sexta-feira, 29 de maio de 2020

Parabéns aos professores da Madeira

Imagem obtida via «google»
Esta manhã arranjei tempo para assistir a duas aulas de biologia-geologia, uma de décimo e outra de décimo primeiro ano, através da RTPMadeira. Eram as últimas do plano estabelecido. Tinha assistido a outras. E aulas houve, de outras matérias (por exemplo de economia, assunto em que sou um zero), a que me apeteceu assistir.
Na minha disciplina, as professoras das aulas que acompanhei (Lucília Serralha, Carmo Jardim e Irene Alves) foram sóbrias e incisivas, serenas e seguras (isto só aparentemente contradiz o que escrevi aqui, porquanto um erro que é oficialmente recomendado durante décadas, responsabiliza em primeiro lugar a «hierarquia» que continua a recomendar que se cometa). A mestra encarregada da matéria de biologia de décimo ano despachou os assuntos a uma velocidade extraordinária, mas sem «notas» fora do «tom» e reconhecendo o facto, no final, que resumiu à necessidade de ser assim. A culpa não lhe cabe.
Apreciei a forma sentida (e nalguns casos emocionada, mas sempre elegante e contida) como vi alguns professores despedirem-se, findo o trabalho que foram chamados a realizar.
Também gostei muito da publicidade institucional (mais conselhos úteis e claros, por exemplo sobre segurança na «internet») passada nos intervalos. Por comparação, tive pena que os canais de televisão pública do continente, pagos com o dinheiro dos contribuintes, sirvam tão mal os cidadãos.
Pelo que vi, ficou-me a sensação de que os professores da Madeira e a RTPM prestaram um serviço decente.
Apraz-me a ideia de que outros, de outras áreas, tenham ficado com a minha impressão. Muito o desejo.
Parabéns.

José Batista d’Ascenção

domingo, 24 de maio de 2020

E se ensinássemos os alunos do «ensino regular» (ao nível do secundário) para eles saberem e não para obterem uma «nota», qual «gazua» de acesso aos cursos mais pretendidos do ensino superior?

Exames nacionais: a escola e os alunos não são [o] problema. Aqui.
Mil vezes terei repetido: sou a favor dos exames. Mil vezes voltarei a repetir: desde que respeitadores do trabalho dos alunos e do esforço digno dos professores que os ensinam. Dito de outro modo: as provas de exame devem ser elaboradas em conformidade com os programas das respectivas disciplinas, mesmo quando esses programas não são perfeitos. Claro que, quando os programas são questionáveis, então carecem de ser analisados e modificados, porquanto não é possível aferir com equidade a qualidade das aprendizagens se não houver um normativo que defina os conteúdos a aprender e balize a profundidade e extensão que devem abarcar.
Na disciplina de biologia e geologia do ensino secundário conjugam-se vários males de diferentes origens e natureza, entre os quais: a falta de actualização, de sequenciação e de articulação, sobretudo do programa de biologia de 10º ano, problema que se arrasta desde a sua homologação em 2001; questionários de exame (do GAVE, primeiro, e depois, e até agora, do IAVE) discutíveis em termos científicos, técnicos e pedagógicos; autonomia e responsabilidade pedagógica dos professores limitada ao cumprimento obrigatório das orientações que recebem, as quais acabam por traduzir-se em treinar/amestrar impenitentemente os alunos (o que satisfaz indirectamente outros interesses) para as charadas (mais) típicas dos testes nacionais.
Trabalhar fora destes azimutes pode prejudicar as «performances» dos alunos. Saber é importante, mas pode não ser a chave perfeita para abrir as portas pretendidas…
Imagine-se agora que as instituições do ensino superior passavam a seleccionar os seus alunos. Com os meios técnicos de que dispõem, isso não constituiria dificuldade de monta. E então, os alunos do ensino secundário, para acederem a um curso superior, teriam que saber a matéria respeitante. Logo, a sua preocupação talvez passasse a ser prepararem-se convenientemente e não obterem uma "nota" que cubra eventuais descidas em exame. E os professores do ensino secundário, livres de pressões mais ou menos insidiosas, sob a invocação do "direito ao sucesso", poderiam focar-se na aprendizagem efectiva dos seus alunos. A inflação de notas, que (finalmente!) preocupa o senhor ministro, ficava também resolvida. E a substância da competição entre as escolas também se alterava, por/para motivos saudáveis. 
Não resolv(er)ia tudo, mas mudava muita coisa para melhor.

José Batista d’Ascenção

sábado, 23 de maio de 2020

Sobre «teletrabalho» - quem (nos) avisa...

Artigo de M. Patrão Neves, in jornal «Público» de 23 Maio 2020, pág. 23. Excertos.
Imagem obtida via «Google»


«O teletrabalho em tempo de confinamento foi um alívio para empregadores e uma alegria para empregados. […]
No caso paradigmático dos professores, exigiu-se que dispusessem, do seu apertado bolso, de todos os meios necessários para o trabalho remoto: computador, câmara, Internet, sempre com qualidade suficiente para manter as aulas Zoom. Tudo foi aceite. Era uma situação temporária, de recurso. Entretanto, o teletrabalho foi granjeando entusiastas na percepção de que pode ser assumido como uma modalidade de actividade complementar, introduzindo uma ambicionada flexibilidade a servir os interesses das partes, num ajustamento às necessidades circunstanciais de ambos. 
[…]
 As aulas Zoom tendem à reprodução de um modelo expositivo que se julgava ultrapassado e cujo anacronismo surge agora legitimado pelo revestimento das novas tecnologias. Incentivar-se-á assim também experiências em curso de substituição dos professores por assistentes digitais (inteligência artificial), mais sábios, incansáveis e económicos. Do teletrabalho como um complemento desejável precipita-se para a sua proposta inquietante como alternativa. Afinal, no sector do ensino, como em outros, o teletrabalho possibilitará uma significativa redução de custos de operação, ao empregador, podendo estabelecer um novo quadro nas contratualizações laborais. Os empregados, porém, receiam a substituição do trabalho regular por um trabalho à peça, trocando-se a flexibilização necessária por uma precariedade crónica. E desenganem-se os que fantasiam com a conquista de uma autogestão no teletrabalho, libertadora do olhar das chefias. A monitorização do trabalho há muito se vem intensificando e ameaça tornar-se cada vez mais invasiva, atrofiando a esfera privada de cada um.»

Afixado por: José Batista d’Ascenção

terça-feira, 19 de maio de 2020

A trágica aversão dos alunos à escola

Fonte da imagem: aqui. [Adaptada]
A curiosidade natural das crianças e o gosto de aprender parece perderem cada vez mais face às características, condições e modos de funcionamento da realidade escolar.
Não bastam a boa alimentação, a saúde, a segurança e o conforto das condições físicas indispensáveis: abrigo da chuva e do vento, luz adequada, temperatura nos valores aceitáveis, espaços condignos, higiene assegurada, para que se desencadeie nas crianças e nos jovens a vontade de saber mais.
Em primeiro lugar, esse gosto tem de ser acarinhado e estimulado permanentemente no ambiente familiar: o processo começa aí, provavelmente.
Os professores têm de ter conhecimentos científicos sólidos, profundos e alargados, reunir algumas características imprescindíveis, como o gosto e a paciência de ensinar, associados a uma boa preparação pedagógica. Os professores que estão no activo cedo perceberam, às vezes de modo chocantemente sofrido, que o grosso das teorias pedagógicas que lhes ministraram eram de pouca valia perante os problemas que tiveram de enfrentar (o que não impediu que se insistisse nelas...), nem eram a chave que lhes permitisse modificar a «deriva» da escola. Donde manter-se a oportunidade para a insistência em mudanças, agora muito recomendadas mediante «webinars», formas de «desbobinar» receitas através da rede global (web). Não iremos longe, se confiarmos demasiado nos milagres da tecnologia.
O «desenho» dos currículos (número e tipo de disciplinas obrigatórias, programas, carga e distribuição horárias) tem que centrar-se nas características, nas potencialidades e nas possibilidades dos alunos e não nas crenças ou na vontade ou nas preferências dos teóricos que os elaboram (e que raramente têm prática de ensino nas escolas básicas e secundárias). 
Aos políticos devia caber o papel de tomar decisões claras, que pudessem ser seguidas, aprofundadas ou revertidas, sem as justificações arrevesadas que constam do preâmbulo da imensidade de leis labirínticas que enredam as escolas. Nada de protecção de interesses (académicos, corporativos, profissionais ou outros) e de negócios específicos dispensáveis (editoriais, informáticos, de fornecimento de materiais, obras, bens ou serviços, etc).
E às escolas devia caber a responsabilidade da sua acção num quadro bem definido, com uma direcção apoiada num conselho pedagógico focado na aprendizagem de alunos concretos e na resolução dos seus problemas. A dispersão da responsabilidade por mais de um órgão cimeiro nas escolas (como o «conselho geral» e seus antecedentes), ou a multiplicação de comissões diversas e inúteis, não lhes aumentou a eficácia nem o prestígio.
Atenção, porém: ontem regressei à escola e dei por mim na sala mais de meia hora antes do início da primeira aula. Ali fiquei, de pé, ansiando pelo regresso dos meus alunos. E como gostei de os ver e de lhes falar, embora com a boca e o nariz a coberto de uma máscara incomodativa, eles e eu. Impressionou-me o modo sereno, doce e (aparentemente) atento com que seguiram e participaram (a solicitação minha) em noventa (!) minutos de aula. Repeti a dose com os seguintes e saí, com a ideia animadora de que não é impossível que tenham partilhado o meu sentimento.
Só em casa dei pelo cansaço. Mas era um cansaço bom.

José Batista d’Ascenção

sexta-feira, 15 de maio de 2020

Quando ensinamos (repetidamente) mal, por culpa que não é (inteiramente) nossa

Experiência mentirosa
A tarefa dos professores de biologia e geologia do ensino secundário não deve ser das mais fáceis entre os docentes. São duas áreas muito diversas, muito vastas, com especializações muito profundas e em actualização permanente, face ao volume de novos conhecimentos que a investigação produz.
Por outro lado, a organização das escolas (públicas), a sua gestão e as (des)orientações das hierarquias, deram corpo a uma arquitectura burocrática imensa e pesada, que submerge os órgãos pedagógicos intra-escola, e os obriga, a eles mesmo, a funcionar como meras comissões de burocracia. A carga resultante extenua os professores e desvaloriza os que (apenas!) dão aulas, aulas que, às vezes, parece serem o que menos interessa em todo o sistema: o tempo e a energia que os professores deviam reservar para prepará-las e ensinar e apoiar os alunos são consumidos ingloriamente, com prejuízo de todos.
Tamanho mal impregna toda a documentação, incluindo a que é indispensável, como são os programas das disciplinas. No de biologia de décimo ano, para além da «filosofia», há sugestões metodológicas que bradariam aos céus, se alguém lhes ligasse alguma importância. É o caso do que consta na página 85 desse programa, quando aponta para a execução de certo tipo de experiências (cientificamente não rigorosas, como a da figura) para demonstrar que as leveduras do fermento de padeiro respiram e não fermentam sempre que têm oxigénio disponível (como se quem amassa o pão retirasse o oxigénio do compartimento onde põe a massa a levedar). A definição das «aprendizagens essenciais», feita em anos recentes, não corrigiu a incorrecção. Acontece que, como referi aqui, há décadas que se demonstrou que aquela experiência não demonstra o que se diz que demonstra. Mas que importa isso? A recomendação continua firme no programa, as «aprendizagens essências» não deram pela falha, e os professores têm o dever de cumprir cada um daqueles normativos.
A quem duvidasse do rigor do que afirmo (especialmente se for professor de biologia e geologia), recomendaria pedido de esclarecimento junto da professora Maria Cecília Leão, da Universidade do Minho, ou da professora Maria da Conceição Loureiro-Dias, do Instituto Gulbenkian da Ciência, em Oeiras, se elas (ainda) conseguissem um módico de paciência para esclarecer coisa (para elas) tão banal…
Ora, por vontade, tenho tentado acompanhar as lições (da minha área) para o ensino secundário que a RTPMadeira está a por «no ar». E tenho apreciado as aulas que colegas daquela região têm dado através da TV. Porém, esta manhã, lá estava a malfadada experiência, na aula de 10º ano de biologia.
Senti alguma tristeza. O que se pode fazer?

José Batista d’Ascenção 

O medo de voltar à escola

Fonte da imagem: aqui.
Os alunos de 11º e 12º anos e alguns dos seus professores voltam à escola na próxima segunda-feira. Uns e outros têm receio. Não poucos estão com medo. Vai ser proveitoso? Conseguiremos abstrair-nos do facto de estarmos permanentemente com uma máscara, termos de falar com ela e não podermos aproximar-nos uns dos outros a menos de metro e meio? E se alguém ficar infectado, nessa altura conseguiremos lidar facilmente com a necessidade de que todos os que contactaram com essa pessoa fiquem de quarentena?
Dado que vamos regressar, convém-nos a maior serenidade, por vários motivos: não descurar os cuidados e os procedimentos preventivos necessários, tentar que as actividades, mesmo em condições muito limitadoras, tenham o máximo proveito e retomar a normalidade possível.
Pondo de lado a ideia dos exames nacionais enquanto foco hipervalorizado do regresso (como se deles tivesse que depender o que de mais importante a escola faz), o facto é que algum dia tínhamos de voltar. Vamos ver como corre. E façamos por que corra da melhor maneira.
Como os alunos destas idades já são crescidos é suposto que sejam capazes de, cuidadosa e corajosamente, corresponder sem problemas inultrapassáveis. Por maioria de razão, aos professores compete o mesmo.
Solidariamente, preocupo-me mais com as pessoas que vão trabalhar nas creches, com os mais pequeninos. Como vão elas conseguir? Para além das dificuldades, se os procedimentos recomendados tiverem de ser mantidos durante muito tempo, será que a «formatação comportamental» face ao outro, que vai ser incutida nas criancinhas, pode deixar marcas? E que marcas?
Enfim, voltamos à escola.
A escola somos nós. Lá vamos.

José Batista d’Ascenção

sexta-feira, 8 de maio de 2020

Ouvir mal e ser professor

Muito limitadora do relacionamento familiar, profissional e social, a surdez afecta a personalidade de quem a sofre, quase sempre de modo introspectivo e triste. É ingrato ouvir mal uma pergunta e ter que responder: - o quê? Ser obrigado a pedir que repitam essa pergunta uma ou mais vezes, é frustante. E se, apesar disso, a compreensão não for possível, a frustração facilmente se transforma num sentimento doloroso. Mesmo as pessoas próximas, familiares e amigos chegados, nem sempre têm aquela sensibilidade que facilita: falar frontalmente, articular e pronunciar bem as palavras, numa dicção com movimentos labiais que ajudam à compreensão, ou colocar-se em posição favorável, no caso de a dificuldade de audição incidir ou ser mais pronunciada num dos lados. E sempre que a pessoa que interpela um surdo perde a paciência e desiste, alheia ao penoso insucesso de quem se esforçou por entender, à sensação infeliz da vítima, soma-se, não raro, a humilhação da sua inferioridade.
Na sala de aula, ouvir bem é fundamental. Distinguir os pequenos ruídos de fundo, localizá-los automaticamente, diferenciar muito bem o timbre da voz de cada aluno são importantes factores de orientação de uma aula. Nada pior do que, ouvido um som, mais ou menos indistintamente, não destrinçar a sua fonte, desconhecer se foi emitido num lado ou noutro da sala ou mesmo fora dela, no recreio ou no corredor, porque acentua a dúvida sobre se se justifica ou não fazer algum aviso de silêncio, de modo oportuno, incisivo e dirigido. Situações assim causam perturbação no professor e dão azo a conversas em surdina que propagam a desatenção dos alunos. Momentos pouco animadores são também aqueles em que um ou outro aluno, intencionalmente ou não, responde a alguma questão baixando o tom de voz e mal mexendo os lábios, dificultando ao mestre a compreensão clara do que disse.
Um dia, à mesa do café, comentando estes problemas com o meu amigo Luís G., falou-me ele da acuidade da sua audição, referindo que, certa vez, quando mexia num qualquer instrumento, lhe escapou um parafuso minúsculo que foi cair numa zona de sombra, e que ele seguiu tão distintamente pelo som do seu saltitar no chão, que o localizou de modo imediato e preciso, mais pelo tacto do que pela vista. Confessei-lhe então a minha inveja dessa sua condição.
Do mesmo modo que fui adiando e demorei muito a usar óculos, também tardei a aceitar uma prótese auditiva. Mas, se no primeiro caso era apenas a relutância de me adaptar à permanência de um apêndice artificial aposto na cara, que ainda agora, ao fim de tantos anos, sinto como um estorvo, relativamente ao aparelho auditivo havia a incongruência entre sentir-me deficiente auditivo e assumir isso sem problemas - pensava eu - e como que ter vergonha de pendurar mais um artefacto na orelha. Só que teve de ser. E o apetrecho ajuda, descontados os factores de adaptação, mas não resolve.
Com o passar dos anos e o envelhecimento dos professores, nenhum deles vê melhorar a visão ou a audição ou a sua condição física em geral. A média de idades do corpo docente do ensino básico e secundário começa a ser preocupante. O estado de saúde da generalidade dos professores degrada-se inexoravelmente. Além disso, o ensino de crianças e jovens por pessoas que elas associam invariavelmente à idade dos seus avós não é de si estimulante. Digo-o claramente, salvaguardando que é um erro e um logro pensar que todos os professores devem ser jovens e terem uma “mentalidade” (mais) próxima da dos alunos. Ensinar e educar exige muito e a experiência e o saber de quem mais viveu são uma riqueza que não pode ser desperdiçada. Por amor às crianças e aos jovens. E por amor aos mais velhos.
De modos que, apesar de verem e ouvirem menos bem, coxeando mais ou menos, desde que suportassem as mazelas, tivessem sãos os neurónios, soubessem ensinar e quisessem, não haveria ética nem direito nem vantagem em colocar professores na prateleira.
De resto, como o exercício da profissão se degradou acentuadamente ao longo de décadas, depois da conquista da democracia no país, o que diminui o número de (bons) candidatos à docência, os professores mais velhos são necessários também por (possível) carência de substitutos.

José Batista d’Ascenção

quarta-feira, 6 de maio de 2020

Termos esdrúxulos das ciências naturais

Imagem obtida via «Google» [adaptada]
Quando falamos tendemos para a facilidade de pronúncia e para o encurtamento das palavras. Deriva daí, em parte, a discrepância entre a linguagem falada e a linguagem escrita. Isso é conveniente, em larga medida, porquanto permite a manutenção da norma escrita, como referência, sem impedir as variações fonéticas e as simplificações da comunicação oral.
Acontece, por vezes, que as palavras escritas são difíceis de pronunciar e levam a discrepâncias entre os falantes, razões que não trazem quaisquer vantagens. Em ciências naturais, biologia e geologia, isso acontece com alguma frequência, o que pode conduzir a um discurso oral algo desarmónico e incongruente com a ortografia.
Vejamos alguns exemplos.
O estudo da divisão celular em células com núcleo, por observação ao microscópio óptico, revelou imagens características que, por convenção, se designaram etapas ou fases do processo: uma mais inicial (profase), outra que se lhe segue (metafase), uma terceira que antecede a última (anafase) e a quarta, com que termina a divisão do núcleo (telofase). Na realidade, aquele mecanismo é contínuo, pondo dificuldades à definição do momento exacto em que se passa(ria) de uma fase a outra. Por isso, em livros mais antigos, ainda se refere uma fase de transição entre a primeira e a segunda daquelas etapas (a prometafase). Em rigor linguístico, os dicionários grafam aqueles termos como palavras esdrúxulas. Porque os meus professores, tanto quanto me lembro, usaram aquelas palavras com a fonética grave e as escreviam em conformidade, como na língua inglesa também é assim, e porque a pronúncia grave me parece mais fácil, também eu procedo contra a norma, oralmente e por escrito, em homenagem aos professores que (mais) recordo.
Outra área da biologia onde os termos escritos e falados facilmente surgem com divergência é no estudo dos catalisadores biológicos (aceleradores das reacções químicas), a que se chama enzimas. As enzimas têm uma nomenclatura própria, com normas internacionalmente definidas, mas as designações habituais derivam do nome da substância sobre a qual actuam. Por exemplo, a amílase, degrada (digere, por hidrólise) o amido. Os meus professores chamavam-lhe (simplesmente) amilase. Para a enzima que hidrolisa a sacarose (o açúcar vulgar), usamos comummente o termo sacarase, em vez de sacárase, que é mais difícil de pronunciar. Idem para a maltase, enzima que desmembra a maltose (açúcar do malte), em vez do termo “impronunciável” máltase. Naturalmente, eu sou dos que enchem a boca e uso sempre as palavras mais simples e fáceis neste campo específico.
Em geologia, há também conceitos que são escritos com acentuação esdrúxula, mas que não têm pronúncia (muito) fácil, pelo que as palavras que os traduzem são muitas vezes ditas na forma grave. É o caso do grupo de feldspatos cálcicos, calco-sódicos, sódico-cálcicos e sódicos, cujo nome escrito é plagióclase(s), mas que, na boca de muitos, incluindo os especialistas, passa a plagioclase(s). Eu optei há muito pela facilidade desta segunda forma.
Forma escrita de acordo com a norma linguística a que também não adiro é a da palavra diáclase (fenda natural de uma rocha). Escrevo e digo diaclase(s), porque (me) é muito mais fácil.
E é assim que, para além de gralhas e erros, com amor infinito pela língua portuguesa, assumidamente transgrido algumas das suas normas. No ensino das ciências naturais, mas não apenas.

José Batista d’Ascenção

sábado, 2 de maio de 2020

Eu, aos meus olhos, como professor, em poucas palavras.

Imagem do jornal «Público» de 08/02/2019.
 (página 7 da versão impressa) 
Ao fim de muitos anos a ensinar, se tentasse definir-me (a mim mesmo) como professor, diria que:

- Não sei tudo;
- Tenho muitas dúvidas, muitas vezes;
- Engano-me frequentemente, e erro;
- Tento aproveitar as oportunidades que se me oferecem para aprender;
- Agradeço a quem me ensina, seja quem for;
- Preparo e dou cada uma das minhas aulas com a cabeça e com o coração: mais com uma ou mais com o outro, conforme as situações;
- Fico feliz quando vejo e sinto que os meus alunos aprendem;
- Nunca me poupei a esforços para ajudar qualquer aluno;
- Digo e escrevo o que penso, frontalmente, a alunos, colegas, superiores e encarregados de educação;
- Sou incapaz de fazer de conta que não é nada comigo se, quem quer que seja, me chamar a atenção para alguma falha da minha responsabilidade.

Mas sei que ninguém é bom juiz em causa própria, e por isso, aceito a crítica, o retrato ou caricatura que outros me façam, em consciência e de boa-fé.

Como os meus alunos sabem.
Julgo eu.

José Batista d'Ascenção

Nota: A imagem acima provocou em mim tal impressão que nunca mais a esqueci. Guardei-a para a trazer a este espaço. Não esperei mais: fi-lo agora.