terça-feira, 31 de julho de 2018

Arbitrariedade e inadequação de certos tópicos exigidos na classificação de provas de exame nacional

Um exemplo concreto e infeliz do exame de biologia e geologia (2018, 2ª fase)

O caso que se segue justifica a paciência da análise porque me parece tristemente demonstrativo da necessidade de que alguma coisa se modifique para melhor na elaboração das provas de exame.


No grupo II da prova há três gráficos de barras que mostram o crescimento de três espécies de algas microscópicas de água doce em meios experimentais idênticos com quantidades decrescentes de fosfato, incluindo a concentração zero (ausência de fosfato). As barras têm alturas correspondentes à medida da turbidez da água do meio («densidade ótica») em que as algas crescem. Os valores de densidade ótica são proporcionais à concentração de algas (quantidade de células por unidade de volume do meio). Acontece que as escalas de medida da densidade ótica são diferentes nos três gráficos (de duas em duas centésimas no primeiro, à esquerda, com um certo espaçamento; de décima em décima no segundo, ao centro, com um espaçamento cerca de duas vezes superior ao do primeiro; e de centésima em centésima no terceiro gráfico, à direita, mas com espaçamento igual ao do segundo). Verifica-se também que quando a concentração de fosfato é zero a densidade ótica nos três casos é sensivelmente a mesma, apesar de a altura das barras ser diferente, o que significa que a concentração de cada uma das algas em cada meio é quase igual, ao fim do mesmo tempo. Se tomarmos a concentração mínima de fosfato testada acima de zero, a alga do primeiro gráfico atinge uma concentração três vezes superior à do terceiro (embora a barra respectiva seja menos alta), e a alga do segundo gráfico também é mais concentrada do que a do terceiro. Se tomarmos a segunda concentração menor (acima de zero), novamente verificamos que a alga do terceiro gráfico é a que atinge menor densidade ótica, o que significa que se reproduz menos do que as outras duas.
Porém, se olharmos os gráficos em geral, vemos que nas algas correspondentes aos gráficos um e dois é mais notório o decréscimo de desenvolvimento para menores concentrações de fosfato, enquanto a alga correspondente ao terceiro gráfico tem desenvolvimento mais uniforme, com barras de altura igual para os quatro valores mais altos da concentração de fosfato e as restantes duas, para as concentrações mais baixas de fosfato (uma delas correspondendo à ausência daquele químico), também são iguais entre si, apenas uma centésima abaixo do valor das outras. Há portanto, um só (e ligeiro) desnível entre o conjunto dos seis ensaios. 
Em consequência, a alga do terceiro gráfico mostra claramente uma menor sensibilidade à variação das concentrações de fosfato, na gama testada (a altura das barras é mais igual, por assim dizer).
Surge, no final a pergunta: «Num lago em que se encontram as três espécies de algas, registou-se um decréscimo acentuado da concentração de fosfato. Explique de que modo uma das espécies em estudo pode contribuir, com maior eficácia, para a manutenção do ecossistema. Na sua resposta, tenha em consideração os resultados do estudo e identifique a espécie em causa.»
Esta pergunta pretende que os alunos identifiquem a espécie do terceiro gráfico como a mais importante para a manutenção do ecossistema, porque ela é a menos afectada pela variação da concentração de fosfato (primeiro tópico da resposta). Na segunda parte (segundo tópico) os alunos deveriam referir que as algas realizam a fotossíntese produzindo a matéria orgânica (alimento) necessária para os seres consumidores das cadeias alimentares (aqueles que não realizam a fotossíntese: herbívoros, que comem algas ou plantas, carnívoros que comem herbívoros e/ou carnívoros, etc.).
O problema é este: com os dados disponíveis, o primeiro tópico exigido é questionável (o segundo é legítimo). Porquê? – Porque a produção primária de matéria orgânica (biomassa), através da fotossíntese, é a condição essencial para que os consumidores disponham de alimento. Sem alimento não há cadeias alimentares. Ora, para quaisquer concentrações de fosfato testadas diferentes de zero, as algas do primeiro e do segundo gráfico produzem sempre maior quantidade de biomassa (alimento) do que a alga do terceiro gráfico, embora sejam (muito) mais sensíveis à variação das concentrações de fosfato.
A exigência do primeiro tópico seria legítima se houvesse alguma indicação no texto introdutório sobre eventuais especificidades ou preferências alimentares dos herbívoros, ou se interviessem factores decorrentes de competição entre as algas ou outros quaisquer fenómenos (fisico-químicos e/ou biológicos) que justificassem a escolha pretendida segundo condições específicas previamente apresentadas.
Na ausência total de qualquer indicação nesse sentido, a exigência daquele primeiro tópico da resposta é ilegítima, mesmo havendo alunos que acertam intuitivamente.
Não compreendo por que há-de ser assim.

José Batista d’Ascenção

PS: Esperei pela especificação dos critérios de avaliação da versão de trabalho, que só ontem consegui espreitar (uma vez que não estou a classificar), para escrever este texto. Mas o IAVE nunca corrigiu um erro, que eu saiba, e assim se mantém. Entretanto coloquei a questão a alguém muito competente e habilitado, que concordou comigo.
Mas sei que é esforço inútil. E as férias apagarão forçosamente tudo.

sábado, 28 de julho de 2018

A escuridão da ignorância e o «eclipse» da «Escola Pública»

Imagem obtida aqui
Há cerca de vinte e quatro horas saí de casa na expectativa de que algum dos pontos nas proximidades da cidade, sobre que conversara com a minha companhia, havia de ter suficiente escuridão para uma observação mais interessante do eclipse lunar. Ilusão, a poluição luminosa é um facto em qualquer sítio: se não forem anúncios luminosos, serão ermidas com holofotes ou as luzinhas intensas das mais diversas antenas. Optámos pelo lugar mais alto e mais largo, mas também mais concorrido e com a inconveniência de ter mais luz do que a desejável. Ainda assim, no escurinho possível, eram bastantes as máquinas fotográficas com «zooms» maiores e menores dispostas sobre tripés, apontadas nas mais diversas direcções: parecia que os seus operadores desconheciam a orientação do Nascente e todos esperavam que alguém visse primeiro a lua «cor de sangue».
Logo que o astro surgiu, discreto sobre as copas que se antepunham ao horizonte, algo obstruído por ligeiro «algodão nebuloso», mas com o seu arco completo bem distinguível contra o fundo do céu, todos os olhares se viraram na mesma direcção. Não foi grande o entusiasmo. E as crianças mais pequenas, ao colo dos pais ou pela mão, não só não mostravam interesse, como condicionavam a observação e a troca de impressões entre os adultos por elas responsáveis. Numa ou noutra conversa, percebia-se que havia pessoas que não tinham a percepção correcta do fenómeno que observavam, sendo improvável que todos os que permaneciam em silêncio tivessem esse conhecimento. A Marte, à mesma hora a brilhar no céu, aparentemente ninguém procurava… Poucos minutos depois, a multidão debandava, até porque o fenómeno passou a ser visível de qualquer lugar.
Assim mesmo, gostei de ver tantas pessoas a olhar para o céu num momento tão especial. Os órgãos de comunicação social e as redes virtuais estimularam (e bem) a curiosidade e explicaram o fenómeno devidamente (o que foi bom), mas se o primeiro aspecto teve êxito o segundo não terá tido tanto assim. Acontecimentos deste tipo, ocorrendo em tempos de aulas, deveriam ser aproveitados pelas escolas para sessões de observação e esclarecimento de crianças e jovens, que seguramente se entusiasmariam e facilmente aprenderiam. Mas as nossas escolas tornaram-se espaços de frustração e de tristeza, senão de conflito entre um ministério dito da educação que parece desconfiar dos professores, que ele próprio admitiu no sistema, segundo as suas regras, e sujeitos aos contratos feitos por si, e os docentes; e que parece actuar mais para os perturbar e obrigar a burocracias impraticáveis do que a dar-lhes as condições para que possam trabalhar devidamente. E os professores, conduzidos, nem sempre bem, por sindicatos que se multiplicaram às dezenas, contribuem facilmente (por acção e por omissão) para que os olhares dos agentes da imprensa e das redes digitais se centrem negativamente sobre si próprios em vez de incidirem sobre a falta de condições a que os sujeitam. Pelo meio há os alunos e os seus pais, os quais, no centro de tanta confusão e de tantas falhas de procedimentos e de resultados, tendem, em muitos casos, a não apoiar os (seus) professores. Ora, sem professores que sintam entusiasmo perante os (seus) alunos e sem alunos que sintam apreço pelos (seus) professores e (algum) gosto pelas suas aulas e pela frequência da escola, não há verdadeiro sistema de ensino.
Mas entre nós, e muito por culpa do ministério, nem sequer se consegue obter consenso sobre as «aprendizagens essenciais» que sejam isso mesmo, aprendizagens fundamentais no percurso formativo dos alunos. Quanto mais sobre a maneira de as conseguir.
Por muitos motivos, assistimos uma espécie de eclipse progressivo da imagem, do prestígio e, o que é pior, da eficiência da Escola Pública.
O que é absolutamente inaceitável.

José Batista d’Ascenção

segunda-feira, 23 de julho de 2018

Exame de biologia e geologia da 2ª fase, em duas palavras

Calhou-me estar de «delegado à prova». Resolvi-a em cerca de hora e meia. Pareceu-me mais indirecta do que a da 1ª fase, com algumas subtilizas dispensáveis, por desnecessário, tendo em vista a intenção subjacente. Os alunos mais fracos ou menos preparados falham de qualquer maneira e os mais bem preparados não carecem de rasteiras que pouco atestam sobre as suas capacidades. Não gosto destes exames. Se eu mandasse, as equipas que os têm feito, desde 2006 para cá, seriam dispensadas e os seus elementos mandados para as escolas, a fim de darem umas aulitas. Não se pode, no entanto, dizer que o exame de hoje fuja ao âmbito dos programas (dois de geologia, um de 10º e o outro de 11º ano, e dois de biologia, um de 10º e o outro de 11º ano).
No final, quatro alunos (meus) que encontrei disseram que sim, que lhes correu razoavelmente. Fiquei com (as minhas) dúvidas.
Oxalá esteja enganado.

José Batista d’Ascenção.

quinta-feira, 19 de julho de 2018

«Aprendizagens essenciais» orientadas para o «perfil do aluno» ou chover no molhado?

Só hoje reuni paciência para ler «o documento para consulta pública» relativo às «aprendizagens essenciais» dos conteúdos dos programas de biologia e geologia em vigor para o 10º ano de escolaridade, face às «áreas de competências do Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória que se pretendem desenvolver.»
A gente lê e pasma. Este programa, sobretudo na parte de biologia, é um programa que os professores não conseguem cumprir facilmente, devido a problemas de articulação, de sequenciação (cada unidade de conteúdo não se relaciona directamente com as seguintes nem com as precedentes, o que também se aplica, com a restrição adequada, à primeira e à última), de extensão e de (des)actualização, mas que os docentes também não têm por hábito denunciar, eles mesmo e as organizações que os representam (e de que me excluo), preferindo antes elogiar-lhe a «estabilidade». Pois a elencagem das aprendizagens essenciais agora sugeridas mantém quase todos os conteúdos, mas sem definição adequada e precisa. Por exemplo, recomenda-se «explicar as caraterísticas da Terra e do Sistema Solar (…) com base na Teoria da Nébula Solar», mas fica-se sem saber, especificamente, se se deve ou não (continuar a) fazer a caracterização básica dos principais tipos de meteoritos e a sua significação e importância para a história geológica da Terra.
Onde há basta informação é na coluna (à direita) intitulada «ações estratégicas de ensino orientadas para o perfil dos alunos» e que incluem recomendações deste tipo:
- imaginação de alternativas a uma forma tradicional de abordar uma situação-problema;
- análise de factos, teorias, situações, identificando os seus elementos ou dados;
- respeito por diferenças de características, crenças, culturas ou opiniões; 
- cumprimento de compromissos contratualizados (por exemplo, prazos, organização, extensão, formatos e intervenientes);
Mas que (me) adianta isto?
As pessoas que escrevem estas coisas não terão mais nada que fazer? Vejam lá que eu pensava que em todos os anos que levo de ensino, assim como com todos os profissionais que me antecederam como professores, outras não eram as preocupações e os cuidados que agora fazem parte daquela longa lista. As dificuldades estão, muitas vezes, em encontrar as soluções concretas, coisa que a lista também não sugere nem exemplifica em casos possíveis, o que ninguém, de resto, esperaria. Já era muito que, da parte de quem manda, se optasse por alguma reserva e humildade, que sempre cai bem e anima mais que emblemáticas e entusiásticas (?) recomendações vazias. Assim…
Adiante. Faço um esforço e vejo que nestas «aprendizagens essenciais» está referida a fotossíntese, mas não a quimiossíntese. Será que a quimiossíntese deixou de fazer parte? Na parte (imensa) da regulação dos seres vivos também não vejo referência às «hormonas vegetais» que eram um «castigo» a que os alunos reagiam não estudando essa matéria. Mas será que deixam mesmo de contar?
Contente que eu ficava se alguém esclarecesse!

José Batista d’Ascenção

segunda-feira, 16 de julho de 2018

Que ensino para os alunos com necessidades educativas especiais?

Excertos de um artigo de Luís de Miranda Correia, publicado no jornal «Público» de hoje

Segundo o articulista, com a publicação do decreto-Lei n.º 54/2008, de 6 de Julho, cumpriu-se «o “chiquíssimo” discurso neoliberal centrado na educação do “somos todos iguais”, uma moda refinada que ignora totalmente a “significância da diferença” e tudo o que esta acarreta no que respeita ao sucesso educativo dos alunos com necessidades educativas especiais [NEE]. Uma moda que […] pode traduzir-se numa tragédia com consequências imprevisíveis, trágicas até, para estes alunos.»
A nova lei «afasta a conceção de que “é necessário categorizar para intervir”, afirmando ainda que se procura “garantir que o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória seja atingido por todos”. […] As NEE são ignoradas (excluídas?) como que a parecer uma questão de preferência educativa ou, pior ainda, uma questão em que as “diferenças significativas” são relegadas para segundo plano, equiparando-as a uma qualquer diferença banal, tal como a altura de um indivíduo, a cor do cabelo, as preferências gastronómicas e demais desigualdades triviais» e […] ignora, pura e simplesmente, a multiplicidade de características, distribuídas por categorias, que as NEE englobam, conferindo a cada uma delas uma identidade própria e diferentes graus de severidade. […]
Assim sendo, esta nova Lei, ao tentar tratar todos os alunos de uma mesma forma, não só está a praticar uma discriminação infundada e injusta, como também está a desrespeitar grosseiramente os direitos dos alunos com NEE. […]
Warnock, uma das maiores especialistas nestas matérias a nível mundial, refere […] que este tipo de abordagem à educação de alunos com NEE faz parte da linguagem apelativa da igualdade […] tendo, no entanto, como resultado precisamente o efeito contrário quando não se considera a natureza e a severidade dos problemas que um aluno com NEE possa apresentar. […]
Pese embora alguns aspetos positivos que esta nova Lei incorpora, […] ela parecer sustentar ostensivamente a máxima de que “todos” os alunos beneficiam de uma educação de qualidade quando inseridos numa classe regular (inclusão total).» Diz o autor: «Este posicionamento moral e político, neoliberal, […] parece-me altamente questionável em termos educacionais… […] Não consigo entender como […] um tipo de educação que, segundo a investigação, não tem dado resultados positivos, seja respeitador do que quer que seja. Apenas denota falta de respeito pelos direitos dos alunos com NEE e os de suas famílias.
E a concluir: «A avaliação sobre este assunto efetuada pela Organização Mundial de Saúde, […] afirma que o conceito de “inclusão total” é irrealista, sugerindo uma abordagem muito mais flexível.»

Afixado por José Batista d’Ascenção.

sábado, 14 de julho de 2018

Ignorância arrogante, ainda sobre exames nacionais

Quem anda pelas escolas está acostumado a lidar com as mais diversas maneiras de proceder dos jovens dos nossos dias. Todas elas próprias da idade e da educação que tiveram (ou não), tanto podem surpreender-nos pela positiva como descer a um nível que, apesar de tudo, não julgaríamos possível.
Na tarde de ontem pude testemunhar os dois extremos. Fui à escola a pedido de uma aluna (minha) que pretendia rever a sua prova de biologia e geologia a fim de ponderar um eventual pedido de reapreciação. Boa aluna, ouviu com atenção a minha opinião sobre as várias questões analisadas, percebeu onde falhou e pôde verificar que o seu dezassete foi justamente atribuído pelo(a) classificador(a). Finda a análise não escondeu o seu lindo sorriso e pronunciou uma palavra de agradecimento franco. Deu gosto esclarecê-la.
A meio desse trabalho, aproximara-se uma funcionária para comunicar que um aluno que fora a exame como externo vinha solicitar a disponibilidade de algum professor que lhe revisse a sua prova para o mesmo efeito.
Atendido a seguir, explicadas as questões em que errara e a justeza das classificações atribuídas, o rapaz demorava-se nas respostas «abertas», querendo ver no que escreveu – e que tão malzinho estava! – a cabal resolução das perguntas. Uma colega minha, da mesma disciplina, que ocupava uma mesa ao lado, na mesma tarefa, com um aluno seu, logo que terminou juntou-se-me solidariamente para melhor podermos analisar a prova que eu tinha entre mãos. Mas não surtiu melhor efeito o esforço de nós ambos em fazer entender eficazmente àquela alma que um discurso «alternativo» e vago em vez da linguagem precisa e rigorosa da ciência não constitui qualquer resposta aceitável ao que se exige. Exemplificando: pretendia o aluno que expressões como «o ”relaxe” de uma placa» (litosférica) sujeita a pressões é o mesmo que ultrapassagem do limite de elasticidade das rochas e consequente rotura ou que «minas invasivas» pode equivaler a risco geológico estrutural de colapso ou deformação do terreno sobre galerias, entre outras afirmações do mesmo calibre…
Quando lhe dissemos que, em nosso entender, a prova estava bem classificada, invocou ser um aluno de mérito, ter tido altas classificações nas disciplinas de 12º ano não sujeitas a exame (dando como exemplo o seu dezanove à disciplina anual de biologia), que os exames não avaliam nada, como o caso dele demonstrava, e que deviam acabar.
Não o contestámos. O nosso trabalho estava feito. O dez que constava na sua prova pareceu-nos rigorosamente justo.
Aquele aluno seguiu-se uma outra aluna que também foi a exame como externa, e foi fácil e agradável esclarecê-la: o seu dezassete era o que devia ser, por não haver erros de classificação.
No final, em breve comentário com a colega, não pudemos deixar de referir os tempos que vivemos e eficácia que a Escola pode ter na (boa) formação dos jovens. Como é possível haver jovens que terminam o 12º ano com egos tão injustificadamente dilatados?
E comigo, em silêncio, enquanto me dirigia para o carro, reforçava a ideia de que os exames (bem feitos) são mesmo necessários. Pelas razões expostas e por outras.

José Batista d’Ascenção.

terça-feira, 10 de julho de 2018

Critérios de classificação do exame nacional de biologia e geologia (da 1ª fase 2018) – o bom-senso desejável e o rigorismo dispensável

Este ano, quando resolvi o exame nacional de biologia e geologia da 1ª fase (em 26 de Junho), o que fiz pouco depois da realização da prova, senti alívio e conforto. E pensei: os alunos vão subir as classificações relativamente aos anos anteriores, se os critérios não trouxerem surpresas.
Logo que pude consultar os critérios de classificação, senti novo alívio. E pensei, com alegria: os alunos vão subir as classificações.
No dia seguinte fui buscar provas para classificar. Couberam-me, a mim como aos meus pares de escola, cinquenta exemplares. São muitas provas (que deviam ser distribuídas por mais classificadores), mas o período de «correcção» foi suficientemente largo para permitir um trabalho minucioso (na aplicação dos critérios e no preenchimento da pauta, de dimensão e particularidades exageradas – para quê ter que preencher com zeros as células de duas colunas correspondentes à ausência de erros que a maioria dos alunos não comete?), que exige muita paciência e serenidade.
Vistas as questões de resposta redigida, primeiro, e registadas as dúvida a esclarecer, e verificadas as perguntas objectivas da prova, continuei a sentir que os resultados, genericamente, subiriam.
Os supervisores (dois, este ano, para diferentes questões) responderam às dúvidas colocadas com prontidão, nuns casos emitindo a sua opinião e noutros recomendando a espera pela necessária concertação global. Como a interacção com os supervisores se faz através de uma plataforma informática, podem agregar-se muitos professores (entre 90 e 135!), de quaisquer zonas do país, aos mesmos supervisores. Não sei se se ganha muito em «fiabilidade», mas sei que é difícil e pouco confortável e pouco útil, pelo menos para mim, interagir com um número excessivo de professores em tarefas classificativas (muito além dos 15-20 que eu acharia desejável). E o mais desagradável é não limitar as interacções à plataforma, onde cada qual entra quanto quer, despejando de seguida, no «mail» de cada classificador, uma contínua e horrível enxurrada de mensagens: uma por cada intervenção dos supervisores ou dos classificadores.
Em cinco de Julho debrucei-me sobre a síntese das especificações à versão prévia («versão de trabalho») dos critérios de classificação. E aí esfriaram as minhas expectativas relativamente à hipotética melhoria das classificações dos alunos, com certos rigorismos que, nalguns casos, escapam ao meu entendimento. Por exemplo:
- «Em alternativa a “movimento da rocha”, aceita-se “movimento da placa”», mas penaliza-se a «referência “a placa é sacudida” em alternativa a “movimento da rocha”». Ora, parece-me a mim que o termo “sacudida” até está muito bem para expressar a ideia de movimento brusco de blocos rochosos originador de um sismo…
- «Não aceitar a referência a “complexidade celular” em alternativa a “tipo de células” ou a “nível de organização celular”. Não aceitar? Será que a generalidade dos investigadores de ponta na área tem os mesmos pruridos de linguagem?...
- «Não aceitar a referência a “tipo de alimentação” como alternativa a “modo de nutrição”.» Como se trata, tal como no exemplo anterior, de um critério de classificação de seres vivos, (segundo Whittaker) dos anos setenta do século passado, considerado desactualizado pelos taxonomistas posteriores, sem falar no sentido etimológico dos termos, isto pode dar lugar a confusão (que os supervisores se esforçaram estoicamente por esclarecer até à véspera da entrega das provas, saliente-se).
Enfim, são pontinhos que muitos alunos podem perder e que colocarão as médias mais próximo das de anos anteriores, assim como as taxas de reprovação, que em alguns anos foram dignas de lástima.
E não havia necessidade. Melhor seria compensar o esforço de tantos alunos e a dedicação dos seus professores. 

José Batista d’Ascenção.

sexta-feira, 6 de julho de 2018

AINDA A DEGRADAÇÃO DO ENSINO EM PORTUGAL

Texto amavelmente cedido pelo Professor Galopim de Carvalho, que aqui se publica com sentido agradecimento
Começo por dizer que não estou só nesta afirmação. Há pouco mais de um ano, o Primeiro Ministro António Costa, na cerimónia de entrega do Prémio Manuel António da Mota, no Palácio da Bolsa, no Porto, disse, preto no branco: “De uma vez por todas, o país tem de compreender que o maior défice que temos não é o das finanças. O maior défice que temos é o défice que acumulámos de ignorância, de desconhecimento, de ausência de educação, de ausência de formação e de ausência de preparação”. 

Como já escrevi, à semelhança do que se passou com a Primeira República, a classe política, no seu todo, a quem os Capitães de Abril, há 44 anos, generosa, honradamente e de “mão beijada”, entregaram os nossos destinos, mais interessada nas lutas pelo poder, esqueceu-se completamente de facultar aos cidadãos civismo, cultura democrática e cultura humanística. Entre os sectores da vida nacional que nada beneficiaram com esta abertura à democracia está a Educação. E, aqui, a ESCOLA FALHOU COMPLETAMENTE.

As muitas dezenas de comentários, desencadeados pelos meus escritos no Facebook sobre este tema, suscitaram um muito interessante debate, que me ajudou a consolidar a minha opinião sobre um grave problema que nos atinge e que urge enfrentar. 

É, pois, minha convicção que:
Como no antigamente, a par de bons, muito bons e excelentes professores, muitos deles desmotivados, há outros, francamente maus, instalados na confortável situação de emprego garantido até à reforma. 

A preparação científica e pedagógica dos professores não pode deixar de ser devida e profundamente avaliada, através de processos de avaliação a sério, criteriosamente regulados, por avaliadores devidamente credenciados.

Os sindicatos, nivelando, por igual, os bons e os maus professores, têm grande responsabilidade numa parte importante da degradação do nosso ensino público.

Os professores têm de saber muito mais do que o estipulado no programa da disciplina que devem ter por missão ensinar, não se podendo limitar a meros transmissores dos manuais de ensino. 

Os professores necessitam absolutamente de tempo, e tempo é coisa que, no presente, não têm. É, pois, essencial libertá-los de todas as tarefas que não sejam as de ensinar.

É necessário e urgente repor, como inerência de cargo, a dignificação e o respeito pelo professor, duas condições que lhes foram retiradas com o advento da liberdade que os militares de Abril nos ofereceram e que a democracia não soube aproveitar.

É necessário e urgente que a Escola recupere todas as competências fundamentais à disciplina, aqui entendida como a obrigatoriedade de respeitar as normas estabelecidas democraticamente, o que evita o autoritarismo, conferindo a autoridade a quem a deve ter.

É necessário e urgente rever toda a política dos manuais de ensino, em especial no que diz respeito à creditação científica e pedagógica dos autores e revisores.

É preciso repensar a política de exames, a começar pela creditação científica e pedagógica dos professores escolhidos para conceber e redigir os questionários.

É necessário resolver o gravíssimo problema da colocação de professores, com vidas insuportáveis material e emocionalmente, a dezenas de quilómetros de casa, separados das famílias;

A remuneração dos professores tem de ser compatível com a sua superior importância na sociedade.

É preciso e urgente que o Ministério da Educação se torne numa das principais preocupações dos governos, não só na escolha dos titulares, como nas respectivas dotações orçamentais.

É urgente olhar para a realidade do nosso ensino e haver vontade e força política (despida de constrangimentos partidários), ao estilo de um “ACORDO DE REGIME”, capaz de promover uma profunda avaliação e consequente reformulação desta nossa “máquina ministerial”, poderosa e, de há muito, instalada.

Lisboa 5 de julho de 2018
A. M. Galopim de Carvalho