quarta-feira, 27 de março de 2024

Indicador(es) do estado da escola

(excerto de uma declaração para as actas do final do 2º período do ano lectivo 2023/24)

«A propósito de comportamento, o professor de […], declarou […] que se vem agravando e generalizando, nos anos recentes, a atitude de os alunos copiarem aquando da realização de elementos escritos de avaliação, como se tal procedimento configurasse um direito ao invés de constituir uma fraude. O problema vem do ensino básico e parece ter-se tornado um comportamento “natural”. Face a tão chocante anomalia, o docente dirige um apelo a todos os professores, aos órgãos da escola, aos serviços de inspeção, às instâncias hierárquicas do Ministério da Educação e, também, aos senhores encarregados de educação, com vista à conjugação de esforços na defesa de princípios e à aplicação firme de medidas que honrem o que deve ser o papel da Escola, promovendo valores de honestidade e de dignidade imprescindíveis à boa formação de crianças e jovens.

Por outro lado, tendo em conta o que se chama “clima de escola ou ambiente escolar”, o mesmo docente, dirige novo apelo às mesmas instâncias, e muito particularmente, aos senhores encarregados de educação para que ajudem os professores e os funcionários a conter comportamentos de incivilidade e agressividade que se têm verificado nos espaços escolares e que, já este ano, vitimaram professores. Em seu entender, para além de situações inaceitáveis em si, como os docentes estão (cada vez mais) envelhecidos e fragilizados, em resistência e saúde, se adoecerem têm que parar e os alunos perdem aulas. Entendendo-o como pertinente e conveniente, o professor abordou o problema neste conselho, em linguagem simples, clara e frontal, a fim de que se possa atalhar das formas mais expeditas e alargadas. Mais disse que o fez por imperativo de consciência e desejo de contribuir para manter e elevar o bom nome e prestígio da instituição escolar...»

José Batista d’Ascenção

sábado, 23 de março de 2024

Os professores vão (des)andando, e gemendo e chorando (baixinho)

A escola não está a preparar (minimamente) bem a maioria das crianças e jovens. A suposta eficácia do “sistema” é um logro. E a ideia da “geração mais bem preparada de sempre” é uma falácia triste. Os meninos do ensino básico chegam ao secundário sem a preparação mínima necessária. E os meninos/jovens que terminam o ensino secundário, muitos deles, saem sem os conhecimentos básicos desejáveis, nem, sequer, com a noção de que é preciso trabalhar para o conseguir. É a realidade, não vale a pena tapar o sol com a peneira.

O último ministro da pasta não deixa saudades, mas convém reconhecer que o mal não começou com ele, nem se extingue só porque ele e a sua equipa estão prestes a sair.

A escola pública afunda-se não por acaso. Muitos trabalharam para isso, consciente e inconscientemente, com eficácia inaudita.

Ou os pais educam e acompanham os seus filhos e a escola ensina e forma ou nada feito. Se não exigirmos isto de nós mesmos (pais, professores, políticos, sociedade… que os teóricos, esses - muitos deles - andam entretidos: frequentam congressos e batem palmas uns aos outros) vamos continuar a resvalar no plano inclinado, com fraco destino.

O “clima da escola” está como a violência doméstica: ou a escondemos ou a enfrentamos. Muitos professores reagem como aquelas vítimas de agressão em casa que, quando se tenta abordá-las, rejeitam que se “metam na sua vida”…

Obedientes, submissos e envergonhados, os professores (des)culpam-se com mil subterfúgios e, tantos deles, encharcam-se em antidepressivos (esta realidade é facilmente verificável).  Embora fragilizados pelo envelhecimento e, não raro, por diversos problemas de saúde, cabe-lhes a responsabilidade por não assumirem o que se passa.

Este (pequenino) texto só na aparência é genérico e vago. Concretizar, nomeando, era facílimo, e exemplificar dava listas intermináveis. Mas pouco adiantaria, ante a complacência das vítimas.

Por onde e até onde vamos não é de bom augúrio.

José Batista d’Ascenção

sábado, 17 de fevereiro de 2024

«A São»

Por Pacheco Pereira (excertos do seu artigo de hoje no jornal «Público»)

«Experimentem dizer alto “Ação”. Os mais velhos, que têm a memória de como se diz “Acção”, dirão direito, os mais novos educados já na novilíngua, e os mais velhos modernaços e oficialmente muito obedientes, dirão “A São”. Entrou, pois, a São na campanha eleitoral [...] uma das palavras que ficaram mais estragadas com o novo acordo ortográfico [...]. 

O Acordo Ortográfico de 1990, pomposamente assinado pela maioria dos países de língua portuguesa, foi um dos maiores desastres diplomáticos dos últimos anos, com países como Angola e Moçambique a continuarem na mesma e todos os outros com diferentes graus de implementação. E, mesmo no Brasil, cada um escreve como quer, o que é aliás um dos factores do dinamismo do português do Brasil, fruto da pujança da sociedade brasileira, para o bem e para o mal.

Os resultados do Acordo foram separar ainda mais, uns dos outros, os países cuja língua oficial é o português e, dentro de cada um, haver na prática duas ortografias, como se vê neste jornal. Mesmo quando todos os passos legais para a sua implementação foram dados, quem escreve português bem, recusa o Acordo. E mais: considera uma questão de princípio escrever com a ortografia antiga, o que torna muito mais radical a divisão. Basta comparar os jornais dos vários países da CPLP para perceber isso, já para não falar de Portugal. Só que em Portugal deu-se um passo, cuja legalidade é contestada, de obrigar instituições, escolas e outras dependências do Estado a usar esse abastardamento da língua portuguesa que é o Acordo de 1990. E isso trouxe, como aliás a decisão de fazer o Acordo, muitos interesses económicos em jogo, que só se têm reforçado e hoje são um lóbi poderoso. [...]

A memória de uma língua, que muitas vezes se traduz na ortografa — e não me venham com o “pharmacia”, que é outra coisa —, faz parte da sua riqueza, [e] nunca impediu ninguém que fale português no Brasil, em Angola, em Moçambique, em Cabo Verde ou na Guiné, de ler Camões, Vieira, Camilo, Eça de Queirós ou Pessoa. Aliás, são mais lidos no Brasil do que cá. O que atenta contra essa capacidade de ler é outra coisa, é o ataque à leitura em papel, é a progressiva desaparição dos livros nas escolas, como se os ecrãs os substituíssem [...]

A diferença entre a São e a Acção tem que ver connosco, com a nossa identidade, com a nossa língua, com a nossa cultura, com a nossa capacidade de falar bem, logo, de pensar bem, logo, de sermos mais fortes. E vamos muito precisar de ser mais fortes nos tempos que aí vêm.»

José Batista d'Ascenção

segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

O que pode o empenhamento

Comemora-se hoje o dia do agrupamento de escolas Carlos Amarante, de Braga.

As escolas abrem-se à comunidade e são os seus alunos mais avançados, sob supervisão dos professores, que mostram o que se faz no dia-a-dia escolar e o que (eles) sabem.

É bonito vê-los muito disponíveis para receberem os visitantes, alunos mais pequeninos de outras escolas, e para lhes explicarem o que se propõe e/ou expõe em cada espaço, no âmbito das diferentes disciplinas.

Uma pirralha “perdeu-se” nas atividades do laboratório de biologia, desgarrando-se do grupo-turma em que veio integrada. Tendo-se apercebido, nada a perturbou. O que queria era espreitar em lupas e microscópios, ver os corações e os pulmões em dissecação e mais uns quantos pormenores. Alguém se disponibilizou a levá-la até ao seu grupo, que já se deslocara para a entrada, a fim de apanhar o autocarro de regresso. Mas ela não mostrou qualquer pressa, como quem dissesse: o autocarro que espere ou que se vá, que eu sinto-me muito bem. Dali a pouco, um outro menino era puxado pela sua professora, porque não dava sinais de querer prosseguir a visita pelas outras salas.

É um gosto.

A reflexão amarga é: porque é que se vai anulando a curiosidade e o gosto dos mais pequenos, à medida que crescem, até à mais triste indiferença pelo papel fundamental que devia ser o da escola? E a pergunta, arrepiante, é: o funcionamento da escola contribui para isso? A resposta, terrível, fica sob a forma de reticências… E sobram outras perguntas. Muitas perguntas.

Mas não para agora. Porque hoje, agora, quero apenas saborear.

Obrigado, muito obrigado, a todos os alunos que hoje fizeram diferente, melhor e mais bonito. 

José Batista d’Ascenção

quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

Sobre a educação, a encerrar 1º período lectivo, por Santana Castilho

É de ontem (no jornal Público), mas eu não sabia resumir melhor:

[…] «Se olharmos para a evolução dos resultados do PISA até 2015, vemos Portugal sempre a crescer. Faz pois todo o sentido analisar o que nos aconteceu a partir desse ano para que se tivesse invertido tão drasticamente esse ciclo positivo. Nesse ano, João Costa assumiu funções de secretário de Estado e os resultados não mais pararam de descer, como consequência das suas políticas bizantinas de destruição da escola pública: esvaziamento curricular, com programas revogados e substituídos por indigentes aprendizagens essenciais; nefastas políticas de flexibilidade curricular e pseudo-inclusão; abolição de avaliações rigorosas, internas e externas, e sucesso imposto, com passagens de ano praticamente obrigatórias; numa palavra, toda uma ideologia de cordel, de que os delírios Ubuntu, MAIA e quejandos são exemplos caricatos.

[…] Os oito anos do ministério de João Costa foram […] oito anos a promover devaneios, indecifráveis pelo senso comum, de mirabolantes inovações educacionais.

Seria importante que na campanha política para a eleição de 10 de Março todos os partidos dissessem que valores estão preparados para defender, antes de a escola pública perder definitivamente o seu ancestral significado.»

Boas Festas.

José Batista d’Ascenção

quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

A esquizofrenia abúlica das escolas, a impotência dos professores e o (des)equilíbrio dos alunos

No início da semana, a meio de uma aula prática caiu-me o queixo. A dada altura, uma aluna que elogiara pela colaboração prestada, trazendo musgos para estudo do respectivo ciclo de vida, fez questão de referir, em voz alta, que ela, como outros alunos, só consegue aguentar-se à custa de medicação.

- Como? - perguntei - Toma calmantes!?

- Calmantes e antidepressivos. - Respondeu ela.

- E há mais alunos nessas condições? - Insisti.

- Eu conheço vários. - Foi a resposta.

Ainda quis explicar que isso não pode acontecer, que as escolas, realmente, não são exemplarmente reconfortantes, mas o discurso saiu-me frouxo e entaramelado, pela surpresa e pela despreparação. Mas ainda acrescentei: - que os professores, pelo menos os da minha idade, recorram enormemente à ajuda de psiquiatras, eu percebo bem; que os pais dos alunos, em média mais novos, sofram do mesmo mal, também entendo; e que os próprios psiquiatras, em certos casos, precisem da terapia de colegas, também é facto conhecido que eu aceito; mas que alunos tão jovens, e entre esses os que estudam muito e - talvez pelo que subjaz à condição - sofram de depressão quimicamente medicada, posso entender, mas não aceito.

Ah, teorias! Teorias! O que estamos nós a fazer?

Que pedagogia e cidadania são as nossas?

Aos meus e a todos os alunos empenhados desejo, sobretudo, ânimo e forças para atirarem quantas pedradas puderam ao charco em que estamos atolados. Neles deposito esperança.

Bom descanso.

Natal Feliz.

José Batista d’Ascenção

sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

Em educação o mal é que todos sabem(os) pouco

Não me refiro aos conteúdos a leccionar. Quase quarenta anos de profissão - a mais bela das profissões - e não encontrei a chave para ensinar bem todos os que foram ou são meus alunos. Ou para fazer com que todos conseguissem aprender. Julgo que fui e sou bom professor com os bons alunos (o que não é difícil), mas nunca consegui nem consigo ser bom com os alunos com muitas dificuldades. Assumo-o humildemente.

A formação pedagógica que recebi, toda ela, a formalmente obrigatória e aquela que interessadamente procurei (e paguei, nalguns casos) foi como que «ao lado». Na sua maior parte não (me) ajudou nada. Por isso, nesta matéria, estou hoje como quando (me) iniciei na profissão.

A escola actual falha: não ensinamos bem as crianças (ou não conseguimos que aprendam o desejável, o que dá no mesmo) e, nessa medida, não as educamos convenientemente.

Não aceito as desculpas que se focam no aproveitamento dos bons alunos, que os há, mas em número bastante minoritário, nem, muito menos, me conformo com a empáfia que exalta a «geração mais bem preparada de sempre». Preparada para quê?

A dura realidade é que não fazemos ideia dos mecanismos neurofisiológicos subjacentes à (auto)aprendizagem. Vamos tacteando. Convinha que assumíssemos isto, com clareza.

Não há especialistas em educação - como podia, se é matéria tão vasta e intrincada? Não obstante, em todos os tempos existiram e existem excelentes pedagogos (as duas categorias não se confundem, mesmo em teoria). É este o meu entendimento.

Os bons pedagogos, habitualmente, percebem a enormidade da tarefa e reconhecem as insuficiências no seu desempenho. Por isso, dificilmente podem julgar-se sem «mácula».

Seja como for, o caminho obriga-nos a «caminhá-lo». Resta que, no meio das dificuldades, há também motivos belos e compensadores.

Se não fora isso…

 José Batista d’Ascenção