segunda-feira, 13 de abril de 2020

A boa pedagogia não tem data (I)

Imgem obtida através da «google»
As últimas semanas, que vivemos com apreensão, vão trazer-nos algumas lições que seria bom que perdurassem. Uma delas pode muito bem ser a da importância dos professores, que não é propriamente a de “tomar conta” de crianças e jovens durante longas horas nos dias «úteis».
Alunos e professores depara(ra)m-se com uma situação inesperada. E aos que pensavam que os meios tecnológicos digitais possibilitam facilmente todo o tipo de aprendizagens, fica um conjunto enorme de dados reais para reflexão. Muito acima disso, há os que gostam de ir à escola aprender e os que gostam de lá ir para ensinar. Uns e os outros aguardam, com alguma ansiedade, o regresso às aulas «normais», com todas as suas (não irresolúveis) deficiências e falhas.
Pessoalmente, neste entretempo, deu-me para «voltar» aos meus tempos de estudante (em Coimbra), quando me preparava para vir a ser professor e recebia lições de pedagogia, por bons mestres, diga-se. Foi isso na primeira metade da década de oitenta, do século passado.
Peguei num dos livros de que então me servi, e que nunca mais revisitara: «A Pedagogia Contemporânea», de Emile Planchard, na sua «8ª edição actualizada», e fui lendo, lendo, e reparando nos sublinhados ao longo das suas muitas páginas (700, no total, 80 de bibliogafia!). Foi outro modo de confrontar a realidade que vivi nas escolas por onde passei como docente, ao longo de trinta e seis anos, até à actualidade, com as predições das teorias de quando me formei. E (re)concluo: nas intenções e objectivos, sim, há conformidade; na adequação e eficácia das metodologias propostas, não. Mais: se muitas das matérias daquele livro impressionam pelo esforço em busca dos procedimentos certos e pela seriedade das pesquisas referidas, várias outras que nele constam causam sorrisos de benevolência, se quisermos ser… benevolentes.
Algo, porém, se me revelou agora mais nitidamente do que então: foram as constantes chamadas de atenção para a análise do bom que sempre se fez em pedagogia, desde a antiguidade, apelando à moderação da “fúria inovadora” dos que supõem que é preciso tudo por em causa, a cada passo, no ensino. Actualmente, essa ideia tem uma máxima que consiste, mais ou menos, em afirmar que não se pode ensinar no século XXI como se ensinava no século XIX. Como se a realidade material, tecnológica e (psico)sociológica dos dias de hoje o permitisse.
Pois nesse livro, de 1982, muito se diz a propósito. Seguem-se algumas referências ao pensamento ou à acção de vultos do passado. «O método da redescoberta não é mais, afinal, que uma forma moderna da maiêutica de Sócrates» [469 a.C.-399 a. C.], (pg. 517). «A utilização do jogo para fins pedagógicos não é nova. Já se encontra a ideia em Platão [428/427 a. C.- 348/347 a.C.]  e noutros pedagogos da antiguidade» (pg. 512), sendo que «o jogo é apenas um meio (e um meio limitado, apesar de tudo)…» (pg. 513). A propósito da criança como «principal agente da sua formação», dizia S. Tomás de Aquino [1225-1274]: «ensinar é fazer brotar noutrem a ciência, ajudando-o a servir-se da sua razão natural» (pg. 499). «O conhecimento individual dos alunos foi muitas vezes recomendado, especialmente por Luís Vives [1493-1540], desde o século XVI» (pg 537). No século XVII, Coménio [1592-1670], notável pedagogo da Morávia, que Michelet [filósofo e historiador francês do século XIX], classificava como «o primeiro evangelista da pedagogia moderna» (pg. 536) já havia aplicado a ideia dos «vocábulos básicos» de uma língua «na realização da sua famosa Janua Lingurarum Reserata» (pg. 210). Em 1922, Gandhi (1869-1948) influenciou a definição de um perfil do aluno, mediante «um projecto de programa para as escolas rurais da Índia (…) em que se indicam os conhecimentos e as capacidades que devem possuir os alunos que acabam a escola primária» (pg 579). Em 1965, um anos antes da sua morte, o pedagogo anarquista francês Celestine Freinet (1896-1966) afirmava que …«há tendência para fazer da actividade o credo da nova educação e crê-se que a criança só é feliz e se realiza plenamente quando se agita, quando mexe manualmente. Há nesta concepção acanhada um grave perigo: dar prioridade, em educação, à actividade física»… (pg 509).

(Continua)

José Batista d’Ascenção

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