quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

Educação, ensino e pedagogia – receitas e sentenças de todos sobre tudo

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Não vai bem a escola pública (do ensino básico e secundário) em Portugal. O mal é profundo, vem de longe e nunca foi prevenido nem atacado a montante. Demasiadas vezes, a classe foi envolvida em lutas que fugiam ao cerne da acção pedagógica fundamental. Lutas que os professores não conduziam e que muitos deles desconheciam e dispensariam, amarradas a frenesins reivindicativos que não podiam ser bem acolhidos pela sociedade e que conduziram ao desprezo pelos docentes.
À origem do mal não escapam as instituições universitárias que diplomaram (os) professores, apetrechando-os com supostas ferramentas pedagógicas cuja fundamentação prática, em muitos casos, foi ausente ou inadequada, ou meramente idealista e teorética, motivo por que baquearam perante a realidade e só artificial e ilusoriamente persistiram no tempo.
A formação contínua de que os professores deviam beneficiar foi contaminada por muitos protagonistas sem a qualidade desejável, realizada mais para efeitos formais do que para enriquecimento efectivo, o que redundou na desilusão de uns, no desprestígio de quase todos e na quase ausência de melhoria real da prática docente.
A definição de um estatuto da carreira docente e a torrente de legislação permanente, desde então, alcandorou uns e terraplanou outros, contemplando todo o tipo de formação, ministrada por quaisquer escolas ditas do ensino superior, e determinando injustiças e falhas no ingresso, na avaliação (indigente), na progressão e no desempenho, em somatório crescente sem resolução até à embrulhada actual.
A profissão docente viria a sofrer interferências de personalidades e entidades diversas, das áreas da sociologia, da psicologia, da psiquiatria e da assistência social e, mais tarde, de supostos especialistas e agentes interessados no apoio à deficiência. Palestras sem conta, alguns livros e muitos artigos de imprensa pretenderam mostrar aos professores como é que eles deviam/devem ser professores. Hoje, essa faculdade alargou-se a qualquer cidadão, incluindo os que têm assento nos conselhos de turma de avaliação dos finais de período lectivo. De um tal «movimento» resultou a desclassificação dos professores, que passaram a uma espécie de funcionários limitados às ordens recebidas, de preferência sem (se) questionarem.
Como os professores eram em grande número e isso impressionava o poder, os políticos/sociólogos modificaram o modo de gestão das escolas públicas, criando assembleias/conselhos sem maioria de professores para escolha das direcções. Formalmente democráticos, estes órgãos, com relevância legal, têm uma prática burocrática tendencialmente anódina (o que pode ser um bem), pelo que, as melhorias, se passaram a existir, não são perceptíveis. E as direcções, em muitas escolas, continuaram com os mesmos líderes, dirigindo da mesma maneira, não sem alguns conflitos estéreis de chefias e facções intra ou entre órgãos com visões divergentes. Nos conselhos pedagógicos, a tendência (de incluir muitos membros além dos professores, alguns sem qualquer capacidade para a função) também se verificou, tendo sido morigerada mais tarde (ao tempo de Nuno Crato). Os benefícios nunca foram visíveis e hoje, o que devia ser um órgão nobre do funcionamento das escolas passou, basicamente, a uma sucessão de reuniões, por vezes excessivamente longas, para ratificação formal das mais variadas irrelevâncias de penosas teias legais.
Além dos alunos na sala de aulas, restam aos professores instituições e pessoas credenciadas que lhes proporcionam apoio e acompanhamento científico e pedagógico, prestados, nalguns casos, por dever cívico militante e não por qualquer estímulo ou reconhecimento formal, de que, de resto, esses verdadeiros formadores não precisam e dispensam.
Compete aos docentes não desaproveitar essa ajuda, tanto quanto devem exigir o direito a ensinar e instruir. A acção educativa fundamental que se deve exigir aos professores radica essencialmente nessas funções, como o sabem os pais que educam os filhos e os levam à escola para ela continuar o que, de outro modo, não seria possível. É também aí que os professores põem em prática o seu nobre exercício de cidadania. Claro que há sempre metodologias diversas, e assim deve ser, pelo que o exemplo e as suas necessárias adaptações são de valorizar, tanto como a (muito) necessária investigação (séria) em pedagogia desenvolvida perante alunos concretos, não enviesadamente seleccionados.
Já não enobrece a profissão docente a própria legislação (é exemplo o artigo 8 do Dec.-lei nº54/2018) quando vai ao ponto de fornecer uma extensa listagem de «acomodações curriculares» (99) distribuídas por categorias (4) que incluem, por exemplo, «fazer revisões utilizando questões semelhantes às dos testes» (medida E17) ou «realizar testes com consulta do livro» (medida E22).
A pedagogia não se faz por receita nem por formulários. Sem professores com sólida formação de raiz e a necessária actualização ao longo da profissão, com autonomia, em observância de leis claramente redigidas e em número não maior que o necessário, não há boa prática pedagógica nem é possível ensinar bem e fazer aprender com qualidade as crianças e os jovens. Escrevi ensinar, pela relevância da palavra. 

José Batista d’Ascenção

segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

«Matar alguém»

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A média de idades dos professores do ensino básico e secundário tornou-se, em consequência de vários factores, muito elevada em Portugal. Em acréscimo, e devido às características e condições sócio-educativas dos tempos que correm (modo como educamos as crianças, quadro de valores, relações e protagonismos sociais de jovens e adultos, demissão das instituições, maus exemplos de autarcas, deputados, governantes e políticos em geral, entre outros), os níveis de angústia e sofrimento tornaram-se insuportáveis para muitos docentes, alguns dos quais estão simplesmente destruídos ou à beira disso.
Como resultado (embora não exclusivamente, como é óbvio), há professores com baixa médica há longo tempo. Estes professores acabam naturalmente remetidos para juntas médicas, que estão a mandar muitos deles para as escolas. Se isto deve ser assim para os que reúnem as condições de saúde exigidas, casos há em que não se vislumbra outra vantagem que não a de elevar o rácio de professores em actividade relativamente aos alunos. Na realidade, alguns destes regressos trazem problemas terríveis: um professor incapaz não devia estar na escola: em respeito pelo seu estado de saúde, mas, e sobretudo, como salvaguarda da excelência da acção pedagógica. Ora, existem casos de professores com perturbações profundas que se arrastam nas escolas de braços caídos e «ausentes do mundo». Como é isto possível? É-o entre nós. Ponto. E quais são as consequências? Não me peçam a mim (a redundância é intencional, mas não como «figura de estilo») que as enumere.
Haverá, porém, situações em que as juntas médicas do ministério não obrigam os professores em condições degradadas a voltar às escolas. Seria o caso concreto de uma docente que, em consulta com o seu psiquiatra, lhe terá dito, de modo desabrido: «se volto à escola, mato alguém». E o mesmo terá repetido, desorbitada, aos elementos da junta médica a que foi presente. Não testemunhei, mas parece-me plausível.
E ainda há poucos anos, apesar de tantos sinais preocupantes, não conseguia antecipar um «clima escolar» deste jaez.
Quem mata quem?
Quem vai morrendo é a (ideia de) Escola Pública, que acalento e por que sempre me empenhei, como tantos.

José Batista d’Ascenção

terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Cidadania e valores


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Professores  (menos modernos?) recomendam aos alunos certas matérias de estudo e consulta e a resolução de exercícios, a realizar extra-aula. São o que em tempos se chamou «deveres» ou (que ainda se chama) «trabalhos para casa» (tpc). Há quem os conteste e quem os defenda, entre os pais/encarregados de educação e (naturalmente) entre os professores.
Um destes dias, certo professor verificava a realização dos tpc. E quedou-se perante um aluno que exibia o trabalho realizado no próprio manual da disciplina, nos espaços entre as perguntas, mantendo o livro aberto sobre o caderno diário de registo dos sumários e apontamentos das aulas, igualmente aberto, pelo que era fácil ver que os tipos de letra manuscrita, num e noutro suporte, eram muito diferentes: redondinha e graficamente harmoniosa, a do livro, e muito irregular e rabiscada, a do caderno. O olhar interrogativo do professor encontrou o do aluno, que não revelava qualquer preocupação. O professor decidiu-se então pelas palavras, referindo que o trabalho realizado no manual [provavelmente emprestado por algum aluno de anos anteriores] e a escrita dos sumários não haviam sido feitos pela mesma pessoa. Sem problemas, e sem virar a cara, o aluno começou por dizer que escreve de formas diferentes em alturas diferentes, mas, face à evidência, rápida e descontraidamente passou a outra justificação: a sua explicadora redigira o trabalho ao mesmo tempo que o ia elucidando a fim de lhe facilitar a compreensão.
O professor pediu então ao aluno que levasse um recado à dita explicadora, dizendo-lhe que ela era incompetente e criminosa e, caso cobrasse dinheiro, que era também uma ladra.
Tais vexames não causaram qualquer perturbação visível no aluno, pelo que o professor optou por maior clareza: não acreditava em nada do que ele dissera ou dissesse naquela circunstância, assim como não podia haver explicadores com tal comportamento, motivos por que a batota tinha sido tentada por outrem, presente na sala, frente ao professor.
E nada.
Aquele jovem continuou mais ou menos imperturbável, afivelando um sorriso de não comprometimento, sem sinal de reconhecimento de incorrecção ou culpa e manifestando disponibilidade para participar na aula: ler textos introdutórios, responder a questões e, até, apagar o quadro, no final.
E o professor registou (mais) este caso de adaptabilidade conformante de um aluno cordato e bem disposto, embora de rendimento trágico.
Valores, ética e cidadania hão-de seguramente continuar a ser prática das pessoas (em maior ou menor número), pelo que não haverá risco de que venham a limitar-se a conceitos irreais grafados nos dicionários.
Porém, o problema é comum, dentro e fora da escola, na política, no desporto, nos negócios e na vida social. Será que tem origem nas escolas e (principalmente) nos professores?
Ou não será?

Nota: O professor em causa foi o escrevinhador destas linhas.

José Batista d’Ascenção

quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Professores, esses eternos culpados

Di-lo Santana Castilho, no jornal «Público» de hoje
Imagem da Wikipedia

Cito: «Depois de encontrado o Santo Graal do sucesso (Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória), que irá permitir “preparar os alunos para empregos ainda não criados, para tecnologias ainda não inventadas, para a resolução de problemas que ainda se desconhecem”, com recurso às “aprendizagens essenciais”, às “aprendizagens significativas”, ao “trabalho de projeto” e à “abordagem multinível”, numa palavra, depois da doutrinação sobre a flexibilidade curricular e do cortejo de propostas tontas para transformar a escola num enorme recreio, o [Ministro da Educação] veio regozijar-se com o trabalho dos inspectores. E foi deprimente ver prosa vulgar sobre a decantada questão da inflação das notas internas, para favorecimento dos alunos no processo de ingresso no ensino superior, nos mesmos jornais que criaram e promoveram os rankings e deles fizeram capas e gordos suplementos. Com efeito, um relatório da Inspecção-Geral da Educação e Ciência sobre o tema deu azo na imprensa a variadas glosas. Descontada a ligeireza da maior parte das críticas feitas, […] o que sobrou para o grande público? Que a culpa é dos professores.
[…] Convém clarificar que, por melhor que seja qualquer escola e excelentes os seus professores, nada poderão fazer para combater o desregramento da distribuição da riqueza, que gera a pobreza, que está na origem das desigualdades e do insucesso escolar. […]
Voltámos à narrativa da inutilidade dos chumbos, pelo simplismo discursivo da presidente do CNE: um aluno reprovado custa 6000 euros, ensiná-lo a estudar 87. Que quer isto dizer? Que os alunos chumbam porque os professores não os ensinaram a estudar? Ou, simplesmente, trata-se de reconhecer a inutilidade superveniente das reprovações? A ser assim, porque não a decretam e acaba o folclore?»

Gostava de ter sido eu a escrever os extractos acima.
Grato a Santana Castilho.

José Batista d’Ascenção

segunda-feira, 26 de novembro de 2018

A Escola das «evidências»

Que falha evidentemente
Imagem obtida via Google
Há poucos anos a esta parte, a palavra «evidências» passou a ser muito usada nas escolas. Basicamente, de qualquer acção em que os professores e/ou alunos participassem, deviam ser colhidas «evidências», em muitos casos para que os professores pudessem fundamentar os relatórios de «auto-elogio» obrigatórios para mudarem de escalão, fosse no respeitante à bondade do trabalho que realizaram fosse no que se relaciona com o entusiasmo dos alunos e com a qualidade das suas aprendizagens. E então eram fotografias, notas ou textos em jornais, declarações e certificados e o mais que (já) não me lembra. Era um «enjoo», em certas alturas, testemunhar tanto «folclore» e tanta futilidade e pepineira.
Com o congelamento das carreiras, o negócio das acções de formação esfriou e a sanha das «evidências» viveu uma certa alcalmia benfazeja.
Nos tempos que correm, as perspectivas de descongelamento, ainda que lentas, lentas, lentas e a nova onda pedagógica da «cidadania e desenvolvimento» soltaram os ventos da animação: multiplicam-se os «eventos» e as acções de formação (será que um dos objectivos é reanimar as expectativas dos que «desesperavam» com o desinteresse dos professores?) e de tudo é novamente preciso recolher «evidências».
Pensamos com as palavras. E o léxico de cada época reflecte muito do que se faz e, sobretudo, do modo como se pensa (ou não pensa). Como estou a ler o livro «Por Amor à Língua» de Manuel Monteiro, editado pela «Objectiva», detive-me na palavra «evidências» e nessa outra também muito em voga: «eventos».
Evento é, no dizer de M. Monteiro, um «moderninho anglicismo» usado como «saco onde cabe tudo, e de que não se sentia a falta «para descrever acontecimentos, iniciativas, certames, actividades, exposições, mostras, espectáculos». Desta benéfica diversidade vocabular, criteriosamente utilizada, resultava «precisão informativa», que hoje não temos. Evento «dá para jantares, encontros de antigos alunos, corridas, bailes, noites em discotecas, observação de aves, tertúlias, discussões, colóquios, simpósios, manifestações, acrobacias de golfinhos», para referir mais uns quantos exemplos de M. Monteiro.
O termo ««evidências» é usado com o sentido de «provas» ou «indícios» (evidences)» («utilização do significado de uma palavra do inglês numa palavra portuguesa parecida»). Ora, o significado da palavra evidência, em português, está relacionado com clareza, facilidade de compreensão, visibilidade, exposição aos olhos de todos, salientar-se, chamar a atenção geral, o que pode remeter para exibicionismo, bem ao contrário de discrição, reserva, contenção, recato, modéstia e circunspecção. E destas duas vertentes bem diversas, senão opostas, qual deve ser a predominante em pedagogia, enquanto acção dos professores? Eu não tenho dúvidas em optar pela segunda, pois que, em muitos casos, as qualidades ou procedimentos que pressupõe devem ser a regra de ouro: lidar com problemas do foro íntimo dos alunos, com as suas dificuldades, trabalhar a persistência, a paciência e a resiliência, guardar prudência na relação com os outros, ter moderação nas palavras e nos actos, por exemplo).
Ou seja: é a própria linguagem formal hierárquica que promove um certo «dar nas vistas» devidamente «certificado» e a competição que, consequentemente, daí recorre. Para os professores e, necessariamente, para os alunos. O contrário do que seria desejável. Por outro lado, não é bom caminho limitar a importância ao que é ou parece evidente, em detrimento do que o não é ou não dá essa impressão, porque pode desviar-nos do que é verdadeiramente importante (não é evidente que a Terra é uma esfera que gira em torno de si, contrariando a realidade, como não é ou pode não ser evidente a relação entre a poluição e as modificações do clima). Como diz o povo «as aparências iludem», «nem tudo o que luz é ouro» ou «quem vê caras não vê corações».
Admiramo-nos depois de que tudo funcione tão mal. Como poderia, se nos preocupamos (mais) com o carácter vistoso das «embalagens» do que com a qualidade do «conteúdo»?
E exemplificamos com a pior prática possível.

José Batista d’Ascenção

quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Os chumbos ficam muito caros

Fonte da imagem
Pergunta minha: só em dinheiro?

Espanta-me (cada vez menos) que os estudos que se querem sobre pedagogia acabem traduzidos em dinheiro, mais do que no prejuízo das pessoas que são os alunos, futuros cidadãos adultos do país (prejuízo que suponho monetariamente inquantificável no tempo das suas vidas, pelo menos no estado actual do que chamam «ciências económicas»).
Não me espanta nada que se diga que os números “chamam a atenção por mostrarem que é o próprio sistema de ensino que está desadequado” (como podiam não mostrar?). Também não me espanta nada que não se incida na importância das condições em que muitas famílias vivem no nosso país (veja-se o caso recentíssimo de cinco desgraçados que morreram sob o mesmo tecto em Trás-os-Montes…) e cujas crianças frequentam as escolas em tal estado que a aprendizagem é extremamente difícil (não é por acaso que estas pessoas que fazem estudos e sabem dos remédios todos não estão nas escolas a ensinar e a dar o exemplo de como se faz), porque não é fácil ser pobre (e em Portugal é-o 1/5 da população) e desprotegido e maltratado e miserável e conseguir aprender bem (e isto não desculpa as falhas da organização das escolas nem, obviamente, as deficiências da acção pedagógica dos professores).
Muito curiosa é a referência à aplicação de «estratégias pedagógicas “inovadoras” no âmbito das práticas, gestão de percursos escolares e apoio aos alunos» que os relatórios não especificam. Ora, da experiência e do contacto com a realidade, os protagonistas, quando se exprimem em voz baixa, dizem que se fazem umas coisas em que os alunos continuam a não aprender e a não saber, mas que se lhes atribuem classificações que os aprovam. Aliás, no ensino (dito) básico, o chumbo é burocraticamente muito dificultado, importando pouco se os alunos sabem ou não sabem (o que preocupa é o que se gasta com eles). E o mesmo se diga das faltas às aulas: nalguns casos, elas nem são registadas e por isso o absentismo fica igualmente resolvido. Só maravilhas.
Um pormenor associado ao estudo do Conselho Nacional de Educação, que acabei de ler no jornal «Público», de onde extraí as frases entre aspas deste texto, é o que se refere à influência dos exames no abaixamento das classificações internas dos alunos, especificamente no caso de Biologia e Geologia, que «é a disciplina em que mais alunos são afectados por esta redução: 59,1%» [quando considerada no grupo dos que descem 1 valor]. O senhor director do IAVE devia atentar neste pormenor, e, já agora, a equipa que elabora os exames da disciplina também.
Quanto à eficácia deste estudo, tenho para mim que será igual à de tantos outros, donde, nada me admira que seja mais uma reclamação de mudança para que tudo fique na mesma.
O Professor Galopim de Carvalho fala na necessidade de umas «vassouradas» (é lê-lo…), mas, entre nós, quem manda, prefere metodologias (ia escrever «inovações») mais elaboradas.
Fica escrito. 

José Batista d’Ascenção

segunda-feira, 19 de novembro de 2018

Inflação de notas

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Segundo o jornal «Público» de hoje, em artigo de Samuel Silva (páginas 2 e 3), um dos factores usados «para inflacionar as notas dos alunos é o “domínio social e afectivo”», parâmetro «que não tem directamente que ver com a matéria dada. A ponderação desta dimensão (que incluiu o comportamento, a assiduidade e a pontualidade) pode variar, dependendo das escolas ou da disciplina, entre os 5% e os 30% da nota final.» E «os alunos têm muitas vezes a nota máxima sem justificação.»
Esta e outras práticas foram detectadas pela “Inspecção-Geral de Educação e Ciência” (IGEC) «numa “operação de verificação” levada a cabo em 2017 em 12 escolas, entre as quais estão as dez onde, no ano anterior, se tinha verificado um maior desalinhamento entre a nota que os alunos conseguiam dentro do estabelecimento de ensino, atribuída pelos professores (a chamada “nota interna”), e a nota que alcançavam nos exames nacionais. Entre as 12 escolas alvo desta intervenção, dois terços são privadas. A maioria delas (9) está localizada na região norte.»
O artigo refere que o especialista Gil Nata, embora apreciando a acção da inspecção «discorda do critério seguido pela IGEC. Em vez das dez escolas com maiores desalinhamentos registados no ano lectivo 2015/2016, Nata entende que seria mais proveitoso que a intervenção tivesse começado pelos estabelecimentos de ensino onde a inflação de notas internas é “sistemática” e se verifica ao longo de vários anos. Desde que o ME divulga o “indicador do alinhamento das notas”, 11 escolas repetiram sempre, ano após ano, a presença no grupo das maiores inflações de notas, com especial destaque para os colégios privados.»
Da coluna de perguntas e respostas ao lado do artigo, saliento estas:
Pergunta: «Que sanções estão previstas? [para as escolas que inflacionam notas]. Resposta: «Nenhumas. O desalinhamento não tem enquadramento legal e, portanto, a IGEC não pode penalizar as escolas pelo simples facto de encontrar uma prática sistemática de inflação de notas. A Inspecção pode apenas emitir recomendações e aconselhar mudanças de procedimentos.»
Noutro artigo, nas páginas 4 e 5, intitulado «O fenómeno regional de sobreavaliação das notas» a especialista Maria Conceição A. Silva, da «Católica Porto Business School», analisa várias tabelas de dados sobre a matéria, e toda essa análise tem interesse e inspira confiança e objectividade. Dela respigo apenas este pormenor curioso e relevante: «a sobreavaliação de notas é um fenómeno prevalecente no Norte do país, já que no Sul acontece o fenómeno oposto — as escolas tendem a avaliar os seus alunos por baixo.»

Nota adicional:
Os dados mostram que o acesso ao ensino superior não é isento e rigoroso e justo em todos os casos, e que o ensino secundário em vez de formar e preparar alunos está refém dos processos de selecção que talvez devessem caber às universidades. Além disso, o ensino secundário está também transformado num meio de negócio privado, em que o Estado não é inocente, e em que os procedimentos à margem da ética e da justiça não são punidos nem eficazmente travados.
Finalmente: estas conclusões são do autor destas linhas e não dos autores dos artigos de que extraiu algumas citações. 

José Batista d’Ascenção

quinta-feira, 8 de novembro de 2018

Bizarrias burocráticas que arrasam os professores – como e quando podem eles ensinar?

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Esta semana tive as chamadas reuniões intercalares dos conselhos de turma (formados pelos professores de cada turma, um ou dois representantes dos encarregados de educação, um professor/técnico de educação especial, se necessário, e, eventualmente, um ou dois representantes dos alunos).
Como classicamente, ocupei todas as horas possíveis dos dois últimos fins-de-semana a corrigir os primeiros testes e a coligir informações escritas sobre cada aluno, de cada turma, com o objectivo de (poder) ser maximamente útil naquelas reuniões.
Acontece que preparar e dar aulas, elaborar testes e outros materiais, acompanhar os alunos (nas aulas e nos tempos do horário destinados a apoio), fazer correcções dos elementos escritos de avaliação e disponibilizar oportunamente as informações sobre o comportamento e o aproveitamento dos alunos deixou de ser o fundamental no trabalho dos professores. Há uma onda de loucura que começou a varrer o ensino de baixo para cima e que se espraia agora no ensino secundário, que chega aos docentes em catadupas de «mails» (em qualquer dia da semana e a qualquer hora), se reforça em reuniões, cada vez mais reuniões, para (supostamente) tratar de matérias pedagógicas [que incluem a «flexibilização curricular», a inclusão (tão inclusiva que abrange também as medidas para eventuais problemas de saúde e o apoio à deficiência, que agora não se pode chamar deficiência…), a cidadania, a «educação sexual» e todas as actividades (palestras, visitas de estudo, projectos, etc.) a inserir no (pomposamente designado) «plano curricular de turma». Em todos estes casos (ou noutros) acresce a definição das evidências (que devem ser ostensivamente visíveis, porque se for só o testemunho dos professores não são evidentes) que hão-de demonstrar e justificar os objectivos (formalmente sempre alcançados) de tão vastas acções e diligências] e tudo tem que ser devidamente registado em plataformas digitais, muito completas, e de tal modo definidas que há cada vez mais dúvidas sobre se se trabalha para atingir os objectivos pedagógicos de cada actividade ou para satisfazer os imperativos, as exigências e os prazos de tão excelsos suportes informáticos.
Entretanto, nas reuniões podem surgir guiões e impressos e mais impressos em papel, com campos e quadros e tabelas em que cada professor deve fornecer ao director de turma as suas sugestões ou propostas de participação com as inerentes (e indispensáveis) especificações. Um dos documentos que nos coube analisar foi o «plano de monitorização da aprendizagem», uma «obra-prima» com uma imensa lista de itens (identificados por siglas: A11, B6, C1, etc.) distribuídos por várias categorias (por exemplo «acomodação curricular» ou «diferenciação pedagógica», entre outras) capaz de arruinar qualquer docente mais diligente que, procurando servir-se dele, tente não deixar nenhum aluno por incluir. A lista é tão completa que tem função universal, e por isso as medidas se chamam universais. O que significa que há outras, de tipo selectivo e específico até ao sucesso garantido. Pena que não se conheça metodologia boa para cumprir directrizes abstrusamente perfeitas, eventualmente inaplicáveis e limitadoras da função principal de qualquer profissional, por arrasamento e desmoralização.
Aqueles antiquados que ainda supõem que um professor tem que estudar e saber muito (muito mais do que os alunos) e ter capacidade de ensinar (um verbo proscrito, até ou fundamentalmente nas escolas) precisam de ser continuamente preparados, para o que não faltam acções de formação e propaganda. Reuniões de professores intermináveis e inconclusivas, que são prejudiciais muito para além da mera esterilidade, e solicitações (normalmente em cima da hora) para cumprir os mais diversos e (artificiais) requisitos (que nunca são os de dar prioridade ao que em tempos foi o trabalho fundamental dos docentes) talvez sejam o melhor método de acelerar a «reciclagem» completa (e definitiva) dos professores.
Mas ninguém - porque os professores não são ninguém - parece dar por nada.

José Batista d’Ascenção

sexta-feira, 26 de outubro de 2018

Alimentação saudável de crianças e jovens - a importância das cantinas escolares.

O exemplo da cantina da Escola Secundária Carlos Amarante

Da esquerda para a direita:
A D. Júlia, a D. Emília, a D. Isabel, a D. Manuela e a D. Luísa
Nos últimos anos, o serviço das cantinas tradicionais das escolas públicas, onde a confecção de almoços estava a cargo de uma cozinheira e das suas ajudantes, foi sendo entregue a empresas privadas do ramo, que preparam umas rações, supostamente de acordo com as normas recomendadas, mas que perdem (grandemente) no paladar e, em casos demasiados, na qualidade.
Que isto de comer bem e de servir boa comida não significa o mesmo para todos, desde logo para os miúdos. Mal habituados, com as papilas gustativas viciadas no (excesso de) doce e no sintético, alguns rejeitam legumes e frutas e recusam sopas de hortícolas à vista ou pão menos refinado. E também haverá aqueles que comem em casa (felizmente) aquilo que desvalorizam ou criticam na cantina da escola, num falar de «barriga cheia», que não deve perturbar quem se preocupa com a boa nutrição dos mais novos (e que deixou de se ouvir em anos recentes quando, por via da crise, o apetite se sobrepunha à esquisitice).
Na Escola Secundária Carlos Amarante (ESCA) ainda há uma cantina que serve os alunos com boa qualidade alimentar. Porém, foram várias as ocasiões, em anos sucessivos, em que este modo de funcionamento esteve em risco. E acontece o mesmo nos tempos que correm. A razão reside na falta de funcionários.
O funcionamento da cantina é uma das incumbências do serviço de acção social escolar, de que se ocupam a D. Manuela Alves e a D. Sidónia Gomes. Na cozinha e a servir as refeições aos alunos ocupam-se a D. Luísa Anjos, a D. Júlia Abreu e a D. Isabel Cardoso, «socorridas», nas horas de maior movimento pela D. Emília Barbosa e pela D. Sameiro Pinheiro (retirando-as das tarefas permanentes que desempenham noutros sectores). A D. Manuela Alves acompanha presencialmente a preparação das refeições e a sua distribuição aos alunos, faz a verificação e o desconto nos cartões de cada comensal, zela pela ordem possível na fila e chega também a servir. Nas mesmas instalações, fora das horas de almoço, funciona ainda o bar dos alunos, de que se ocupam a D. Ana Silva e a D. Elisabete Ferreira. Estas senhoras têm que preparar e limpar todo o espaço imenso das refeições, antes e depois de os alunos tomarem o almoço e mantê-lo em condições de higiene durante todo o dia. Com funções repartidas por outros serviços (biblioteca, papelaria, reprografia), a D. Elisabete Baía acorre sempre que é absolutamente necessário e possível.
A «equipa» do SASE:
A D. Manuela Alves e a D. Sidónia Gomes
Na cantina da ESCA servem-se centenas de refeições diariamente (mais de quatrocentas) e todo o trabalho de confeccionar a comida, servi-la, recolher loiças, talheres e tabuleiros, lavar e arrumar e tratar da limpeza dos espaços recai sobre os braços daquelas senhoras. É a sua função, poderia dizer-se. Mas é uma função exigente, física e psicologicamente, que elas desempenham com paciência e bonomia, mesmo quando o esforço e o cansaço são visíveis, e compreensíveis, tendo em conta as respectivas idades e as condições físicas próprias de cada uma.
Vivemos uma situação de «tapa-buracos» permanente que desgasta os funcionários, prejudica a organização e funcionamento da Escola e causa dores de cabeça a quem dirige e administra. Até quando vamos aguentar? – É a pergunta que se coloca…
Claro que há sempre o recurso «fácil» de optar por empresas privadas, mas essa via não assegura a melhor saúde alimentar dos alunos, como a experiência comprova e as notícias vão referindo. E comprova-se especificamente na ESCA, onde a comida tem excelente qualidade, facto reconhecido por todos.
A ESCA bem merecia um reforço de funcionários para acompanhar e vigiar os alunos e moderar a energia, a sofreguidão e o ruído nas horas e nos locais de maior aglomeração, na cantina e não só. Além disso, na zona do refeitório, para criar mais recato, delimitar de forma prática e funcional (com uma divisória amovível transparente?...) o fundo daquele espaço, tão grande e tão amplo e contíguo a outros (por opção arquitectónica…), poderia ser um modo de diminuir o ruído para níveis mais propícios à hora da refeição (para os que comem e para quem trabalha e zela por um ambiente simpático, acolhedor e, tanto quanto possível, sereno).
Temos, por enquanto, um bem maior. Todos desejam(os) não o perder. Vamos conseguir?
Vivendo na dúvida, é motivo acrescido para fazer sentir às funcionárias que trabalham na cantina da ESCA o nosso imenso Obrigado!
Enquanto é tempo.
Muito bem haja, senhoras.

José Batista d’Ascenção

Adenda: Agradeço à D. Gracinda Cerqueira (funcionária da Biblioteca da ESCA) pelos créditos fotográficos e pela leitura prévia do texto.

terça-feira, 9 de outubro de 2018

Nota breve sobre os meus alunos deste ano, à quarta semana de aulas

Motivação para aprender, apesar das condições.
Como (re)ganhá-la, entre nós? Imagem obtida aqui.
Não conhecia os alunos com quem estou a trabalhar este ano lectivo. São jovenzinhos de 10º ano de escolaridade, bem educados e simpáticos. Os que não chegam pontualmente à aula perguntam à porta, que tem estado aberta, por causa do imenso calor nas salas, se podem entrar. Nas aulas têm estado bastante bem, atentos e razoavelmente participativos.
Às voltas comigo, numa luta sem tréguas, dentro e fora da sala de aula, procuro não lhes destruir a curiosidade e o prazer de aprender; e procuro também ser maximamente claro nas explicações, nas perguntas e nas solicitações. Sinto-me sempre à prova, o que não me desagrada, e procuro nunca resvalar para qualquer posição de ilusório e injustificado triunfalismo ou presunção, porquanto é inquestionavelmente mais provável a falha, com uns ou com outros, do que a eficácia generalizada, normalmente impossível. Sabe-o bem quem há muito anda (e/ou desanda) na profissão. Ainda ontem, depois de um fim-de-semana mais longo, cerca de um terço dos alunos não tinham feito a ficha de treino (composta e cedida por uma colega) que lhes havia disponibilizado na quinta-feira passada. Fiquei decepcionado com os que não fizeram o trabalho de casa, e disse-lhes isso mesmo.
Contudo, estou cheio de sorte [as limitações, crescentes e notórias, ainda me permitem ir para a escola com um fundo de esperança no peito, que alimento quanto posso e não quero deixar morrer]: pelos alunos com quem me cabe lidar, pelas condições, embora não perfeitas, da minha escola (longe disso: ontem mesmo «mail» informativo dizia que a funcionária de apoio aos laboratórios ficou doente, pelo que os professores que fizerem aulas práticas vão ter que «ter paciência» e «preparar, lavar e arrumar» o material de que precisem, o que é difícil quando há uma dezena de turmas em cada um dos anos das disciplinas de exame, a fazer basicamente as mesmas aulas e a necessitar dos mesmos materiais e havendo só um gabinete de preparação…) e pela oportunidade de conviver e trabalhar com tantos colegas que muito estimo (e com o desejo de que alguns ausentes recuperem a saúde e retornem ao serviço, o que implica o desconforto de saber que isso significa a despedida dos que os substituem).
Sim, cheio de sorte, apesar das sombras que caem sobre quem é professor ou aluno ou pai. Cheio de sorte, também, por comparar a minha situação com a de tantos colegas em condições profissionais ainda mais difíceis do que as minhas, e que vejo como heróis ignorados de esforço, generosidade e abnegação.
Por isso, olhando tanto quanto posso ver e desejando todo o bem merecido para mim e para os outros, deixo registo do meu sentido abraço a todos os alunos e professores que não desistem de viver e humanizar a escola, para melhor se ensinar e, acima de tudo, aprender.
Por ser verdade, e da minha vontade, e sem me ter sido pedido, honestamente escrevi este texto. 

José Batista d’Ascenção

sábado, 6 de outubro de 2018

Sobre os professores, verdades que ainda se publicam

Imagem obtida aqui.
Pacheco Pereira escreve hoje no jornal «Público»:

 … «escrevo hoje sobre os professores do ensino secundário, e por extensão sobre todos os professores. Não é pela sua luta sindical, nem por causa das manifestações, nem por nada dessas coisas, embora também seja. É pelo vilipêndio demasiado comum da condição de professor, de ser professor, como se fosse um lugar de comodismo, salários altos, trabalho confortável e nada desgastante. Não estou a falar das escolas e colégios privados que podem escolher quais são os seus estudantes, à força de dinheiro e da facilidade de afastarem quem não querem, estou a falar da escola pública, um pouco por todo o país, mas com maior relevo nos locais mais pobres, onde as famílias estão desestruturadas, onde a violência é endémica, onde há gangues e bullying como regra, onde tudo é precoce e nada é maduro. É que o problema não é o dos adolescentes de hoje, é também o dos pais dos adolescentes de hoje, parte deles também professores, normalmente os mais hostis aos seus colegas. O problema é uma sociedade que deixou todos os problemas, de raça, de exclusão, de pobreza, de marginalidade, de droga para a escola e na escola para os professores. As famílias demitem-se e acham que é a escola que lhes deve socializar os filhos com um mínimo de “educação” e, como isso não acontece, atiram-se contra os professores. Não é preciso ir mais longe do que a absurda prática de deixar levar telemóveis para as aulas, sabendo-se como se sabe que não há qualquer utilidade no seu uso, e que servem apenas para uma nova forma de se estar “agarrado”. A completa falta de qualquer autoridade nas escolas torna-as um falanstério de ruídos, perda de atenção, violação da privacidade e crime, em que o comodismo dos pais, e a sua idêntica falta de autoridade, isola a função de ensinar de qualquer utilidade social. A escola perdeu a sua função e, no meio de tudo, estão professores sitiados no meio de um inferno cheio de hormonas sem regras. Não admira que seja das profissões que mais frequentam psiquiatras e psicólogos […]. Venham pois hipocritamente atacar os professores, esses preguiçosos privilegiados. […] eu nunca alinho nessa lenda de que os professores são uns privilegiados e que não merecem o parco salário que ganham. Experimentem ir para Almada ou para Campanhã ou para o Seixal ou para Sacavém ou para Setúbal dar aulas a alunos e alunas de 13, 14, 15, 16, 17, 18 anos...»

Um obrigado sentido, a José Pacheco Pereira.

José Batista d’Ascenção

domingo, 23 de setembro de 2018

Programas desactualizados continuam a mandar ensinar mal

Bola de fogo rasgou o céu de Chelyabinsk,
a cerca de 20 km/s. Rússia, 15 Fev. 2013.
Imagem obtida aqui.
Começaram as aulas. Depois de tanta azáfama a elaborar os pobres documentos que delimitam as chamadas «aprendizagens essenciais», no 10º ano de biologia e geologia continuamos com um programa desactualizado e deficientemente articulado, que, nalguns casos, manda ensinar incorrectamente e aborda conceitos de modo irremediavelmente contraditório quando tratados em geologia e em biologia.
A semana que passou lá estive a discutir a Terra enquanto sistema em que a espécie humana é mais uma das muitas que fazem parte da biosfera (nome dado ao conjunto de todos os seres vivos do planeta).
Ora, segundo o programa, o planeta Terra é um sistema fechado, querendo isso significar que troca energia com o exterior (recebe energia do sol e perde calor durante a noite, por exemplo), mas não recebe nem perde matéria, em quantidades significativas, do ou para o espaço.
A justificação desta ideia seria convencer os alunos de que os recursos terrestres são finitos e, por isso, se os consumirmos, não os poderemos ir buscar a qualquer sítio exterior (por exemplo à Lua ou a Marte) ou que, produzindo poluentes de difícil degradação natural, não podemos atirá-los para longe do planeta, sofrendo-lhes necessariamente (de modo directo ou indirecto) os efeitos negativos. Estas noções são, em si mesmas e na sua fundamentação, discutíveis, inúteis e... dispensáveis: é fácil perceber que, se tivéssemos ou viéssemos a ter capacidade tecnológica, seria, no mínimo, falho de ética, imprudente e absurdo atirar com os poluentes para o espaço extraterrestre.
Acontece que, na realidade, o planeta Terra é um sistema aberto (permuta matéria e energia com o espaço exterior. E, neste ponto, convém ter em conta que há alunos que já sabem que massa e energia são interconvertíveis através da notável fórmula de Einstein - Energia é igual ao produto da Massa pelo quadrado da Velocidade da luz), pois que:
- recebe continuamente matéria do espaço, essencialmente sob a forma de poeiras resultantes de pequenas areias meteóricas que entram na atmosfera terrestre e se desintegram pelo atrito. Há cálculos que apontam para centenas de toneladas por dia deste material. Mais esporadicamente, caem na Terra meteoritos de maior ou menor massa e não é improvável que asteroides de dimensão variável atinjam a o nosso planeta, como aconteceu inúmeras vezes no passado, supondo-se que foi o que aconteceu há 65 milhões de anos e levou à extinção dos dinossauros;
Cratera de Barringer. Arizona. EUA.
Resultante do impacto de um meteorito, há cerca de 50 000 anos.
Tem pouco mais de 1 km de diâmetro e cerca de 200 metros de profundidade.
Imagem obtida aqui.
- na alta atmosfera há constante perda para o espaço de átomos leves de hidrogénio e de hélio, que escapam (mais) facilmente à força da gravidade.
Acontece também que o Homem já pisou a Lua e envia sondas para análise de corpos do Sistema Solar e há mesmo engenhos artificiais que continuam a sua viagem no espaço sideral, levando até mensagens para outros (eventuais) habitantes do cosmos. Através das televisões, vimos diversas vezes robôs feitos na Terra deslocando-se e prospectando as rochas na superfície de Marte. Esta é uma realidade que terá cada vez mais desenvolvimento, se o ser humano não puser fim à sua própria existência. Por outro lado, a Terra formou-se e aumentou de tamanho a partir da acreção de planetesimais e protoplanetas que colidiram entre si. E a água dos oceanos foi trazida, em parte, por cometas que colidiram com a Terra. Um dos génios que elucidaram a composição e a estrutura molecular do DNA, Francis Crick, defendia que a vida na Terra se desenvolveu por contaminação provinda do exterior (teoria da panspermia). Ou seja, a Terra, na sua origem e durante a sua evolução, nunca foi nem é nem será um sistema fechado. E como podia, se é um pontinho minúsculo na vastidão do espaço?
Tendo discutido o assunto com esta abertura, uma aluna, colocou(-me) uma questão habitual:
- Professor, e se houver uma questão sobre isto num teste, como devemos responder?
Ao que esclareci:
- Devem responder com fundamentação, porque o que (me) interessa é que saibam e saibam (o) porquê.
Mas a aluna, perspicaz, não desarmou:
- E se a pergunta sair em exame?
Ao que respondi claramente, embora com pesar:
- Se sair, como já saiu, respondem mal, para que a resposta (lhes) seja considerada certa.
E aquela aluna e outros alunos sorriram tristemente, em silêncio.
Mal sabem eles que, por agora, referimos, e bem, a «biosfera» (enquanto conjunto de todos os seres vivos do planeta), como um dos subsistemas da Terra [ao suporte rochoso e ao solo incluímo-los no subsistema a que chamamos «geosfera» e as massas de água sólida e líquida constituem outro subsistema que designamos por «hidrosfera»; o quarto subsistema é a «atmosfera»]. Mas, lá para Janeiro, quando passarmos para o programa de biologia, vamos referir-nos à «biosfera» como o maior dos ecossistemas terrestes. E um ecossistema é, por definição, formado pelo conjunto dos seres vivos (a comunidade biótica ou biocenose) que habitam num determinado meio físico-químico (biótopo) e esse mesmo meio [ecossistema = comunidade biótica + biótopo]. Donde resulta que o mesmo termo se aplica a conceitos diferentes (comunidade biótica, no primeiro caso, e ecossistema, no segundo). Alguns alunos dão por ela. Infelizmente, percebem que o que se aprende nem sempre é para levar a sério.
Mas quem se importa com isso?  

José Batista d’Ascenção

segunda-feira, 17 de setembro de 2018

Entrevista vazia sobre uma Escola cheia de vazios

Imagem obtida da capa do jornal «Público» de hoje
A entrevista do senhor Ministro da Educação ao jornal «Público» de hoje é uma entrevista (in)sonsa: não esclarece nada, não adianta nada, nem serve para nada, excepto dar vantagem comunicacional (vulgo propaganda) ao governo.
Nela se faz referência ao relatório da OCDE sobre vencimentos dos professores – um documento obsceno que deriva de dados fornecidos por entidades dependentes de elementos do governo. Isto não desculpa a (ir)responsabilidade da OCDE. A mesma OCDE que se pronunciou categoricamente antes do último Natal pela excelência da experiência sobre flexibilidade curricular que decorria em 235 escolas do país, desde meados de Setembro, quando a maioria dessas escolas andava às aranhas e ainda não havia – nem podia haver, por falta de tempo e de dados - qualquer avaliação fiável do processo, o que nem no final do ano aconteceu em termos rigorosos. Não admira que esta instituição, como outras, vá perdendo credibilidade perante cada vez mais pessoas. E, em matéria de vencimentos e do número semanal de horas de trabalho dos professores, era muito fácil à OCDE ser absolutamente rigorosa: até eu lhe fornecia cópias do meu horário de docente e dos meus recibos de vencimento.
Agora, António Costa faria bem em não inchar de vaidade com tais factos. Daqui até às eleições ainda decorre muito tempo, os professores são em grande número e não está provado que sejam (muito) abstencionistas.
Mas o importante é saber que os professores não abastardarão a sua função, haja o que houver. Assim os governos cumprissem o que devem e respeitassem quem trabalha com seriedade.

José Batista d’Ascenção

sexta-feira, 14 de setembro de 2018

A «peste grisalha» e a solidão dos professores

Imagem obtida aqui.
Envelhecido, o corpo docente das escolas básicas e secundárias do país vive, desde há anos, e de forma progressiva, tempos que não são propriamente exaltantes. Por vários motivos:
- os candidatos à docência gostariam que seniores e veteranos saíssem da profissão (o que, não sendo um sentimento nobre, é humanamente compreensível);
- provavelmente, os alunos, em geral, simpatizam mais com professores mais jovens;
- alguns pais pensam/sentem como a generalidade dos alunos, embora haja ainda um ou outro que associa os professores chamados da «velha guarda» (que já não existem nas escolas…) a mais rigor, disciplina e eficiência no ensino;
- os políticos com funções governativas, independentemente da «cor política», parece dedicarem-se a um jogo persistente de desgaste e de perturbação dos professores, moendo-os quanto podem,  e tentando empurrar os mais velhos para a reforma, com penalização dos quantitativos a receber, para dar lugar a outros que, sendo mais novos, posicionados em escalões inferiores, ficam mais baratos;
- os professores de mais idade, dos escalões mais elevados, sentem-se, em alguns casos, indesejados pelos alunos, pelos colegas mais novos, por muitos pais, pelos governantes e mesmo pela comunidade em geral. Noutros casos, sentem-se também sem forças e sem saúde e, eventualmente, em grande solidão;
- os professores mais novos, tantas vezes com cônjuge e com filhos pequenos, são colocados a muitos quilómetros da sua residência e fazem esforços sobre-humanos para conseguirem trabalhar, pagar as despesas e assistir os familiares. Muitos submergem igualmente na solidão;
- o governo trata os professores como «ratos», como se o sistema educativo fosse uma ratoeira, e faz equivaler a sua acção a gerir (no tempo e nas diferentes escolas, consoante as circunstâncias e as oportunidades) as porções de «queijo» que usa nos dispositivos de mando em que se considera ungido (os termos entre aspas foram usados com este sentido há uns anos por um secretário de estado da educação);
- os professores, os sindicatos que não os representam e os que os representam mal, e que são em número espantoso (mais de vinte!), alimentam, voluntária e involuntariamente, o jogo dos governos, de que desconfiam, tanto quanto desconfiam uns dos outros (os professores em relação aos sindicatos e os sindicatos entre si e relativamente aos professores), com prejuízo da imagem social de todos, perante os alunos, os pais e a sociedade em geral.
Num contexto assim, um deputado da nação, de legislatura anterior à actual (em 2013), referindo-se ao aumento das despesas sociais com os reformados, tratou-os por «peste grisalha». Já um ex-primeiro ministro, depois presidente da república, alertara para o peso imenso dos funcionários públicos, em matéria de finanças, afirmando que nem a reforma era solução (porque deixavam de fazer descontos, diminuindo as receitas do Estado), restando esperar que morressem. O primeiro está mais perto de ser ou já é grisalho e o segundo é um multi-reformado.
Por mim, não chamarei peste a nenhum deles, nem a qualquer deles desejo a morte.
Para onde vamos, meu país?
Que fazemos, professores? 

José Batista d’Ascenção

terça-feira, 11 de setembro de 2018

Recomeço

Imagem obtida aqui.
Meio de Setembro e as escolas ganham alma. Os professores, ainda às voltas com a organização das suas vidas (atirados para longe de casa, dos seus filhos e cônjuges ou retomando a lida de muitos anos na escola que os viu envelhecer), fazem reuniões, sujeitam-se a acções de formação (ou de conformação ou mesmo de deformação…), decifram e seguem ou elaboram (ou submergem em…) documentação diversa (legislação, planificações, projectos, critérios e elementos de avaliação), tentando iniciar o trabalho directo com os alunos com a frescura possível, depois de tantas sugestões de flexibilidade, inclusão, cidadania (matéria que talvez seja menos de ensinar e mais de praticar, de dar o exemplo e de exigir em conformidade), aprendizagens essenciais e vias de sucesso para o perfil desejável dos alunos, agora definido em letra de imprensa. Tantas propostas salvíficas implicam mexidas que sobrecarregam os professores com mais diligências e, em certos casos, com mais turmas em consequência de as respectivas disciplinas terem visto reduzida a sua carga lectiva semanal. Será bom que a escola não venha a ser acusada (com fundamento) de impedir a aquisição de um corpo de conhecimentos e saberes fundamentais, que a humanidade acumulou até à actualidade, pela maioria das crianças, sobretudo as mais pobres, cuja condição socio-económica e cultural, mais justifica a eficiência da acção escolar.
Cada ano lectivo devia iniciar-se com grande entusiasmo, energia e alegria e não sob o signo do desencanto e da desmotivação e do protesto, como parece ser sina em Portugal. E a culpa não é – nem pode ser – das crianças, em quem não morreu a curiosidade natural nem o gosto de aprender que as caracteriza. E que todos (pais, professores, instituições educativas) temos o dever de acarinhar e de estimular e nunca de… (às vezes tão precocemente) estiolar!
Por outro lado, não é verdade que tenha morrido nos professores o gosto de ensinar (não abdico do uso deste verbo, criminosamente fora de moda), nem o prazer e a compensação de o conseguir, mesmo que com canseira e esforço, que são próprios da função (missão) e que, assim, a dignificam.
Ainda não conheço os alunos com quem vou trabalhar este ano lectivo. Não estou mais receoso que em anos anteriores nem menos esperançoso em relação a eles (que não serão muito diferentes dos que tenho tido em anos mais recentes). Já o mesmo não digo sobre as recorrentes (des)orientações ministeriais. Dificuldades? Com certeza, mas privilégios maiores são (primeiro) ter a oportunidade de enfrentar essas dificuldades e (segundo) reunir as condições e as forças para (com mais ou menos sacrifícios) as levar de vencida.
Que a Escola é tão só como a fazemos. Tomara que o mais importante nela fossem os alunos e a acção dos professores que os ensinam (lamento a reincidência no verbo). Tudo o resto devia existir apenas para o tornar possível.
Aos alunos, aos colegas, aos auxiliares, como a mim próprio, desejo «boas entradas».

José Batista d’Ascenção

domingo, 12 de agosto de 2018

Assédio moral nas escolas

Li com surpresa, nas páginas do jornal «Público» de hoje, as «primeiras conclusões de um estudo sobre mobbing (assédio moral ou psicológico em contexto laboral), do investigador António Portelada, do Centro de Investigação em Educação e Psicologia, da Universidade de Évora».

O editorial, de Manuel Carvalho, também é dedicado ao assunto (e vale muito a pena lê-lo).

Ou o ensino está (ainda) muito pior do que eu o julgo ou a minha escola – uma escola de liberdade, assim a classifico, desde há muito, e eu não sou um lambe-botas - está muito acima do panorama descrito.

Há casos tais que, segundo o autor, «a própria vítima chega a questionar-se se é ela que está a proceder mal”. Mas isto já não é coisa que espante.

José Batista d’Ascenção

sexta-feira, 3 de agosto de 2018

IAVE não tem direitos de autor sobre enunciados de exame

A decisão é dos tribunais (incluindo o Tribunal da Relação de Lisboa) e da Procuradoria-Geral da República, segundo notícia do jornal «Público» de hoje (pág 10)


Imagem do jornal «Público»

Fazia-me impressão a nota que passou a constar no frontispício das provas de exame, que rezava assim:
«Nos termos da lei em vigor, as provas de avaliação externa são obras protegidas pelo Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos. A sua divulgação não suprime os direitos previstos na lei. Assim, é proibida a utilização destas provas, além do determinado na lei ou do permitido pelo IAVE, I. P., sendo expressamente vedada a sua exploração comercial.»
Ainda bem.
Isto, que a mim me parecia insólito, deixa-me uma outra impressão: O IAVE parece ter tanta dificuldade a interpretar os (seus?) direitos consignados na lei, quanto eu tenho dificuldade em entender (a razoabilidade de) certas questões que surgem nas provas e, mais ainda, a originalidade de alguns tópicos exigidos nas respectivas classificações.
E pronto: é tempo de férias. «Silêncio», portanto.

José Batista d’Ascenção

terça-feira, 31 de julho de 2018

Arbitrariedade e inadequação de certos tópicos exigidos na classificação de provas de exame nacional

Um exemplo concreto e infeliz do exame de biologia e geologia (2018, 2ª fase)

O caso que se segue justifica a paciência da análise porque me parece tristemente demonstrativo da necessidade de que alguma coisa se modifique para melhor na elaboração das provas de exame.


No grupo II da prova há três gráficos de barras que mostram o crescimento de três espécies de algas microscópicas de água doce em meios experimentais idênticos com quantidades decrescentes de fosfato, incluindo a concentração zero (ausência de fosfato). As barras têm alturas correspondentes à medida da turbidez da água do meio («densidade ótica») em que as algas crescem. Os valores de densidade ótica são proporcionais à concentração de algas (quantidade de células por unidade de volume do meio). Acontece que as escalas de medida da densidade ótica são diferentes nos três gráficos (de duas em duas centésimas no primeiro, à esquerda, com um certo espaçamento; de décima em décima no segundo, ao centro, com um espaçamento cerca de duas vezes superior ao do primeiro; e de centésima em centésima no terceiro gráfico, à direita, mas com espaçamento igual ao do segundo). Verifica-se também que quando a concentração de fosfato é zero a densidade ótica nos três casos é sensivelmente a mesma, apesar de a altura das barras ser diferente, o que significa que a concentração de cada uma das algas em cada meio é quase igual, ao fim do mesmo tempo. Se tomarmos a concentração mínima de fosfato testada acima de zero, a alga do primeiro gráfico atinge uma concentração três vezes superior à do terceiro (embora a barra respectiva seja menos alta), e a alga do segundo gráfico também é mais concentrada do que a do terceiro. Se tomarmos a segunda concentração menor (acima de zero), novamente verificamos que a alga do terceiro gráfico é a que atinge menor densidade ótica, o que significa que se reproduz menos do que as outras duas.
Porém, se olharmos os gráficos em geral, vemos que nas algas correspondentes aos gráficos um e dois é mais notório o decréscimo de desenvolvimento para menores concentrações de fosfato, enquanto a alga correspondente ao terceiro gráfico tem desenvolvimento mais uniforme, com barras de altura igual para os quatro valores mais altos da concentração de fosfato e as restantes duas, para as concentrações mais baixas de fosfato (uma delas correspondendo à ausência daquele químico), também são iguais entre si, apenas uma centésima abaixo do valor das outras. Há portanto, um só (e ligeiro) desnível entre o conjunto dos seis ensaios. 
Em consequência, a alga do terceiro gráfico mostra claramente uma menor sensibilidade à variação das concentrações de fosfato, na gama testada (a altura das barras é mais igual, por assim dizer).
Surge, no final a pergunta: «Num lago em que se encontram as três espécies de algas, registou-se um decréscimo acentuado da concentração de fosfato. Explique de que modo uma das espécies em estudo pode contribuir, com maior eficácia, para a manutenção do ecossistema. Na sua resposta, tenha em consideração os resultados do estudo e identifique a espécie em causa.»
Esta pergunta pretende que os alunos identifiquem a espécie do terceiro gráfico como a mais importante para a manutenção do ecossistema, porque ela é a menos afectada pela variação da concentração de fosfato (primeiro tópico da resposta). Na segunda parte (segundo tópico) os alunos deveriam referir que as algas realizam a fotossíntese produzindo a matéria orgânica (alimento) necessária para os seres consumidores das cadeias alimentares (aqueles que não realizam a fotossíntese: herbívoros, que comem algas ou plantas, carnívoros que comem herbívoros e/ou carnívoros, etc.).
O problema é este: com os dados disponíveis, o primeiro tópico exigido é questionável (o segundo é legítimo). Porquê? – Porque a produção primária de matéria orgânica (biomassa), através da fotossíntese, é a condição essencial para que os consumidores disponham de alimento. Sem alimento não há cadeias alimentares. Ora, para quaisquer concentrações de fosfato testadas diferentes de zero, as algas do primeiro e do segundo gráfico produzem sempre maior quantidade de biomassa (alimento) do que a alga do terceiro gráfico, embora sejam (muito) mais sensíveis à variação das concentrações de fosfato.
A exigência do primeiro tópico seria legítima se houvesse alguma indicação no texto introdutório sobre eventuais especificidades ou preferências alimentares dos herbívoros, ou se interviessem factores decorrentes de competição entre as algas ou outros quaisquer fenómenos (fisico-químicos e/ou biológicos) que justificassem a escolha pretendida segundo condições específicas previamente apresentadas.
Na ausência total de qualquer indicação nesse sentido, a exigência daquele primeiro tópico da resposta é ilegítima, mesmo havendo alunos que acertam intuitivamente.
Não compreendo por que há-de ser assim.

José Batista d’Ascenção

PS: Esperei pela especificação dos critérios de avaliação da versão de trabalho, que só ontem consegui espreitar (uma vez que não estou a classificar), para escrever este texto. Mas o IAVE nunca corrigiu um erro, que eu saiba, e assim se mantém. Entretanto coloquei a questão a alguém muito competente e habilitado, que concordou comigo.
Mas sei que é esforço inútil. E as férias apagarão forçosamente tudo.

sábado, 28 de julho de 2018

A escuridão da ignorância e o «eclipse» da «Escola Pública»

Imagem obtida aqui
Há cerca de vinte e quatro horas saí de casa na expectativa de que algum dos pontos nas proximidades da cidade, sobre que conversara com a minha companhia, havia de ter suficiente escuridão para uma observação mais interessante do eclipse lunar. Ilusão, a poluição luminosa é um facto em qualquer sítio: se não forem anúncios luminosos, serão ermidas com holofotes ou as luzinhas intensas das mais diversas antenas. Optámos pelo lugar mais alto e mais largo, mas também mais concorrido e com a inconveniência de ter mais luz do que a desejável. Ainda assim, no escurinho possível, eram bastantes as máquinas fotográficas com «zooms» maiores e menores dispostas sobre tripés, apontadas nas mais diversas direcções: parecia que os seus operadores desconheciam a orientação do Nascente e todos esperavam que alguém visse primeiro a lua «cor de sangue».
Logo que o astro surgiu, discreto sobre as copas que se antepunham ao horizonte, algo obstruído por ligeiro «algodão nebuloso», mas com o seu arco completo bem distinguível contra o fundo do céu, todos os olhares se viraram na mesma direcção. Não foi grande o entusiasmo. E as crianças mais pequenas, ao colo dos pais ou pela mão, não só não mostravam interesse, como condicionavam a observação e a troca de impressões entre os adultos por elas responsáveis. Numa ou noutra conversa, percebia-se que havia pessoas que não tinham a percepção correcta do fenómeno que observavam, sendo improvável que todos os que permaneciam em silêncio tivessem esse conhecimento. A Marte, à mesma hora a brilhar no céu, aparentemente ninguém procurava… Poucos minutos depois, a multidão debandava, até porque o fenómeno passou a ser visível de qualquer lugar.
Assim mesmo, gostei de ver tantas pessoas a olhar para o céu num momento tão especial. Os órgãos de comunicação social e as redes virtuais estimularam (e bem) a curiosidade e explicaram o fenómeno devidamente (o que foi bom), mas se o primeiro aspecto teve êxito o segundo não terá tido tanto assim. Acontecimentos deste tipo, ocorrendo em tempos de aulas, deveriam ser aproveitados pelas escolas para sessões de observação e esclarecimento de crianças e jovens, que seguramente se entusiasmariam e facilmente aprenderiam. Mas as nossas escolas tornaram-se espaços de frustração e de tristeza, senão de conflito entre um ministério dito da educação que parece desconfiar dos professores, que ele próprio admitiu no sistema, segundo as suas regras, e sujeitos aos contratos feitos por si, e os docentes; e que parece actuar mais para os perturbar e obrigar a burocracias impraticáveis do que a dar-lhes as condições para que possam trabalhar devidamente. E os professores, conduzidos, nem sempre bem, por sindicatos que se multiplicaram às dezenas, contribuem facilmente (por acção e por omissão) para que os olhares dos agentes da imprensa e das redes digitais se centrem negativamente sobre si próprios em vez de incidirem sobre a falta de condições a que os sujeitam. Pelo meio há os alunos e os seus pais, os quais, no centro de tanta confusão e de tantas falhas de procedimentos e de resultados, tendem, em muitos casos, a não apoiar os (seus) professores. Ora, sem professores que sintam entusiasmo perante os (seus) alunos e sem alunos que sintam apreço pelos (seus) professores e (algum) gosto pelas suas aulas e pela frequência da escola, não há verdadeiro sistema de ensino.
Mas entre nós, e muito por culpa do ministério, nem sequer se consegue obter consenso sobre as «aprendizagens essenciais» que sejam isso mesmo, aprendizagens fundamentais no percurso formativo dos alunos. Quanto mais sobre a maneira de as conseguir.
Por muitos motivos, assistimos uma espécie de eclipse progressivo da imagem, do prestígio e, o que é pior, da eficiência da Escola Pública.
O que é absolutamente inaceitável.

José Batista d’Ascenção

segunda-feira, 23 de julho de 2018

Exame de biologia e geologia da 2ª fase, em duas palavras

Calhou-me estar de «delegado à prova». Resolvi-a em cerca de hora e meia. Pareceu-me mais indirecta do que a da 1ª fase, com algumas subtilizas dispensáveis, por desnecessário, tendo em vista a intenção subjacente. Os alunos mais fracos ou menos preparados falham de qualquer maneira e os mais bem preparados não carecem de rasteiras que pouco atestam sobre as suas capacidades. Não gosto destes exames. Se eu mandasse, as equipas que os têm feito, desde 2006 para cá, seriam dispensadas e os seus elementos mandados para as escolas, a fim de darem umas aulitas. Não se pode, no entanto, dizer que o exame de hoje fuja ao âmbito dos programas (dois de geologia, um de 10º e o outro de 11º ano, e dois de biologia, um de 10º e o outro de 11º ano).
No final, quatro alunos (meus) que encontrei disseram que sim, que lhes correu razoavelmente. Fiquei com (as minhas) dúvidas.
Oxalá esteja enganado.

José Batista d’Ascenção.

quinta-feira, 19 de julho de 2018

«Aprendizagens essenciais» orientadas para o «perfil do aluno» ou chover no molhado?

Só hoje reuni paciência para ler «o documento para consulta pública» relativo às «aprendizagens essenciais» dos conteúdos dos programas de biologia e geologia em vigor para o 10º ano de escolaridade, face às «áreas de competências do Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória que se pretendem desenvolver.»
A gente lê e pasma. Este programa, sobretudo na parte de biologia, é um programa que os professores não conseguem cumprir facilmente, devido a problemas de articulação, de sequenciação (cada unidade de conteúdo não se relaciona directamente com as seguintes nem com as precedentes, o que também se aplica, com a restrição adequada, à primeira e à última), de extensão e de (des)actualização, mas que os docentes também não têm por hábito denunciar, eles mesmo e as organizações que os representam (e de que me excluo), preferindo antes elogiar-lhe a «estabilidade». Pois a elencagem das aprendizagens essenciais agora sugeridas mantém quase todos os conteúdos, mas sem definição adequada e precisa. Por exemplo, recomenda-se «explicar as caraterísticas da Terra e do Sistema Solar (…) com base na Teoria da Nébula Solar», mas fica-se sem saber, especificamente, se se deve ou não (continuar a) fazer a caracterização básica dos principais tipos de meteoritos e a sua significação e importância para a história geológica da Terra.
Onde há basta informação é na coluna (à direita) intitulada «ações estratégicas de ensino orientadas para o perfil dos alunos» e que incluem recomendações deste tipo:
- imaginação de alternativas a uma forma tradicional de abordar uma situação-problema;
- análise de factos, teorias, situações, identificando os seus elementos ou dados;
- respeito por diferenças de características, crenças, culturas ou opiniões; 
- cumprimento de compromissos contratualizados (por exemplo, prazos, organização, extensão, formatos e intervenientes);
Mas que (me) adianta isto?
As pessoas que escrevem estas coisas não terão mais nada que fazer? Vejam lá que eu pensava que em todos os anos que levo de ensino, assim como com todos os profissionais que me antecederam como professores, outras não eram as preocupações e os cuidados que agora fazem parte daquela longa lista. As dificuldades estão, muitas vezes, em encontrar as soluções concretas, coisa que a lista também não sugere nem exemplifica em casos possíveis, o que ninguém, de resto, esperaria. Já era muito que, da parte de quem manda, se optasse por alguma reserva e humildade, que sempre cai bem e anima mais que emblemáticas e entusiásticas (?) recomendações vazias. Assim…
Adiante. Faço um esforço e vejo que nestas «aprendizagens essenciais» está referida a fotossíntese, mas não a quimiossíntese. Será que a quimiossíntese deixou de fazer parte? Na parte (imensa) da regulação dos seres vivos também não vejo referência às «hormonas vegetais» que eram um «castigo» a que os alunos reagiam não estudando essa matéria. Mas será que deixam mesmo de contar?
Contente que eu ficava se alguém esclarecesse!

José Batista d’Ascenção

segunda-feira, 16 de julho de 2018

Que ensino para os alunos com necessidades educativas especiais?

Excertos de um artigo de Luís de Miranda Correia, publicado no jornal «Público» de hoje

Segundo o articulista, com a publicação do decreto-Lei n.º 54/2008, de 6 de Julho, cumpriu-se «o “chiquíssimo” discurso neoliberal centrado na educação do “somos todos iguais”, uma moda refinada que ignora totalmente a “significância da diferença” e tudo o que esta acarreta no que respeita ao sucesso educativo dos alunos com necessidades educativas especiais [NEE]. Uma moda que […] pode traduzir-se numa tragédia com consequências imprevisíveis, trágicas até, para estes alunos.»
A nova lei «afasta a conceção de que “é necessário categorizar para intervir”, afirmando ainda que se procura “garantir que o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória seja atingido por todos”. […] As NEE são ignoradas (excluídas?) como que a parecer uma questão de preferência educativa ou, pior ainda, uma questão em que as “diferenças significativas” são relegadas para segundo plano, equiparando-as a uma qualquer diferença banal, tal como a altura de um indivíduo, a cor do cabelo, as preferências gastronómicas e demais desigualdades triviais» e […] ignora, pura e simplesmente, a multiplicidade de características, distribuídas por categorias, que as NEE englobam, conferindo a cada uma delas uma identidade própria e diferentes graus de severidade. […]
Assim sendo, esta nova Lei, ao tentar tratar todos os alunos de uma mesma forma, não só está a praticar uma discriminação infundada e injusta, como também está a desrespeitar grosseiramente os direitos dos alunos com NEE. […]
Warnock, uma das maiores especialistas nestas matérias a nível mundial, refere […] que este tipo de abordagem à educação de alunos com NEE faz parte da linguagem apelativa da igualdade […] tendo, no entanto, como resultado precisamente o efeito contrário quando não se considera a natureza e a severidade dos problemas que um aluno com NEE possa apresentar. […]
Pese embora alguns aspetos positivos que esta nova Lei incorpora, […] ela parecer sustentar ostensivamente a máxima de que “todos” os alunos beneficiam de uma educação de qualidade quando inseridos numa classe regular (inclusão total).» Diz o autor: «Este posicionamento moral e político, neoliberal, […] parece-me altamente questionável em termos educacionais… […] Não consigo entender como […] um tipo de educação que, segundo a investigação, não tem dado resultados positivos, seja respeitador do que quer que seja. Apenas denota falta de respeito pelos direitos dos alunos com NEE e os de suas famílias.
E a concluir: «A avaliação sobre este assunto efetuada pela Organização Mundial de Saúde, […] afirma que o conceito de “inclusão total” é irrealista, sugerindo uma abordagem muito mais flexível.»

Afixado por José Batista d’Ascenção.