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Quando falamos tendemos para a facilidade de pronúncia e para o encurtamento das palavras. Deriva daí, em parte, a discrepância entre a linguagem falada e a linguagem escrita. Isso é conveniente, em larga medida, porquanto permite a manutenção da norma escrita, como referência, sem impedir as variações fonéticas e as simplificações da comunicação oral.
Acontece, por vezes, que as palavras escritas são difíceis de pronunciar e levam a discrepâncias entre os falantes, razões que não trazem quaisquer vantagens. Em ciências naturais, biologia e geologia, isso acontece com alguma frequência, o que pode conduzir a um discurso oral algo desarmónico e incongruente com a ortografia.
Vejamos alguns exemplos.
O estudo da divisão celular em células com núcleo, por observação ao microscópio óptico, revelou imagens características que, por convenção, se designaram etapas ou fases do processo: uma mais inicial (profase), outra que se lhe segue (metafase), uma terceira que antecede a última (anafase) e a quarta, com que termina a divisão do núcleo (telofase). Na realidade, aquele mecanismo é contínuo, pondo dificuldades à definição do momento exacto em que se passa(ria) de uma fase a outra. Por isso, em livros mais antigos, ainda se refere uma fase de transição entre a primeira e a segunda daquelas etapas (a prometafase). Em rigor linguístico, os dicionários grafam aqueles termos como palavras esdrúxulas. Porque os meus professores, tanto quanto me lembro, usaram aquelas palavras com a fonética grave e as escreviam em conformidade, como na língua inglesa também é assim, e porque a pronúncia grave me parece mais fácil, também eu procedo contra a norma, oralmente e por escrito, em homenagem aos professores que (mais) recordo.
Outra área da biologia onde os termos escritos e falados facilmente surgem com divergência é no estudo dos catalisadores biológicos (aceleradores das reacções químicas), a que se chama enzimas. As enzimas têm uma nomenclatura própria, com normas internacionalmente definidas, mas as designações habituais derivam do nome da substância sobre a qual actuam. Por exemplo, a amílase, degrada (digere, por hidrólise) o amido. Os meus professores chamavam-lhe (simplesmente) amilase. Para a enzima que hidrolisa a sacarose (o açúcar vulgar), usamos comummente o termo sacarase, em vez de sacárase, que é mais difícil de pronunciar. Idem para a maltase, enzima que desmembra a maltose (açúcar do malte), em vez do termo “impronunciável” máltase. Naturalmente, eu sou dos que enchem a boca e uso sempre as palavras mais simples e fáceis neste campo específico.
Em geologia, há também conceitos que são escritos com acentuação esdrúxula, mas que não têm pronúncia (muito) fácil, pelo que as palavras que os traduzem são muitas vezes ditas na forma grave. É o caso do grupo de feldspatos cálcicos, calco-sódicos, sódico-cálcicos e sódicos, cujo nome escrito é plagióclase(s), mas que, na boca de muitos, incluindo os especialistas, passa a plagioclase(s). Eu optei há muito pela facilidade desta segunda forma.
Forma escrita de acordo com a norma linguística a que também não adiro é a da palavra diáclase (fenda natural de uma rocha). Escrevo e digo diaclase(s), porque (me) é muito mais fácil.
E é assim que, para além de gralhas e erros, com amor infinito pela língua portuguesa, assumidamente transgrido algumas das suas normas. No ensino das ciências naturais, mas não apenas.
José Batista d’Ascenção
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