segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

«Matar alguém»

Imagem obtida aqui.
A média de idades dos professores do ensino básico e secundário tornou-se, em consequência de vários factores, muito elevada em Portugal. Em acréscimo, e devido às características e condições sócio-educativas dos tempos que correm (modo como educamos as crianças, quadro de valores, relações e protagonismos sociais de jovens e adultos, demissão das instituições, maus exemplos de autarcas, deputados, governantes e políticos em geral, entre outros), os níveis de angústia e sofrimento tornaram-se insuportáveis para muitos docentes, alguns dos quais estão simplesmente destruídos ou à beira disso.
Como resultado (embora não exclusivamente, como é óbvio), há professores com baixa médica há longo tempo. Estes professores acabam naturalmente remetidos para juntas médicas, que estão a mandar muitos deles para as escolas. Se isto deve ser assim para os que reúnem as condições de saúde exigidas, casos há em que não se vislumbra outra vantagem que não a de elevar o rácio de professores em actividade relativamente aos alunos. Na realidade, alguns destes regressos trazem problemas terríveis: um professor incapaz não devia estar na escola: em respeito pelo seu estado de saúde, mas, e sobretudo, como salvaguarda da excelência da acção pedagógica. Ora, existem casos de professores com perturbações profundas que se arrastam nas escolas de braços caídos e «ausentes do mundo». Como é isto possível? É-o entre nós. Ponto. E quais são as consequências? Não me peçam a mim (a redundância é intencional, mas não como «figura de estilo») que as enumere.
Haverá, porém, situações em que as juntas médicas do ministério não obrigam os professores em condições degradadas a voltar às escolas. Seria o caso concreto de uma docente que, em consulta com o seu psiquiatra, lhe terá dito, de modo desabrido: «se volto à escola, mato alguém». E o mesmo terá repetido, desorbitada, aos elementos da junta médica a que foi presente. Não testemunhei, mas parece-me plausível.
E ainda há poucos anos, apesar de tantos sinais preocupantes, não conseguia antecipar um «clima escolar» deste jaez.
Quem mata quem?
Quem vai morrendo é a (ideia de) Escola Pública, que acalento e por que sempre me empenhei, como tantos.

José Batista d’Ascenção

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