terça-feira, 28 de abril de 2020

Os sacrossantos exames do IAVE e a retoma das aulas presenciais no ensino secundário

Fonte da imagem: aqui.
Saturados das limitações do ensino à distância, não serão poucos os professores com vontade de regressar às aulas presenciais com os seus alunos. Apesar das limitações de saúde e da não pouca idade, sou dos que se incluem nesse número. Apresentar-me-ei logo que possa. Há, porém, necessidade de estudar as condições imprescindíveis, que devem ser cumpridas com rigor e competência, e, antes disso, averiguar se… é desejável e…se é possível.
O que me custa, à partida, é a urgência de retomar as aulas porque há exames. Ora, eu defendo, desde sempre, a existência de exames nacionais. Mas gostava que as provas de exame fossem um estímulo ao prazer de ensinar e um factor de motivação, mais do que de angústia e de medo, para os alunos aprenderem. Que a função e o gosto de ensinar visam sobretudo que os alunos aprendam, o que é diferente de treiná-los intensivamente para fazerem um exame.
Serve(-me) o intróito para reafirmar que as provas nacionais que têm sido feitas desde 2006, na disciplina de biologia e geologia, sofrem de várias falhas:
- em termos de conteúdo científico, estão longe da perfeição;
[em certos casos, martelam-se exercícios com recurso a investigações pouco relevantes, na intenção de forçar respostas que não passam de "entorses" ao entendimento, a meu ver. Ou cometem-se erros nunca admitidos, mesmo que denunciados, caso da pergunta 2 do grupo III, do exame da 1ª fase de 2010, em que se confunde taxa de desintegração de um isótopo radioactivo (que é variável, diminuindo ao longo do tempo) com o conceito de "semi-vida" (que é constante), exigindo-se que os alunos escolham a opção que considera a taxa constante – este erro também é cometido na linguagem de alguns autores, mas é inadmissível em exames, penalizando os alunos com conhecimentos sólidos]
- são tecnicamente discutíveis;
[por exemplo nas desconformidades frequentes entre as recomendações dos programas e das aprendizagens essenciais com o exigido nas perguntas e respectivos critérios de classificação, o que devia merecer análise rigorosa e pedido de responsabildiades]
- são pedagogicamente limitadas.
[por exemplo, as perguntas de escolha múltipla ou a elaboração de sequências, dependentes de pormenores de formulação ou manhosamente arquitectadas, não são, provavelmente, o modo mais adequado de testar o saber de todos os alunos]
Em consequência, os exames de biologia e geologia que têm sido feitos não são os melhores instrumentos de medida do (pouco ou muito) que os alunos sabem, não são uma boa ferramenta pedagógica de «feedback» para os professores nem constituem, infelizmente, um factor estimulante da aprendizagem. São um obstáculo penoso a ultrapassar, para o que se recorre a qualquer artificialismo permitido.
As aulas devem recomeçar logo que possível. Mas porquê só para as disciplinas com exames nacionais? A resposta, como todos sabem, está nas condições de acesso ao ensino superior.
E na artificialidade da importância que se atribui a este ”regime” de exames do IAVE.
Por mim, não havia necessidade.

José Batista da Ascenção

segunda-feira, 20 de abril de 2020

Aulas à distância no ensino secundário – um remedeio improvisado

Fonte da imagem: aqui.
Passadas semanas e dias já podemos pronunciar-nos com algum conhecimento de causa sobre o «ensino à distância» que vamos praticando (ou tentando praticar). Não está a ser fácil para alunos, para professores e para as famílias dos estudantes. A situação, de todo inesperada, obrigou a este recurso, em exclusivo, e ninguém estava preparado.
Os factores limitativos são vários, e entre eles:
- impreparação «digital» de um grande número de professores;
- limitação de recursos das famílias: falta de computadores portáteis, por exemplo nos casos de pais com vários filhos em idade escolar; mas também em casas em que o acesso à rede é feito sobretudo por telemóveis e menos por computador; para além de situações de carência que não permitem ter computador nem acesso à rede e, eventualmente…, nem casa;
- acesso à rede comprometido ou com falhas, por dificuldades económicas que não permitem melhores contratos com as operadoras (com mais velocidade e mais tráfego) ou limitação dos dispositivos mais antigos ou de mais baixa gama;
- a pressa (talvez excessiva) com que pretendemos a todo o tempo leccionar todos os conteúdos, «despejando» material (apresentações, fichas, trabalhos…) sobre os alunos;
- a possível tendência para, com tempos curtos e em número diminuído, relativamente às aulas presenciais, de «actividades síncronas» (tempos que não podiam ser muitos nem muito longos, claro), confundir ensino à distância com a auto-aprendizagem dos alunos, baseada em dicas e sugestões remotas;
- e alguma falta de segurança (e de conhecimento de como se consegue), o que deu azo a acções de pirataria informática (que deviam ter sido previstas e… acauteladas).
Hoje, à tarde, dediquei-me a ver uma «tele-aula» de História para meninos de sétimo e oitavo anos, em que, em 30 minutos, se pretendia explicar a evolução dos sistemas políticos, das ideias e das fronteiras na Europa entre os séculos V e XVIII. A mestra bem se esforçou, como eu me esforcei de manhã, em função idêntica. Duvido que tenha tido grande eficácia. Ela como eu. Gostaria de estar enganado.
É certo que vamos colher ensinamentos da situação pedagógica que estamos a viver. E aprender é positivo.
Creio, porém, que a melhor lição a tirar será talvez a de que é preciso sempre um professor perto de quem aprende.
Não sendo assim, não há professor.

José Batista da Ascenção

terça-feira, 14 de abril de 2020

A boa pedagogia não tem data (II)

[Continuação]

Prof. Emile Planchard. Foto de 1979,
obtida a partir daqui.
Naturalmente, também as palavras do próprio autor, Emile Planchard (1905-1990), professor da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, chamam recorrentemente a atenção para os ensinamentos do passado, em muitas das páginas deste seu livro. «Desde os tempos mais remotos, houve «inovadores» e «tradicionalistas», uns e outros tendo muitas vezes tendência para desprezar o que havia de aceitável e até de defensável nos seus adversários»… (pg 123). «Há, na base da pedagogia tradicional verdades incontestáveis, tão incontestáveis como aquelas que os modernos defendem» (pg 130). O «teaching» e o «learning» não são termos antagónicos, «como poderia o aluno descobrir tudo por si mesmo? O professor é obrigado, relativamente a grande quantidade de noções a transmitir-lhas verbalmente, uma vez que a linguagem oral é um meio de comunicação próprio do homem e o mais natural» (pg 131). Quanto à ideia de suprimir toda a distância entre professores e alunos «é seguir um caminho perigoso: a familiaridade e a simplicidade podem muito bem acomodar-se com a autoridade» (pg 134). «Infelizmente, grande número de investigadores [em pedagogia]] tinham mais boa vontade e entusiasmo do que verdadeira competência» (pg 179). Citando A. Binet, pedagogo e psicólogo francês (1857-1911): «a cada passo, aparece um professor que inventa um método […]. …tendo apoio, sobretudo político, consegue fazer adoptar publicamente o seu método. […]. Se chega a entrar em moda, esta, tal como uma vaga, ergue, eleva até às nuvens o novo processo, mas, pouco depois, a onda retira-se e o que antes parecia maravilhoso, vai caindo em profundo esquecimento…» (pg 421).
Etc.
É um facto que, em pedagogia, como em qualquer área, o gosto profissional é uma peça-chave e o exercício da humildade nunca fez mal a ninguém. E, se a realidade devidamente analisada é a melhor mestra, talvez possamos afirmar que não há métodos maus com professores bons nem métodos bons com professores medíocres. Sem esquecer que o pedagogo deve ser uma pessoa do seu tempo. Também lhe é permitido estar à frente dele, se a eficácia e o apreço dos alunos o proteger do risco.
Em qualquer caso, a profissão docente exige rigor na preparação científica, selecção criteriosa, avaliação justa e formação permanente de todos os professores. 

José Batista d’Ascenção

segunda-feira, 13 de abril de 2020

A boa pedagogia não tem data (I)

Imgem obtida através da «google»
As últimas semanas, que vivemos com apreensão, vão trazer-nos algumas lições que seria bom que perdurassem. Uma delas pode muito bem ser a da importância dos professores, que não é propriamente a de “tomar conta” de crianças e jovens durante longas horas nos dias «úteis».
Alunos e professores depara(ra)m-se com uma situação inesperada. E aos que pensavam que os meios tecnológicos digitais possibilitam facilmente todo o tipo de aprendizagens, fica um conjunto enorme de dados reais para reflexão. Muito acima disso, há os que gostam de ir à escola aprender e os que gostam de lá ir para ensinar. Uns e os outros aguardam, com alguma ansiedade, o regresso às aulas «normais», com todas as suas (não irresolúveis) deficiências e falhas.
Pessoalmente, neste entretempo, deu-me para «voltar» aos meus tempos de estudante (em Coimbra), quando me preparava para vir a ser professor e recebia lições de pedagogia, por bons mestres, diga-se. Foi isso na primeira metade da década de oitenta, do século passado.
Peguei num dos livros de que então me servi, e que nunca mais revisitara: «A Pedagogia Contemporânea», de Emile Planchard, na sua «8ª edição actualizada», e fui lendo, lendo, e reparando nos sublinhados ao longo das suas muitas páginas (700, no total, 80 de bibliogafia!). Foi outro modo de confrontar a realidade que vivi nas escolas por onde passei como docente, ao longo de trinta e seis anos, até à actualidade, com as predições das teorias de quando me formei. E (re)concluo: nas intenções e objectivos, sim, há conformidade; na adequação e eficácia das metodologias propostas, não. Mais: se muitas das matérias daquele livro impressionam pelo esforço em busca dos procedimentos certos e pela seriedade das pesquisas referidas, várias outras que nele constam causam sorrisos de benevolência, se quisermos ser… benevolentes.
Algo, porém, se me revelou agora mais nitidamente do que então: foram as constantes chamadas de atenção para a análise do bom que sempre se fez em pedagogia, desde a antiguidade, apelando à moderação da “fúria inovadora” dos que supõem que é preciso tudo por em causa, a cada passo, no ensino. Actualmente, essa ideia tem uma máxima que consiste, mais ou menos, em afirmar que não se pode ensinar no século XXI como se ensinava no século XIX. Como se a realidade material, tecnológica e (psico)sociológica dos dias de hoje o permitisse.
Pois nesse livro, de 1982, muito se diz a propósito. Seguem-se algumas referências ao pensamento ou à acção de vultos do passado. «O método da redescoberta não é mais, afinal, que uma forma moderna da maiêutica de Sócrates» [469 a.C.-399 a. C.], (pg. 517). «A utilização do jogo para fins pedagógicos não é nova. Já se encontra a ideia em Platão [428/427 a. C.- 348/347 a.C.]  e noutros pedagogos da antiguidade» (pg. 512), sendo que «o jogo é apenas um meio (e um meio limitado, apesar de tudo)…» (pg. 513). A propósito da criança como «principal agente da sua formação», dizia S. Tomás de Aquino [1225-1274]: «ensinar é fazer brotar noutrem a ciência, ajudando-o a servir-se da sua razão natural» (pg. 499). «O conhecimento individual dos alunos foi muitas vezes recomendado, especialmente por Luís Vives [1493-1540], desde o século XVI» (pg 537). No século XVII, Coménio [1592-1670], notável pedagogo da Morávia, que Michelet [filósofo e historiador francês do século XIX], classificava como «o primeiro evangelista da pedagogia moderna» (pg. 536) já havia aplicado a ideia dos «vocábulos básicos» de uma língua «na realização da sua famosa Janua Lingurarum Reserata» (pg. 210). Em 1922, Gandhi (1869-1948) influenciou a definição de um perfil do aluno, mediante «um projecto de programa para as escolas rurais da Índia (…) em que se indicam os conhecimentos e as capacidades que devem possuir os alunos que acabam a escola primária» (pg 579). Em 1965, um anos antes da sua morte, o pedagogo anarquista francês Celestine Freinet (1896-1966) afirmava que …«há tendência para fazer da actividade o credo da nova educação e crê-se que a criança só é feliz e se realiza plenamente quando se agita, quando mexe manualmente. Há nesta concepção acanhada um grave perigo: dar prioridade, em educação, à actividade física»… (pg 509).

(Continua)

José Batista d’Ascenção

sábado, 11 de abril de 2020

Recomendações da Comissão Nacional de Protecção de Dados sobre tecnologias de suporte ao ensino à distância

[Excerto de documento consultado aqui.]

[...]
«As plataformas escolhidas devem ter finalidades bem definidas e compatíveis com o ensino à distância; 
As plataformas a utilizar deverão recolher e tratar os dados estritamente necessários para as finalidades especificadas (princípio da minimização dos dados; 
A adoção de cada plataforma de suporte ao ensino à distância deve ser precedida de uma avaliação de impacto na proteção de dados, de forma a identificar corretamente os riscos para a privacidade e permitir que sejam adotadas medidas mitigadoras desses riscos. A avaliação pode ser feita pelas entidades que disponibilizam e gerem as plataformas, uma vez que, neste contexto do ensino à distância, a generalidade dos responsáveis pelos tratamentos (e.g., estabelecimento de ensino) não dispõe de recursos técnicos para o efeito. Sublinha-se que as evoluções tecnológicas e sociais podem representar novos riscos e devem ser tidas em conta durante o tratamento de dados, podendo exigir avaliações de impacto subsequentes;
● As plataformas devem definir de forma clara os papéis e responsabilidades dos vários intervenientes no tratamento de dados pessoais, em especial a distribuição de funções e responsabilidades entre quem fornece e gere a plataforma e quem decide sobre a sua utilização;
As plataformas escolhidas devem estar desenvolvidas de forma que os princípios de privacidade desde a conceção sejam aplicados, pelo que as configurações de privacidade devem estar predefinidas e a sua desativação ser da iniciativa do utilizador; 
Os professores devem ser devidamente informados relativamente à utilização das plataformas. Em particular, devem conseguir identificar as corretas configurações para garantir que não decorrem riscos para a privacidade dos utilizadores, com especial enfoque nos alunos; 
Os estabelecimentos de ensino devem procurar sensibilizar a comunidade escolar (incluindo, pais dos alunos quando sejam crianças) para um conjunto de boas práticas e precauções a seguir na utilização destas tecnologias; 
Deve estar predefinida a informação que é conservada (que, em princípio, corresponderá à que é mantida no ensino presencial); do mesmo modo, devem ser prefixados os prazos da sua conservação; 
Os fornecedores das plataformas de suporte ao ensino à distância devem cumprir a obrigação de comunicação aos estabelecimentos de ensino das violações de dados pessoais que ocorram; 
Sempre que possível, deve optar-se por tecnologias que impliquem a menor exposição possível do titular e do seu ambiente familiar (e.g., fóruns de discussão por oposição a videoconferência); 
Os estabelecimentos de ensino devem avaliar se dispõem de meios técnicos para implementar as plataformas de ensino à distância, para evitar optarem por tecnologias que sobrecarreguem os seus sistemas tecnológicos, tornando-os, por isso, inseguros; 
A utilização de quaisquer algoritmos de análise de desempenho (learning analytics) deve sempre ser criteriosa e feita de forma justa e transparente para com os titulares e apenas se estiver preenchida alguma das condições de licitude desse tratamento. Importa aqui reforçar que nenhum estabelecimento de ensino pode impor a utilização desta específica tecnologia de inteligência artificial aos seus alunos, dependendo essa utilização de uma vontade informada, livre, específica e explícita do aluno ou, quando menor, de quem o representa. Deve ser dada clara informação aos titulares acerca do funcionamento dos algoritmos de análise, nomeadamente quando estiverem em causa decisões automatizadas. E deve ser sempre garantido o direito do titular dos dados de obter intervenção humana nesse processo. 

Recomenda-se, assim, que o Ministério da Educação, os diretores dos agrupamentos escolares e os diretores dos demais estabelecimentos de ensino, nos seus diferentes níveis, recorram a plataformas adequadas para garantir que os sistemas usados no ensino à distância não apresentam riscos para a privacidade para os alunos e professores. 
Recomenda-se, ainda, que toda a comunidade escolar siga as boas-práticas respeitantes à proteção de dados, designadamente abstendo-se de tratar dados pessoais que não sejam essenciais para a finalidade pedagógica e adotando comportamentos responsáveis quando disponham de acesso a dados pessoais de alunos, professores e outros titulares dos dados que possam incidentalmente ser visados por elas.

Lisboa, 8 de abril de 2020»

Afixado por José Batista d'Ascenção

quinta-feira, 9 de abril de 2020

Exames do ensino secundário e acesso ao ensino superior, que medidas?

Imagem obtida aqui.
Filinto Lima, presidente da «Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas», um órgão corporativo de directores escolares, com voz assídua na comunicação social, vem hoje chamar a atenção, no jornal «Público» (pg. 5), para as condições de acesso ao ensino superior com que os alunos do final do ensino secundário se confrontam no nosso país, em especial nos tempos actuais.
Fá-lo em tom de exaltação da «Pátria educativa», referindo que «as instituições do ensino superior apropriam-se dos resultados do ensino secundário sem qualquer envolvimento ou contributo no processo, numa atitude censurável, mais ainda no momento atual, em que estamos a lutar pela Pátria», terminando a recomendar que se aproveite «a oportunidade de ouro para o debate e a revisão do modelo de acesso ao ensino superior, fortalecendo, amplamente, esta Educação valente e imortal!»
A mim, que dou aulas ininterruptamente há muitos anos, e que sou de opinião que a nossa «educação» falha clamorosamente a preparar uma larga fatia dos alunos, com incidência particularmente injusta nos que são mais pobres, estes arroubos patrióticos, face à realidade com que lido, parecem-me de todo despropositados. Os portugueses precisam de muito melhor.
Mas a passividade das instituições do ensino superior, descarregando nos professores do ensino secundário o trabalho e a responsabilidade pelo ingresso naquele nível de ensino, não se compreende. Com os meios tecnológicos de que dispõem, não lhes era difícil, e talvez fosse prático, seleccionarem os seus alunos. Até como estímulo para um maior empenhamento na preparação dos alunos candidatos, de que, não raro, há queixas, e com razão.
Relativamente ao que é mais imediato, aguardam-se as decisões do governo...

José Batista d’Ascenção