domingo, 23 de setembro de 2018

Programas desactualizados continuam a mandar ensinar mal

Bola de fogo rasgou o céu de Chelyabinsk,
a cerca de 20 km/s. Rússia, 15 Fev. 2013.
Imagem obtida aqui.
Começaram as aulas. Depois de tanta azáfama a elaborar os pobres documentos que delimitam as chamadas «aprendizagens essenciais», no 10º ano de biologia e geologia continuamos com um programa desactualizado e deficientemente articulado, que, nalguns casos, manda ensinar incorrectamente e aborda conceitos de modo irremediavelmente contraditório quando tratados em geologia e em biologia.
A semana que passou lá estive a discutir a Terra enquanto sistema em que a espécie humana é mais uma das muitas que fazem parte da biosfera (nome dado ao conjunto de todos os seres vivos do planeta).
Ora, segundo o programa, o planeta Terra é um sistema fechado, querendo isso significar que troca energia com o exterior (recebe energia do sol e perde calor durante a noite, por exemplo), mas não recebe nem perde matéria, em quantidades significativas, do ou para o espaço.
A justificação desta ideia seria convencer os alunos de que os recursos terrestres são finitos e, por isso, se os consumirmos, não os poderemos ir buscar a qualquer sítio exterior (por exemplo à Lua ou a Marte) ou que, produzindo poluentes de difícil degradação natural, não podemos atirá-los para longe do planeta, sofrendo-lhes necessariamente (de modo directo ou indirecto) os efeitos negativos. Estas noções são, em si mesmas e na sua fundamentação, discutíveis, inúteis e... dispensáveis: é fácil perceber que, se tivéssemos ou viéssemos a ter capacidade tecnológica, seria, no mínimo, falho de ética, imprudente e absurdo atirar com os poluentes para o espaço extraterrestre.
Acontece que, na realidade, o planeta Terra é um sistema aberto (permuta matéria e energia com o espaço exterior. E, neste ponto, convém ter em conta que há alunos que já sabem que massa e energia são interconvertíveis através da notável fórmula de Einstein - Energia é igual ao produto da Massa pelo quadrado da Velocidade da luz), pois que:
- recebe continuamente matéria do espaço, essencialmente sob a forma de poeiras resultantes de pequenas areias meteóricas que entram na atmosfera terrestre e se desintegram pelo atrito. Há cálculos que apontam para centenas de toneladas por dia deste material. Mais esporadicamente, caem na Terra meteoritos de maior ou menor massa e não é improvável que asteroides de dimensão variável atinjam a o nosso planeta, como aconteceu inúmeras vezes no passado, supondo-se que foi o que aconteceu há 65 milhões de anos e levou à extinção dos dinossauros;
Cratera de Barringer. Arizona. EUA.
Resultante do impacto de um meteorito, há cerca de 50 000 anos.
Tem pouco mais de 1 km de diâmetro e cerca de 200 metros de profundidade.
Imagem obtida aqui.
- na alta atmosfera há constante perda para o espaço de átomos leves de hidrogénio e de hélio, que escapam (mais) facilmente à força da gravidade.
Acontece também que o Homem já pisou a Lua e envia sondas para análise de corpos do Sistema Solar e há mesmo engenhos artificiais que continuam a sua viagem no espaço sideral, levando até mensagens para outros (eventuais) habitantes do cosmos. Através das televisões, vimos diversas vezes robôs feitos na Terra deslocando-se e prospectando as rochas na superfície de Marte. Esta é uma realidade que terá cada vez mais desenvolvimento, se o ser humano não puser fim à sua própria existência. Por outro lado, a Terra formou-se e aumentou de tamanho a partir da acreção de planetesimais e protoplanetas que colidiram entre si. E a água dos oceanos foi trazida, em parte, por cometas que colidiram com a Terra. Um dos génios que elucidaram a composição e a estrutura molecular do DNA, Francis Crick, defendia que a vida na Terra se desenvolveu por contaminação provinda do exterior (teoria da panspermia). Ou seja, a Terra, na sua origem e durante a sua evolução, nunca foi nem é nem será um sistema fechado. E como podia, se é um pontinho minúsculo na vastidão do espaço?
Tendo discutido o assunto com esta abertura, uma aluna, colocou(-me) uma questão habitual:
- Professor, e se houver uma questão sobre isto num teste, como devemos responder?
Ao que esclareci:
- Devem responder com fundamentação, porque o que (me) interessa é que saibam e saibam (o) porquê.
Mas a aluna, perspicaz, não desarmou:
- E se a pergunta sair em exame?
Ao que respondi claramente, embora com pesar:
- Se sair, como já saiu, respondem mal, para que a resposta (lhes) seja considerada certa.
E aquela aluna e outros alunos sorriram tristemente, em silêncio.
Mal sabem eles que, por agora, referimos, e bem, a «biosfera» (enquanto conjunto de todos os seres vivos do planeta), como um dos subsistemas da Terra [ao suporte rochoso e ao solo incluímo-los no subsistema a que chamamos «geosfera» e as massas de água sólida e líquida constituem outro subsistema que designamos por «hidrosfera»; o quarto subsistema é a «atmosfera»]. Mas, lá para Janeiro, quando passarmos para o programa de biologia, vamos referir-nos à «biosfera» como o maior dos ecossistemas terrestes. E um ecossistema é, por definição, formado pelo conjunto dos seres vivos (a comunidade biótica ou biocenose) que habitam num determinado meio físico-químico (biótopo) e esse mesmo meio [ecossistema = comunidade biótica + biótopo]. Donde resulta que o mesmo termo se aplica a conceitos diferentes (comunidade biótica, no primeiro caso, e ecossistema, no segundo). Alguns alunos dão por ela. Infelizmente, percebem que o que se aprende nem sempre é para levar a sério.
Mas quem se importa com isso?  

José Batista d’Ascenção

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