e, perante necessidades de tal monta, parecia que bastava apenas ter umas horas disponíveis e uma qualquer formação (ou quase nenhuma), mesmo que em área diversa das disciplinas a leccionar, para se aceder à docência. Por outro lado, os conteúdos seriam sempre e cada vez mais desvalorizados, pelo que o professor passou a ser encarado como um agente que, mais do que dominar profundamente as matérias a ensinar, devia estimular a construção do conhecimento por cada aluno, em percurso e ação a realizar pelo próprio, execrando-se a mera transmissão de saberes e desprezando a memória, porque dicionários, enciclopédias e, mais tarde, o «google» disponibilizariam toda a informação a mobilizar pelos «aprendentes», a todo o tempo, em qualquer situação… O descrédito do professor veio de caminho e o proveito dos alunos ficou muito aquém do que seria desejável. Claro que se pode sempre argumentar que, em relação aos tempos da ditadura, houve largos progressos, um tipo de argumento que é válido, por ser verdadeiro, mas que nos engana com… a verdade.
Hoje, os alunos do ensino básico e secundário são filhos de pessoas que foram alunos depois de mim. Algumas dessas pessoas perceberam a importância da escolarização, outras nem tanto. As primeiras querem uma escola exigente e, quando podem, optam muitas vezes pelo ensino privado, onde supõem que a fealdade da pobreza e a indisciplina - que está longe de ser um «mal congénito» dos pobres - não perturbam a aprendizagem de quem consegue pagar as propinas. As segundas entregam os filhos à responsabilidade da escola pública: os professores que se ocupem deles, que os ensinem, que os eduquem e, sobretudo, que tomem conta deles por quanto mais tempo melhor. De preferência sem maçar muito as crianças e jovens e principalmente os pais. Reclamando direitos seus, que as hierarquias estimularam como forma de quebrar a «insubmissão» e punir «falta de qualidade» dos professores, levam-se a peito e foram muitas vezes às escolas propositadamente para agredir docentes, os quais passavam imediatamente a ser alvo de processo disciplinar, sem que o sistema de justiça aplicasse aos agressores qualquer pena ou lhes exigisse alguma reparação. Ainda não foi ultrapassada a ressaca desse modo de relação da comunidade escolar com os professores do ensino básico e secundário.
Como andar na escola é dispendioso para os cofres do Estado, agora é preciso que os alunos progridam, mesmo que não tenham aprendido, porque, dizem, reprová-los não lhes melhora o saber nem a capacidade de aprender. Sendo assim, qual é a importância das pautas de «notas» que um dia destes vão ser afixadas? Ou a expectativa dos alunos em relação a elas? Ora, praticamente nenhumas, porque, normalmente, os alunos já sabem as classificações que vão ter e, por outro lado, quase todos eles vão passar no fim do ano, mesmo que com muitas «negativas».
É assim, mas devia assumir-se que a progressão, por si só, não significa saber nem preparação e que quem sai mais prejudicado são, tendencialmente, os filhos das pessoas com menos possibilidades económicas. De resto, os mais pobres sabem e sentem que é assim desde sempre e aos mais pequeninos dos filhos deles rapidamente a vida ministrará ensinamento equivalente.
Agora, não se diga que o sistema escolar falhou. Não senhor, quem falha – e tem a culpa - é apenas uma parte dele, aquela que todos conhecem: os professores.
Para quê, procurar outros responsáveis?
José Batista d’Ascenção
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