domingo, 20 de dezembro de 2020

Ensinamentos da pandemia no cumprimento dos horários escolares

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Década após década, algo que nunca me foi particularmente agradável era a estridência de uma campainha a chamar para o início de cada aula ou a anunciar o seu fim. No meu inconsciente, nunca venci a preocupação prévia com cada lição, a qual, felizmente, sempre se desvaneceu momentos depois de a começar. Somado a esse factor havia sempre o desconforto de um tilintar a fazer-me sentir um desamparado “cão de Pavlov”, eu que, regra geral, sofro de incapacidade de chegar atrasado, característica que pode não ser do agrado de muito boa gente.

A este respeito, o meu amigo Zé Precioso, no início da década de noventa do fim do milénio anterior, costumava dividir as pessoas em três categorias: os “hiperpontuais” (em que me situava a mim e ao nosso colega Luís Dourado, no curso que então frequentávamos), os “isopontuais” (como se definia a si próprio) e os “hipopontuais” (condição que aplicava a boa parte dos restantes colegas do mesmo curso).

Ora, por causa do conveniente desencontro das diferentes turmas no espaço escolar, optou-se na minha escola, e bem, por estipular criteriosamente os vários horários e calar a campainha, a fim de evitar a perturbação e a confusão que poderiam resultar da frequência dos toques.

Para alívio e surpresa da minha parte, desde logo me pareceu que, quer os professores, quer os alunos, quer os funcionários, cumpriam muito bem os respectivos horários sem necessidade da chocalheira habitual.

Foi um agradável ensinamento: os portugueses são muito capazes de respeitar os relógios. E eu, com a minha fraca audição, vi desaparecer um aspecto do meu trabalho que nunca me agradou. E que gostava que não fosse recuperado, quando as vacinas (já faltam poucos meses!) nos libertarem dos receios e dos constrangimentos actuais.

Até lá.

Por agora, e antes disso: Um Natal com saúde.

José Batista d’Ascenção

terça-feira, 8 de dezembro de 2020

O desalento de muitos professores

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A minha amiga de longa data, São B., é professora há tantos anos como eu e trabalha na capital do Baixo Alentejo. Este ano calharam-lhe alunos de três níveis, incluindo duas turmas do ensino básico. Como não desiste de ser rigorosa e se aplica com todas as suas forças, está pelos cabelos. A fazer sessenta anos, lutadora tenaz contra os azares da vida, incluindo um cancro muito agressivo, que venceu, vê com muita tristeza e desalento a deseducação e desinteresse das criancinhas, que não se comportam como crianças na sua “recusa de aprender” e fazem o possível para se tornarem insuportáveis, no que contam com a sua oposição firme e determinada, que ela não é mulher de morrer de medo, nem lá perto.

Na troca de «mails» que tivemos por estes dias deu-me nota da sua saturação. Não fosse a penalização da reforma antecipada ser tão grande, diz-me ela que já «mandava tudo às urtigas». Reconheci que os tempos são cada vez mais difíceis e adiantei que a formação pedagógica que proporcionaram aos professores não os preparou para, nem previu, minimamente, as dificuldades reais que encontraram. Contrapôs ela que «não fomos ensinados para lidar com tal gente e ainda bem que não fomos”, porque não crê que «fosse algo com que que devamos aprender a lidar». Sentindo a sua dor, optei por não a contrariar. Que adiantaria dizer-lhe que era ilusória a «ciência pedagógica» mais ou menos fundada em virtudes angelicais do género humano, aplicada a tenras crianças, que havia de traduzir-se em lamentável estímulo à sua deseducação, multiplicada e propagada contagiosamente de umas para outras, para mais numa sociedade (educativa) mutável, cuja evolução ninguém foi capaz de prever?

A sociedade abandonou os seus professores. As universidades que os diplomaram não têm orgulho nem confiança neles. O ministério da educação trata-os como incapazes. As direcções das escolas representam o ministério: veja-se que, em tempos relativamente recentes, quando muitos pais foram à escola bater em professores, que não podiam defender-se, a primeira coisa que acontecia a esses professores era instaurarem-lhes um processo; por outro lado, quantos dos agressores foram responder a tribunal?

Os professores estão envelhecidos, muitos deles doentes e sós. E têm consciência aguda desse facto.

Num quadro assim, quais poderiam ser as expectativas dos alunos em relação à escola e aos professores?

Por tais razões, «cansada, farta e frustrada», a minha amiga não tem «dúvidas de que estamos a reproduzir os desprovidos de neurónios» (…), pelo que «não prevê bom futuro para a espécie humana».

Referi o caso da minha amiga apenas como exemplo concreto. Suponho que poderia multiplicá-lo pela maioria do corpo docente. Desde os que tentam animar-se aos que mete(ra)m atestado médico “preventivo” e aos que vão para a escola tão acabrunhados que mal o confessam.

A realidade é a que é.

Porque não queremos vê-la?

José Batista d’Ascenção

sábado, 5 de dezembro de 2020

Alunos de muitas proveniências - como ensiná-los bem, a todos?

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Por múltiplas razões, a mobilidade dos cidadãos acentuou-se nas últimas duas-três décadas. Portugal, país de emigrantes, tornou-se, também ele, como a Europa, de que faz parte, destino de muitos estrangeiros, individualmente ou por junto, incluindo grupos familiares. Chega(ra)m dos países de leste, após a fragmentação da URSS, com o colapso do regime político daquela união e dos seus satélites, da China, de imensas regiões do norte de África, do Brasil e da Venezuela (neste caso trata-se de portugueses ali emigrados e/ou dos seus descendentes).

As crianças nascidas destes “viajantes” são em número significativo nas nossas escolas. Este contributo para a renovação da juventude portuguesa não pode deixar de influenciar positivamente (espera-se) o futuro de Portugal, face aos baixos valores da natalidade no país.

Sou dos que vêem com bons olhos este aporte populacional, que espero que se traduza em enriquecimento cultural e económico dos portugueses.

Por outro lado, penso que, se os meus netos, como outras criancinhas filhas de jovens portugueses emigrados por esse mundo fora (fugidos à pobreza do país) regressarem, maiores e melhores serão as perspectivas do tempo que há-de vir, neste cantinho, berço antigo e duradoiro do que fomos e seremos.

Para isso é preciso que a escola trabalhe melhor, o que está perfeitamente ao nosso alcance. Estas crianças e jovens que “vêm de longe” (mesmo se nascidas cá) parece-me terem uma atitude diferente e mais favorável relativamente ao cumprimento dos seus deveres do que aqueles que são ancestralmente portugueses, mais propensos à batota (que chega ao cúmulo de ser exigida como “direito”), à desculpa esfarrapada, à fraqueza da inveja, ao alijar de responsabilidades, etc. Claro que nem todos somos assim (nem os estrangeiros são melhores do que nós), mas estes traços caracterizam-nos, desde as primeiras gerações. E o resultado é o que somos e o que temos intramuros. Se vamos lá para fora, não nos aparam o jogo e, por isso, o desempenho melhora. Aquela ideia de que só fogem do país os mais capacitados – os melhores de nós – carece de demonstração.

No que me toca, sinto-me privilegiado por poder trabalhar com jovens de muitas proveniências. E acarinho-os e encorajo-os tanto quanto posso, porque acredito neles. De algum modo para compensar o falhanço de cidadania e desenvolvimento que atribuo à geração de que faço parte.

José Batista d’Ascenção

quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

Novas exigências do ensino, em mais um ano lectivo (já) bastante prejudicado

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Aproxima-se o fim do primeiro período, que teve início em meados de Outubro. O aumento do número de casos de «covid 19» fez com que alunos isolados ou grupos de alunos ou turmas inteiras ficassem em casa, em isolamento, vários dias, numas alturas uns, noutras alturas outros, e às vezes todos. As escolas não estavam (bem) equipadas (nem estão) para se fazer bom ensino à distância, o mesmo acontecendo na casa de muitos alunos, pelo que se foi fazendo o possível, entre sessões «on-line» e aulas presenciais ou usando câmaras nas salas de aula fazendo, ao mesmo tempo, ensino presencial e à distância (neste caso com sérias limitações quando, para além do projector, se tinha de fazer uso do quadro de escrever à mão).

Como o fim da pandemia não vai ser resolvido nos meses imediatos, e estas perturbações vão continuar (não obstante o treino forçado nas improvisações, que resolve algumas delas), já não há dúvidas (no meu espírito) de que este é mais um ano lectivo comprometido.

A estas dificuldades somam-se outras, algumas delas cada vez mais comuns no nosso país. Aquando do início das aulas, achei curiosa a variedade de nomes ou apelidos com que não estava familiarizado, de alunos inscritos nas minhas turmas, tais como: Yago, Kubijan, Nicholas, Maggio, Alejandro, Cuberos, Sadowski, Ioannis, Nikolaos, Kokkinovrachos, Monferrari, Kailany, Aiko, Horaguti, Utsunomya, Matheus, Alyssa, Tiffany, Porelli, Worsnup. E se alguns deles têm conhecimentos de base, capacidade e organização para fazerem um bom trabalho, outros, ainda que com vontade, estão em situação de inferioridade. Na realidade, há entre estes meninos quem nem sequer consiga ler minimamente bem.

Para além disto, surpreende-me a prática, que a lei permite, de os alunos da mesma escola pedirem com toda a facilidade para mudar de turma, a todo o momento. No fim de Novembro, dois meses e meio de aulas decorridos, recebi mais dois. Segundo alguém me disse não estariam satisfeitos com as classificações dos primeiros testes entretanto realizados nalgumas das disciplinas que frequentavam. E vá de trocar de turma, iniciando outras disciplinas a que não sabem se vão conseguir melhores resultados, tanto mais que já perderam cerca de um terço das aulas possíveis este ano. Não sei se isto corresponde a algum entendimento do que seja a flexibilidade curricular, mas não era mau que os alertassem para os efeitos indesejáveis que possa haver, até nas boas classificações que muitos alunos perseguem, com toda a legitimidade, aliás, desde que de modo sério e responsável.

Problema maior ainda é o que se está a passar com o ensino dos meninos do ensino básico, particularmente aqueles que têm menor rendimento escolar (a maior parte deles provenientes de famílias pobres). Creio que por causa das estatísticas “positivas” que é preciso fornecer à OCDE, há uma enorme pressão sobre os professores, no sentido de que todos os alunos devem passar, o que em si não é mau, mas que leva a que os docentes atribuam generalizadamente “níveis positivos” (e tendencialmente altos), como se o rendimento fosse efectivo. O problema é que não é, e todos sabemos disso. Creio igualmente que esta situação se relaciona com uma forte oposição à realização de exames, porquanto todos sabem também que aqueles meninos estão (frequentemente) muito (senão completamente) impreparados. Ora, não temos o direito de nos iludirmos nem de enganar os alunos. Devia afirmá-lo o governo, os professores deviam exigi-lo como princípio e os institutos pedagógicos e os que têm o título de especialistas de educação não deviam olhar para o lado nesta matéria.

Já os encarregados de educação, esses talvez continuem a não exigir nada, porque, mais focados nas classificações dos seus educandos, parecem alheios à gravidade do problema.

Em consequência, perde o país e perdemos todos.


José Batista d’Ascenção