quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Professores, esses eternos culpados

Di-lo Santana Castilho, no jornal «Público» de hoje
Imagem da Wikipedia

Cito: «Depois de encontrado o Santo Graal do sucesso (Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória), que irá permitir “preparar os alunos para empregos ainda não criados, para tecnologias ainda não inventadas, para a resolução de problemas que ainda se desconhecem”, com recurso às “aprendizagens essenciais”, às “aprendizagens significativas”, ao “trabalho de projeto” e à “abordagem multinível”, numa palavra, depois da doutrinação sobre a flexibilidade curricular e do cortejo de propostas tontas para transformar a escola num enorme recreio, o [Ministro da Educação] veio regozijar-se com o trabalho dos inspectores. E foi deprimente ver prosa vulgar sobre a decantada questão da inflação das notas internas, para favorecimento dos alunos no processo de ingresso no ensino superior, nos mesmos jornais que criaram e promoveram os rankings e deles fizeram capas e gordos suplementos. Com efeito, um relatório da Inspecção-Geral da Educação e Ciência sobre o tema deu azo na imprensa a variadas glosas. Descontada a ligeireza da maior parte das críticas feitas, […] o que sobrou para o grande público? Que a culpa é dos professores.
[…] Convém clarificar que, por melhor que seja qualquer escola e excelentes os seus professores, nada poderão fazer para combater o desregramento da distribuição da riqueza, que gera a pobreza, que está na origem das desigualdades e do insucesso escolar. […]
Voltámos à narrativa da inutilidade dos chumbos, pelo simplismo discursivo da presidente do CNE: um aluno reprovado custa 6000 euros, ensiná-lo a estudar 87. Que quer isto dizer? Que os alunos chumbam porque os professores não os ensinaram a estudar? Ou, simplesmente, trata-se de reconhecer a inutilidade superveniente das reprovações? A ser assim, porque não a decretam e acaba o folclore?»

Gostava de ter sido eu a escrever os extractos acima.
Grato a Santana Castilho.

José Batista d’Ascenção

segunda-feira, 26 de novembro de 2018

A Escola das «evidências»

Que falha evidentemente
Imagem obtida via Google
Há poucos anos a esta parte, a palavra «evidências» passou a ser muito usada nas escolas. Basicamente, de qualquer acção em que os professores e/ou alunos participassem, deviam ser colhidas «evidências», em muitos casos para que os professores pudessem fundamentar os relatórios de «auto-elogio» obrigatórios para mudarem de escalão, fosse no respeitante à bondade do trabalho que realizaram fosse no que se relaciona com o entusiasmo dos alunos e com a qualidade das suas aprendizagens. E então eram fotografias, notas ou textos em jornais, declarações e certificados e o mais que (já) não me lembra. Era um «enjoo», em certas alturas, testemunhar tanto «folclore» e tanta futilidade e pepineira.
Com o congelamento das carreiras, o negócio das acções de formação esfriou e a sanha das «evidências» viveu uma certa alcalmia benfazeja.
Nos tempos que correm, as perspectivas de descongelamento, ainda que lentas, lentas, lentas e a nova onda pedagógica da «cidadania e desenvolvimento» soltaram os ventos da animação: multiplicam-se os «eventos» e as acções de formação (será que um dos objectivos é reanimar as expectativas dos que «desesperavam» com o desinteresse dos professores?) e de tudo é novamente preciso recolher «evidências».
Pensamos com as palavras. E o léxico de cada época reflecte muito do que se faz e, sobretudo, do modo como se pensa (ou não pensa). Como estou a ler o livro «Por Amor à Língua» de Manuel Monteiro, editado pela «Objectiva», detive-me na palavra «evidências» e nessa outra também muito em voga: «eventos».
Evento é, no dizer de M. Monteiro, um «moderninho anglicismo» usado como «saco onde cabe tudo, e de que não se sentia a falta «para descrever acontecimentos, iniciativas, certames, actividades, exposições, mostras, espectáculos». Desta benéfica diversidade vocabular, criteriosamente utilizada, resultava «precisão informativa», que hoje não temos. Evento «dá para jantares, encontros de antigos alunos, corridas, bailes, noites em discotecas, observação de aves, tertúlias, discussões, colóquios, simpósios, manifestações, acrobacias de golfinhos», para referir mais uns quantos exemplos de M. Monteiro.
O termo ««evidências» é usado com o sentido de «provas» ou «indícios» (evidences)» («utilização do significado de uma palavra do inglês numa palavra portuguesa parecida»). Ora, o significado da palavra evidência, em português, está relacionado com clareza, facilidade de compreensão, visibilidade, exposição aos olhos de todos, salientar-se, chamar a atenção geral, o que pode remeter para exibicionismo, bem ao contrário de discrição, reserva, contenção, recato, modéstia e circunspecção. E destas duas vertentes bem diversas, senão opostas, qual deve ser a predominante em pedagogia, enquanto acção dos professores? Eu não tenho dúvidas em optar pela segunda, pois que, em muitos casos, as qualidades ou procedimentos que pressupõe devem ser a regra de ouro: lidar com problemas do foro íntimo dos alunos, com as suas dificuldades, trabalhar a persistência, a paciência e a resiliência, guardar prudência na relação com os outros, ter moderação nas palavras e nos actos, por exemplo).
Ou seja: é a própria linguagem formal hierárquica que promove um certo «dar nas vistas» devidamente «certificado» e a competição que, consequentemente, daí recorre. Para os professores e, necessariamente, para os alunos. O contrário do que seria desejável. Por outro lado, não é bom caminho limitar a importância ao que é ou parece evidente, em detrimento do que o não é ou não dá essa impressão, porque pode desviar-nos do que é verdadeiramente importante (não é evidente que a Terra é uma esfera que gira em torno de si, contrariando a realidade, como não é ou pode não ser evidente a relação entre a poluição e as modificações do clima). Como diz o povo «as aparências iludem», «nem tudo o que luz é ouro» ou «quem vê caras não vê corações».
Admiramo-nos depois de que tudo funcione tão mal. Como poderia, se nos preocupamos (mais) com o carácter vistoso das «embalagens» do que com a qualidade do «conteúdo»?
E exemplificamos com a pior prática possível.

José Batista d’Ascenção

quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Os chumbos ficam muito caros

Fonte da imagem
Pergunta minha: só em dinheiro?

Espanta-me (cada vez menos) que os estudos que se querem sobre pedagogia acabem traduzidos em dinheiro, mais do que no prejuízo das pessoas que são os alunos, futuros cidadãos adultos do país (prejuízo que suponho monetariamente inquantificável no tempo das suas vidas, pelo menos no estado actual do que chamam «ciências económicas»).
Não me espanta nada que se diga que os números “chamam a atenção por mostrarem que é o próprio sistema de ensino que está desadequado” (como podiam não mostrar?). Também não me espanta nada que não se incida na importância das condições em que muitas famílias vivem no nosso país (veja-se o caso recentíssimo de cinco desgraçados que morreram sob o mesmo tecto em Trás-os-Montes…) e cujas crianças frequentam as escolas em tal estado que a aprendizagem é extremamente difícil (não é por acaso que estas pessoas que fazem estudos e sabem dos remédios todos não estão nas escolas a ensinar e a dar o exemplo de como se faz), porque não é fácil ser pobre (e em Portugal é-o 1/5 da população) e desprotegido e maltratado e miserável e conseguir aprender bem (e isto não desculpa as falhas da organização das escolas nem, obviamente, as deficiências da acção pedagógica dos professores).
Muito curiosa é a referência à aplicação de «estratégias pedagógicas “inovadoras” no âmbito das práticas, gestão de percursos escolares e apoio aos alunos» que os relatórios não especificam. Ora, da experiência e do contacto com a realidade, os protagonistas, quando se exprimem em voz baixa, dizem que se fazem umas coisas em que os alunos continuam a não aprender e a não saber, mas que se lhes atribuem classificações que os aprovam. Aliás, no ensino (dito) básico, o chumbo é burocraticamente muito dificultado, importando pouco se os alunos sabem ou não sabem (o que preocupa é o que se gasta com eles). E o mesmo se diga das faltas às aulas: nalguns casos, elas nem são registadas e por isso o absentismo fica igualmente resolvido. Só maravilhas.
Um pormenor associado ao estudo do Conselho Nacional de Educação, que acabei de ler no jornal «Público», de onde extraí as frases entre aspas deste texto, é o que se refere à influência dos exames no abaixamento das classificações internas dos alunos, especificamente no caso de Biologia e Geologia, que «é a disciplina em que mais alunos são afectados por esta redução: 59,1%» [quando considerada no grupo dos que descem 1 valor]. O senhor director do IAVE devia atentar neste pormenor, e, já agora, a equipa que elabora os exames da disciplina também.
Quanto à eficácia deste estudo, tenho para mim que será igual à de tantos outros, donde, nada me admira que seja mais uma reclamação de mudança para que tudo fique na mesma.
O Professor Galopim de Carvalho fala na necessidade de umas «vassouradas» (é lê-lo…), mas, entre nós, quem manda, prefere metodologias (ia escrever «inovações») mais elaboradas.
Fica escrito. 

José Batista d’Ascenção

segunda-feira, 19 de novembro de 2018

Inflação de notas

Imagem obtida aqui.
Segundo o jornal «Público» de hoje, em artigo de Samuel Silva (páginas 2 e 3), um dos factores usados «para inflacionar as notas dos alunos é o “domínio social e afectivo”», parâmetro «que não tem directamente que ver com a matéria dada. A ponderação desta dimensão (que incluiu o comportamento, a assiduidade e a pontualidade) pode variar, dependendo das escolas ou da disciplina, entre os 5% e os 30% da nota final.» E «os alunos têm muitas vezes a nota máxima sem justificação.»
Esta e outras práticas foram detectadas pela “Inspecção-Geral de Educação e Ciência” (IGEC) «numa “operação de verificação” levada a cabo em 2017 em 12 escolas, entre as quais estão as dez onde, no ano anterior, se tinha verificado um maior desalinhamento entre a nota que os alunos conseguiam dentro do estabelecimento de ensino, atribuída pelos professores (a chamada “nota interna”), e a nota que alcançavam nos exames nacionais. Entre as 12 escolas alvo desta intervenção, dois terços são privadas. A maioria delas (9) está localizada na região norte.»
O artigo refere que o especialista Gil Nata, embora apreciando a acção da inspecção «discorda do critério seguido pela IGEC. Em vez das dez escolas com maiores desalinhamentos registados no ano lectivo 2015/2016, Nata entende que seria mais proveitoso que a intervenção tivesse começado pelos estabelecimentos de ensino onde a inflação de notas internas é “sistemática” e se verifica ao longo de vários anos. Desde que o ME divulga o “indicador do alinhamento das notas”, 11 escolas repetiram sempre, ano após ano, a presença no grupo das maiores inflações de notas, com especial destaque para os colégios privados.»
Da coluna de perguntas e respostas ao lado do artigo, saliento estas:
Pergunta: «Que sanções estão previstas? [para as escolas que inflacionam notas]. Resposta: «Nenhumas. O desalinhamento não tem enquadramento legal e, portanto, a IGEC não pode penalizar as escolas pelo simples facto de encontrar uma prática sistemática de inflação de notas. A Inspecção pode apenas emitir recomendações e aconselhar mudanças de procedimentos.»
Noutro artigo, nas páginas 4 e 5, intitulado «O fenómeno regional de sobreavaliação das notas» a especialista Maria Conceição A. Silva, da «Católica Porto Business School», analisa várias tabelas de dados sobre a matéria, e toda essa análise tem interesse e inspira confiança e objectividade. Dela respigo apenas este pormenor curioso e relevante: «a sobreavaliação de notas é um fenómeno prevalecente no Norte do país, já que no Sul acontece o fenómeno oposto — as escolas tendem a avaliar os seus alunos por baixo.»

Nota adicional:
Os dados mostram que o acesso ao ensino superior não é isento e rigoroso e justo em todos os casos, e que o ensino secundário em vez de formar e preparar alunos está refém dos processos de selecção que talvez devessem caber às universidades. Além disso, o ensino secundário está também transformado num meio de negócio privado, em que o Estado não é inocente, e em que os procedimentos à margem da ética e da justiça não são punidos nem eficazmente travados.
Finalmente: estas conclusões são do autor destas linhas e não dos autores dos artigos de que extraiu algumas citações. 

José Batista d’Ascenção

quinta-feira, 8 de novembro de 2018

Bizarrias burocráticas que arrasam os professores – como e quando podem eles ensinar?

Imagem obtida aqui
Esta semana tive as chamadas reuniões intercalares dos conselhos de turma (formados pelos professores de cada turma, um ou dois representantes dos encarregados de educação, um professor/técnico de educação especial, se necessário, e, eventualmente, um ou dois representantes dos alunos).
Como classicamente, ocupei todas as horas possíveis dos dois últimos fins-de-semana a corrigir os primeiros testes e a coligir informações escritas sobre cada aluno, de cada turma, com o objectivo de (poder) ser maximamente útil naquelas reuniões.
Acontece que preparar e dar aulas, elaborar testes e outros materiais, acompanhar os alunos (nas aulas e nos tempos do horário destinados a apoio), fazer correcções dos elementos escritos de avaliação e disponibilizar oportunamente as informações sobre o comportamento e o aproveitamento dos alunos deixou de ser o fundamental no trabalho dos professores. Há uma onda de loucura que começou a varrer o ensino de baixo para cima e que se espraia agora no ensino secundário, que chega aos docentes em catadupas de «mails» (em qualquer dia da semana e a qualquer hora), se reforça em reuniões, cada vez mais reuniões, para (supostamente) tratar de matérias pedagógicas [que incluem a «flexibilização curricular», a inclusão (tão inclusiva que abrange também as medidas para eventuais problemas de saúde e o apoio à deficiência, que agora não se pode chamar deficiência…), a cidadania, a «educação sexual» e todas as actividades (palestras, visitas de estudo, projectos, etc.) a inserir no (pomposamente designado) «plano curricular de turma». Em todos estes casos (ou noutros) acresce a definição das evidências (que devem ser ostensivamente visíveis, porque se for só o testemunho dos professores não são evidentes) que hão-de demonstrar e justificar os objectivos (formalmente sempre alcançados) de tão vastas acções e diligências] e tudo tem que ser devidamente registado em plataformas digitais, muito completas, e de tal modo definidas que há cada vez mais dúvidas sobre se se trabalha para atingir os objectivos pedagógicos de cada actividade ou para satisfazer os imperativos, as exigências e os prazos de tão excelsos suportes informáticos.
Entretanto, nas reuniões podem surgir guiões e impressos e mais impressos em papel, com campos e quadros e tabelas em que cada professor deve fornecer ao director de turma as suas sugestões ou propostas de participação com as inerentes (e indispensáveis) especificações. Um dos documentos que nos coube analisar foi o «plano de monitorização da aprendizagem», uma «obra-prima» com uma imensa lista de itens (identificados por siglas: A11, B6, C1, etc.) distribuídos por várias categorias (por exemplo «acomodação curricular» ou «diferenciação pedagógica», entre outras) capaz de arruinar qualquer docente mais diligente que, procurando servir-se dele, tente não deixar nenhum aluno por incluir. A lista é tão completa que tem função universal, e por isso as medidas se chamam universais. O que significa que há outras, de tipo selectivo e específico até ao sucesso garantido. Pena que não se conheça metodologia boa para cumprir directrizes abstrusamente perfeitas, eventualmente inaplicáveis e limitadoras da função principal de qualquer profissional, por arrasamento e desmoralização.
Aqueles antiquados que ainda supõem que um professor tem que estudar e saber muito (muito mais do que os alunos) e ter capacidade de ensinar (um verbo proscrito, até ou fundamentalmente nas escolas) precisam de ser continuamente preparados, para o que não faltam acções de formação e propaganda. Reuniões de professores intermináveis e inconclusivas, que são prejudiciais muito para além da mera esterilidade, e solicitações (normalmente em cima da hora) para cumprir os mais diversos e (artificiais) requisitos (que nunca são os de dar prioridade ao que em tempos foi o trabalho fundamental dos docentes) talvez sejam o melhor método de acelerar a «reciclagem» completa (e definitiva) dos professores.
Mas ninguém - porque os professores não são ninguém - parece dar por nada.

José Batista d’Ascenção