quinta-feira, 31 de maio de 2018

A (ir)realidade do ensino e a solidão dos professores que dão aulas - 7 falhas capitais

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1. Os grandes princípios de que ninguém duvida (e que dão corpo a certas manifestações de intenção como o «perfil do aluno», por exemplo) e a relatividade dos valores e procedimentos do quotidiano, em que, muitas vezes, não se assume nem se regista, nem se tem em devida conta, o que é negativo e frequente. Em verdade, a escola faz a educação ou a educação faz a escola?

2. A multiplicidade e volatilidade de perspectivas teóricas (não demonstradas pela ciência) sobre o que deve ser a aprendizagem, que se sobrepõem artificialmente à realidade (psico-afectiva, sociocultural e económica) dos alunos e determinam ambientes falsamente propícios à aquisição de saber em cada (sala de) aula. Para «compensar», vai-se lidando com (ou ignorando ou disfarçando…) a onda do momento sabendo que passa, mais tarde ou mais cedo. Ganha quem?

3. Os programas curriculares, a sua (in)adequação e (in)articulação e, por vezes, a impossibilidade de os cumprir. A quem pedir contas?

4. As hierarquias e os organismos formais ou dependentes do ministério da educação: inspecções, centros de formação, institutos de elaboração de exames, por exemplo, e os seus contributos concretos para a eficácia da educação escolar. Quem os avalia?

5. A organização formal e legal das escolas (um conselho pedagógico e um órgão de direcção ágeis e responsáveis são fundamentais, mas há órgãos dispensáveis, que nem sempre existiram, e as escolas não funcionavam pior) e o que daí decorre em termos de (falta de) autonomia, democraticidade, exemplaridade e eficiência da acção pedagógica. Quem está interessado em simplificar, clarificar e responsabilizar?

6. O papel dos professores que lidam com alunos e o desinteresse a que são votados (se não o desprezo ostensivo e proclamado, que tantas vezes chega à agressão física em público - e impune! - e no local de trabalho), as condições a que são sujeitos (andar com a casa às costas, concursos injustos, desempenho penoso de burocracia inútil…) e a formação relevante que graciosamente lhes devia ser facultada e não é (sendo que muita da que é disponibilizada não tem relevância científica ou pedagógica nem a qualidade mínima desejável). Que profissionais queremos?

7. Por consequência, há cristalização de metodologias sem chama nem alegria nem eficácia e «inovações» que são logros que se multiplicam e sucedem sem avaliação nem responsabilização, facto que é perturbador dos próprios docentes e não os desculpa aos olhos da sociedade. Diversidade pedagógica ou «nuvem» de contradições sem resultante meritória?

Felizes ou infelizes na escola, perdem os alunos, perde(re)mos todos.

José Batista d’Ascenção

quinta-feira, 24 de maio de 2018

Direito ao sucesso ou sucesso para todos

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Passou a ser voz corrente no discurso de quem se pronuncia sobre os assuntos do «sistema educativo» (que antes foi chamado de «sistema de ensino») a referência ao «sucesso para todos». E não está mal, essa supunha eu que fosse a intenção de grande parte dos professores, desde sempre. O problema maior é… a realidade. Também estão determinados na lei o «direito à habitação», o «direito à saúde» e o «direito ao trabalho». E não deveriam nunca precisar de estar consignados legalmente direitos como o «direito a não ser pobre», o «direito a beber água limpa» ou o «direito de respirar ar puro».
Sabemos, no entanto, que são muitos os portugueses que vivem em condições indignas de habitação, mesmo esforçando-se honestamente a vida inteira para fugir a essa «fatalidade» e à pobreza em geral, que afecta um quinto da população, englobando, provavelmente, centenas de milhar dos nossos concidadãos desempregados. Também sabemos como é difícil, em muitos casos, beneficiar de acesso atempado a consultas e exames e intervenções médias no «sistema nacional de saúde» (SNS). SNS que, saliente-se, elevou notavelmente a assistência médica aos portugueses após o 25 de Abril, por exemplo em domínios como a saúde materno-infantil, razão por que não são demais todas as homenagens à acção e exemplo de um homem bom e íntegro e firmemente lutador como António Arnaut.
Mas também sabemos que há quem receba apoios para habitação sem os merecer (vejam-se os casos de não poucos deputados), quem não se sinta mal por não ter trabalho e quem ocupe cargos ou salte de uns para outros e expensas do erário público sem produzir nada que o justifique ou dando prejuízos colossais, que todos os contribuintes pagarão. E também há quem use, senão imerecidamente, pelo menos inadequadamente o SNS, caso de supostas urgências que, não o sendo, prejudicam a assistência nos casos que na realidade o são.
Isto para dizer que faz sentido cultivarmos e concretizarmos a ideia de que, salvo em crianças de tenra idade, a quaisquer direitos correspondem deveres, princípio com aplicação a miúdos a graúdos, e que só cumprindo deveres e obrigações, em termos éticos, morais e legais, é legítimo reclamar os direitos correspondentes. Educar tem que incluir isso, necessariamente. E as crianças entendem e aceitam isso muito bem.
Sucesso para todos. Direito ao sucesso. Sim, está bem. Mas sem abdicar de seriedade e clareza e rigor e sem esquecer deveres e obrigações de quaisquer alunos e, sobretudo e antes de tudo, dos seus encarregados de educação, como também dos professores. Caso contrário entramos num sistema de aprendizagem de ilusão e de batota, em que quem pertence aos estratos sociais mais desfavorecidos – os mais pobres – se eterniza, porventura inconsciente e colaborativamente, nessa condição, de que fica prisioneiro. 
E não há o direito de transformar os professores em agentes (forçados) de tão sinistra acção pedagógica. E de culpá-los pelas consequências.
Se me faço entender… 

José Batista d’Ascenção

sábado, 19 de maio de 2018

Tempo de serviço dos professores

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O tempo de serviço de qualquer profissional não pode ser amputado ou apagado ou ignorado, por todas as razões. Quem trabalhou trabalhou, ponto.
Coisa diferente é pensar que o país tem economia e finanças capazes de satisfazer as reivindicações salariais de diversos sectores profissionais, como se não dependêssemos do contexto internacional (quem está disposto e emprestar-nos e em que condições?). Bem sei que há a política e os políticos e todos os poderosos e os abusos que se cometem e os roubos que se praticam (os conhecidos, aqueles de que se suspeita e até os que não sabe(re)mos (nunca) que acontece(ra)m…). Mas com todos a gritar e a exigir, naquela ideia clássica, traduzida na expressão pouco elegante de que «quem não chora não mama», há-de haver sempre os que ficam de fora das prioridades, que são inevitavelmente os mais frágeis, como é o caso dos professores, apesar de serem muitos
O dinheiro faz falta, naturalmente, mas, se ao menos se eliminasse muita da burocracia das escolas, libertando os professores de tarefas não lectivas e poupando-lhes horas de esforço inútil, em articulação com um faseamento compatível do aumento dos vencimentos correspondentes aos escalões devidos, em cumprimento do legalmente estatuído, e considerando a passagem à reforma mais cedo, até como compensação, havia de haver forma matemática e contabilística de se chegar a alguma razoabilidade aceitável para as diferentes partes.
De contrário estamos como estamos: Todos fartos de todos. Às 20.00 horas sentei-me frente à tv, sintonizando o canal 1 do serviço público, porque me interessava ver o modo como tratariam as manifestações de professores e de enfermeiros. Foi penoso. Primeiro os longuíssimos minutos com a escandaleira e a demência dos dirigentes de um clube futebolístico. Depois um casamento cor-de-rosa em Inglaterra, com directo e enviada especial muito aplicada e pormenores sobre o vestido da noiva, com decote «em barco», alianças de ouro e outros pormenores igualmente «importantes»… A seguir o problema (sério) da obesidade. Só às 20.21 horas foi referida a manifestação reivindicativa dos professores, durante dois minutos, sem um grande plano que mostrasse o nível de participação (se a ideia tiver sido a de ocultar, então devem ter estado muitos…). Depois dos professores os enfermeiros, igualmente a despachar…
Claro que há aqui um ponto importante a considerar: dizem-me que os meios de comunicação (talvez devam mudar-lhes o nome…) dão (ou fabricam…) as notícias que os consumidores querem ver/ouvir. Se for verdade, as pessoas estão fartas de quem reivindica, mesmo que justamente. E todos estão fartos de todos, repito, pelo que os poderes podem esmagar ou ignorar quem protesta, com o apoio (no mínimo) consentido dos restantes. Chegámos aqui. Pela minha parte discordo, porque tenho outra ordem de prioridades e porque ajudo a pagar os meios de comunicação do estado com os meus impostos. Mas o problema vai para além disso. O meu portal de acesso à rede, por exemplo, também não faz chamadas relevantes para os assuntos que me interessam.
Resta-me a solidão destes escritos e o olvido sob que repousarão.

José Batista d’Ascenção

sexta-feira, 18 de maio de 2018

Episódio particular da vida da minha Escola

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Hoje foi um dia particular na minha escola. As aulas decorreram normalmente, mas houve mais do que isso: comemoraram-se os 60 anos da inauguração da «Escola Nova» e o senhor Ministro da Educação, que nela foi aluno do ensino secundário, nos anos 90 do (final) do século passado, veio em visita, que demorou desde o meio da manhã até depois das 16.30 horas. Pessoa simples, simpática e de trato franco, gostou de vir a uma escola que frequentou e que o recebeu afectuosamente. Houve antigos alunos e antigos professores, alguns que o foram do homem que hoje está à frente do ministério, e personalidades convidadas que vieram falar sobre as perspectivas e desafios do ensino. Estas matérias ocupam muitas pessoas, sendo que muito poucas ou nenhuma têm certeza alguma do que vai ser o futuro. Assim mesmo, nada se perde com serenas reflexões. Os problemas são muitos e difíceis e permanentes? São sim senhor. Mas o dia de hoje foi diferente na minha escola e não aumentou nenhum deles. Da nossa parte, professores, continuaremos, seguramente, a fazer o que pudermos.
Se eu tivesse que dizer, em menos de dez segundos, o que fazer para melhorar significativamente o ensino em Portugal, atrevia-me a sugerir: respeitar os professore e confiar neles. Não seria tudo, mas ajudava muito.
E pronto, este apontamento serviu apenas para registar um dia diferente na escola em que tenho o privilégio de trabalhar. 

José Batista d’Ascenção

quarta-feira, 16 de maio de 2018

Cortejos académicos ou degradação aos olhos de todos?


«Enterro da Gata 2016»
Calhou hoje, por necessidade, ter de atravessar (a pé) num e noutro sentido numa rua por onde seguia o que se chama um «cortejo académico».
Vi jovens de uniforme negro e outros (meio) andrajosos em gritos e paroxismos, encharcados de cerveja por dentro (assim me pareceu, também a julgar pela quantidade de latas vazias a atapetar o chão) e por fora (alguns escorriam e cheiravam, e não era a suor).
Senti tristeza e pensei: são (verdadeiros) sentimentos de alegria e felicidade o que aqueles jovens sentem e expressam?
E os seus pais, que sentirão verdadeiramente?
Por mim sempre pensei que a juventude deve aproveitar o tempo em que o é e que se escapa rápido. Mas assim?

José Batista d’Ascenção

segunda-feira, 14 de maio de 2018

A recta final

Alguns dos meus «pupilos» estão fartos das aulas. Parte destes estão fartos das minhas aulas. E um ou outro estará farto de mim (sendo que não tenho razões pessoais de nenhum, aprecio e agradeço a simpatia com que me tratam e a todos estimo, sem excepção).
Eu próprio estou farto de recear que talvez o meu esforço (e desejo e vontade e medo e esperança) para não deixar nenhum para trás, mais que transmitir-lhes coragem, possa acentuar em alguns deles o receio de fracasso e, quem sabe, a tendência para mandarem tudo às malvas, procurando algum alívio imediato, por desistência, em vez persistirem na busca do melhor resultado possível e de alguma compensação final, ainda que seja a consciência tranquila por terem lutado com todas as forças ao seu alcance, o que, parecendo pouco, nunca o é, de facto.
O papel dos alunos no ensino secundário não está fácil: para os que pouco se interessam não é compensador e para os que se interessam realmente e trabalham (alguns muito) pode ser frustrante. Isto é particularmente verdadeiro na área da biologia e geologia, disciplinas que se tornaram um horror (vejam-se os resultados) depois da introdução dos «novos» programas no dealbar do milénio, muito abrangentes, genéricos e vagos e recomendando explicita e repetidamente ligeireza e facilitismo aos professores, por um lado, e, por outro lado, com exames puxados e desfocados desses programas, algo charadísticos e com as perguntas de maior cotação, que exigem respostas pensadas e articuladamente redigidas, formuladas de modo por vezes pouco claro, face aos objectivos (tecnicamente diz-se tópicos) pretendidos. E tudo isto afectado pela competição pela entrada no ensino superior, especialmente em alguns cursos, o que faz com que no ensino secundário se ensine menos para se aprender e saber e mais para ultrapassar obstáculos bem definidos (a prestação em exame e a entrada no curso superior desejado). Esclareço, antes de mais, que sou a favor de exames, mas exames rigorosamente elaborados, em conformidade com programas bem feitos e claros e respeitadores do trabalho de alunos e professores. Que é o que não temos tido no âmbito da (disciplina de) biologia e geologia e os resultados comprovam.
O papel dos alunos no ensino secundário não está fácil, de facto, e outra das razões é que o ensino básico está, na prática, aligeirado e facilitista (pelo menos em termos de progressão) para as crianças (e não tinha que ser nem deve ser difícil, atenção), de que resultam deficiências de conhecimentos e não só... (ou de competências, como quiserem) que dificultam muito a aprendizagem no secundário. Abordar este problema é uma blasfémia que ninguém está disposto a ouvir, mas que trama seriamente uma fracção muito grande de alunos, especialmente os filhos dos mais pobres, cujas famílias não podem pagar explicações por fora ou escolas de línguas e muito menos certas escolas privadas em que não há receio de ensinar, mas de onde se excluem, para além dos meninos de famílias sem posses, aqueles que têm dificuldades de aprendizagem ou problemas de comportamento. Este é um problema social e político e pedagógico que não está a merecer a análise devida, quanto mais a resolução, que envolveria sempre muitas dúvidas e percalços… Mas como, se a própria condição dos mais frágeis os inibe de reclamar o que deviam ser direitos seus?
Por isso, temos aqueles alunos cuja condição familiar, sócio-afectiva e psicológica, e económica é tão precária que nem eles reúnem as melhores condições para aprender nem as escolas nem os professores conseguem facilmente proporcionar-lhes essas condições.
Assim mesmo, não é tempo de desistir, nem de admiti-lo sequer, nem de esquecer que todos os alunos são alunos. A vindima é até ao lavar dos cestos, diz-se, e cada um tem que fazer a sua, desejavelmente com o apoio e ajuda e carinho dos que estão à volta.
Até ao fim.
Vamos lá.

José Batista d’Ascenção

quinta-feira, 10 de maio de 2018

Enzimas que «comem» plástico ou a ignorância que se difunde como conhecimento científico?

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Há não muitos dias ouvia nas notícias da rádio referência enfática à descoberta de «uma enzima que come plástico». Do mesmo conteúdo, nos mesmos termos, me inteirei em letra de imprensa numa das revistas semanais portuguesas de maior divulgação, onde se escreve que a enzima descoberta consegue «ingerir PET, a sigla para polietileno tereftalato».
Convinha, porém, que nas notícias se fizesse uso de linguagem precisa e rigorosa, sendo que, neste e noutros casos, os cientistas contribuem largamente para a confusão, não sei se por também entre eles haver falhas no domínio da língua materna. A estes problemas podem acrescer dificuldades de tradução a partir de línguas estrangeiras, com destaque para o inglês.
Ora bem, no meu (humilde) papel de professor (do ensino secundário), atrevo-me a esclarecer que «comer», em sentido biológico, significa a capacidade de os seres vivos introduzirem alimento no seu organismo (ingerirem o alimento) a fim de o fazerem chegar todas as células do corpo, condição vital para que essas células realizem as suas funções. As células são as unidades estruturais e funcionais constituintes de cada ser vivo. Um ser vivo é, no mínimo, formado por uma (só) célula, mas há seres vivos complexos, como os seres humanos ou as árvores que são constituídos por dezenas de biliões (milhões de milhões) de células.
Uma célula, pequenina como normalmente é, pode comparar-se a uma casa, ou uma fábrica ou mesmo uma cidade: precisa de materiais, particularmente alimento (matéria orgânica), de energia (que pode obter da matéria orgânica alimentar) e de «ferramentas» com que desenvolve as suas actividades, as quais, nalguns casos, ocorrem em compartimentos específicos ou em certas regiões da célula. Essas actividades vão desde a digestão de alimento, construção de estruturas (intra e extracelulares), produção de materiais de defesa (anticorpos, por exemplo) a processos e sistemas de recolha e evacuação de lixo celular. Ao conjunto de actividades (que são reacções químicas) de uma célula chama-se metabolismo e, em condições fisiológicas, tais actividades têm que estar sempre a ocorrer, tal como certas funções imprescindíveis numa casa de habitação saudável, num hospital digno do nome ou numa cidade aprazível.
Entre as ferramentas das células têm particular importância as enzimas. As enzimas são vulgarmente proteínas (longas cadeias de aminoácidos, basicamente). Às vezes as enzimas são constituídas por mais do que uma dessas cadeias, não raro, associadas a outras substâncias que não são aminoácidos, o que também acontece com proteínas não enzimáticas - por exemplo, a proteína que transporta oxigénio no nosso corpo é constituída por quatro cadeias de aminoácidos, cada uma delas contendo um grupo químico que contém ferro. Há vários tipos de proteínas com várias funções (os anticorpos que produzimos contra micróbios ou as suas toxinas também são proteínas) e algumas delas têm a função de facilitar a ocorrência de reacções químicas que, na sua ausência, demorariam muito tempo a acontecer (eventualmente anos!) ou não aconteciam. Estas últimas desempenham nas células um papel similar ao dos catalisadores inorgânicos da química comum, ou seja, são catalisadores biológicos que modulam a velocidade de imensas reacções ou cadeias de reacções, dentro ou fora do espaço celular. Os catalisadores biológicos chamam-se enzimas.
Se forçássemos uma comparação, uma enzima específica poderia ser tomada como uma chave eléctrica com a qual rapidamente aparafusamos ou desaparafusamos objectos numa casa. Com a vantagem de a chave não se gastar em cada operação. As enzimas também não se consomem nas reacções que catalisam, funcionando enquanto não se destruírem. E há enzimas específicas para cada reacção bioquímica ou para cada tipo de reacções bioquímicas.
Percebemos, portanto, a importância das enzimas para a actividade celular. Sem enzimas não há metabolismo, ou seja, não há funções celulares. Mas, se no caso da chave eléctrica de parafusos, até poderíamos dizer que «come» energia (que pagaremos), no caso das enzimas, o seu custo de funcionamento limita-se ao «preço» de «fabrico» da própria enzima, realizado na célula, quer dizer: uma enzima é uma molécula mais ou menos complexa que catalisa uma reacção química, em condições determinadas (de temperatura e de grau de acidez, por exemplo), e que actua enquanto estiver funcional, sem «comer» o que quer que seja. No caso da enzima que «come» plástico o que ela faz é digerir polímeros nos seus elementos (monómeros) constituintes, tal como uma enzima digestiva que actua no nosso tubo digestivo (por exemplo a amilase) digere uma macromolécula (o amido) em moléculas mais simples (por exemplo maltose). Mas digerir é simplificar moléculas alimentares - um trabalho de enzimas digestivas, e comer é próprio de seres vivos, constituídos por células no interior das quais são produzidas e funcionam enzimas aos milhares, digestivas e outras.
As enzimas deviam ser objecto de estudo (mais) cuidado na escolaridade básica e secundária. Mas, no 9º ano, em ciências naturais, fala-se nelas ao de leve, quando se aborda a digestão, fazendo de conta que os alunos ficam a perceber e gostam do que deviam (mas estão impedidos de) aprender. No 10º ano, para os que têm biologia, por alturas da digestão, que é abordada nos micróbios e em todos os tipos de animais!, lá se volta a referir as enzimas, outra vez de modo vago e genérico, evitando «o estudo pormenorizado da morfofisiologia dos sistemas digestivos» (página 80 do programa). Só se estes alunos optarem pela disciplina de biologia do 12º ano de escolaridade é que vão estudar a actividade enzimática, podendo, finalmente!, compreender aquilo que estudaram praticamente sem fundamentação no 9º e no 10º ano.
Não admira, pois, que os divulgadores de notícias do domínio científico cometam imprecisões como as que me levaram a escrever este texto (que provavelmente ninguém lerá até ao fim).

José Batista d’Ascenção