quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

As escolas públicas (afinal) preparam melhor os alunos do que as escolas privadas

Professsor Luís Aguiar-Conraria. Imagem do «Público».
O título deste texto não é da sua autoria.
Sob o título «Para lá dos exames, que escolas preparam melhor os alunos? As privadas ou as públicas?» Luís Aguiar-Conraria, economista professor da Universidade do Minho refere, em artigo publicado no jornal Público de ontem (na página 6 da versão impressa), o seguinte: 
«Maria Conceição Silva (professora na Católica Porto Business School), Ana Camacho e Flávia Barbosa (professoras na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto) publicaram, há dois meses, na revista Omega — uma das melhores revistas internacionais na área de investigação operacional e de ciências de gestão —, um trabalho em que fazem um ranking alternativo das escolas secundárias. A originalidade desse ranking, por comparação com os que anualmente vários jornais fazem, é que, em vez de considerarem as notas dos alunos nos exames nacionais, analisam a sua performance no primeiro ano da universidade. Como as autoras dizem, o objectivo das escolas secundárias não é, ou não devia ser, apenas, o de preparar os alunos para os exames nacionais, mas também o de os preparar para ter sucesso no curso que escolherem, bem como no resto da sua vida. Ao avaliarem a performance do aluno no primeiro ano, através de três indicadores (o número de cadeiras feitas, as notas que tiram e a percentagem de estudantes que faz parte da elite do curso), avaliam, parcialmente, a segunda vertente. Os resultados a que as autoras chegam chocam pelo contraste: o ranking das escolas feito com base nas notas que os seus estudantes tiveram nos exames não tem qualquer relação com o ranking feito com base na performance dos estudantes do 1.º ano da universidade. Quando digo que não tem nada que ver, estou a pecar por defeito. Na verdade, a correlação entre os dois rankings é mesmo negativa! Por exemplo, entre as escolas que estão no top 5 dos rankings obtidos a partir dos exames nacionais, duas estão também entre as cinco piores quando se analisa a performance dos seus ex-alunos na universidade»
[…]
«Usando como critério as notas dos exames nacionais, as cinco melhores escolas da amostra são privadas e as cinco piores são públicas. Usando como critério a performance dos alunos do 1.º ano da universidade, as cinco melhores são públicas e as cinco piores são privadas.»

Na realidade, estes dados não chocam toda a gente. Por um lado, a Universidade do Porto já tinha produzido outros estudos a demonstrar o mesmo. Por outro lado, os professores do ensino secundário, entre muitas outras pessoas, também sabem que não se devem ensinar os alunos como quem «treina animais de circo». Os exames são úteis e necessários, mas não podem ser um fim absoluto ou único da aprendizagem dos alunos. Quem também sabe isto muito bem são os senhores jornalistas que tanto se têm empenhado na publicação de rankings baseados (apenas) nos resultados de exames.
Ora, esses rankings não foram publicados por acaso. Sabendo nós que eles não tornaram melhores as escolas públicas, que desqualificam desde 2001, nem as escolas privadas (senão no amestramento de alunos), resta perceber-lhes o motivo. E esse talvez se relacione com negócios a precisar de publicidade, mesmo que enganosa. A qual foi eficaz, deve notar-se.

José Batista d’Ascenção

terça-feira, 3 de dezembro de 2019

Desconstrução (necessária) do que se aprende (em biologia) no ensino secundário

Fonte da imagem: aqui.
Em conversa curta com ex-aluna, que frequenta agora o primeiro ano de medicina na Universidade do Minho, fiquei a saber que um professor terá pedido aos alunos, no dizer dela, que «esqueçam tudo o que aprenderam até agora». Espanta-se aquele professor que os alunos cheguem ao primeiro ano de medicina a supor que um transporte activo se faz sempre ao contrário da tendência natural, digamos assim [contra o gradiente de concentrações, em termos técnicos]. Por outro lado, segundo a mesma aluna, o conceito de «osmose» é algo que, a bem dizer, na opinião desse professor, «nem existe…»
Soubesse aquele professor universitário o que os programas de biologia mandam ensinar e como ensinar, nalguns casos com conceitos que já estavam errados quando, em 2001 e 2003, foram homologados [por exemplo a ideia de que a levedura da panificação só fermenta na ausência de oxigénio, respirando quando este gás está presente, ignorando o cheiro a álcool da massa levedada que ocorre em qualquer atmosfera oxigenada – afinal, os padeiros não extraem o oxigénio dos compartimentos onde preparam a massa -, como se sabe desde sempre], e talvez se incomodasse mais ainda.
E se soubesse que há professores que, no desempenho de cargos de coordenação, fizeram listas específicas de conteúdos científicos que tentaram remeter pelas vias formais aos «centros de formação», para colmatarem as necessidades que sentiam de actualizar-se nas matérias que deviam ensinar com rigor, sem que vissem aprovada qualquer uma dessas propostas, talvez ainda achasse os factos mais inaceitáveis.
Quem sabe se aquele professor ignora que há tendências na escola que empurram os docentes no sentido de preocuparem menos em ensinar «conteúdos» e de incidirem mais em «cidadania, inclusão e formação integral» dos alunos», como se estas fossem possíveis sem aqueles? Predominando tais ideias, talvez os jovens que chegam às universidades não precisem de fazer esforço para esquecer quaisquer matérias, e poderão, então, aprender tudo de novo, como deve ser, embora com muito atraso na idade.
Já pedir a esse e a outros professores universitários que olhem para o que está escrito nos programas e nas «aprendizagens essenciais» introduzidas há dois anos, com base neles, e se pronunciem civicamente sobre esses documentos, talvez seja pedir muito. Esse pedido de análise justificava-se, porém, junto de organizações que têm preocupações com o ensino dos alunos do ensino secundário, como seja, neste caso, a «Ordem dos Biólogos», se os seus sócios assim o entendessem.
Donde, no mundo real do ensino continua a imperar a ineficácia e o descontentamento. Os que mais são (e continuarão a ser) prejudicados, mesmo sem se darem conta, são os filhos dos (mais) pobres. A despeito das estatísticas de «sucesso» do governo e dos dados de progresso da OCDE, que os respectivos funcionários (às vezes os mesmos) zelosamente divulgam e promovem.

José Batista d’Ascenção