sábado, 23 de maio de 2020

Sobre «teletrabalho» - quem (nos) avisa...

Artigo de M. Patrão Neves, in jornal «Público» de 23 Maio 2020, pág. 23. Excertos.
Imagem obtida via «Google»


«O teletrabalho em tempo de confinamento foi um alívio para empregadores e uma alegria para empregados. […]
No caso paradigmático dos professores, exigiu-se que dispusessem, do seu apertado bolso, de todos os meios necessários para o trabalho remoto: computador, câmara, Internet, sempre com qualidade suficiente para manter as aulas Zoom. Tudo foi aceite. Era uma situação temporária, de recurso. Entretanto, o teletrabalho foi granjeando entusiastas na percepção de que pode ser assumido como uma modalidade de actividade complementar, introduzindo uma ambicionada flexibilidade a servir os interesses das partes, num ajustamento às necessidades circunstanciais de ambos. 
[…]
 As aulas Zoom tendem à reprodução de um modelo expositivo que se julgava ultrapassado e cujo anacronismo surge agora legitimado pelo revestimento das novas tecnologias. Incentivar-se-á assim também experiências em curso de substituição dos professores por assistentes digitais (inteligência artificial), mais sábios, incansáveis e económicos. Do teletrabalho como um complemento desejável precipita-se para a sua proposta inquietante como alternativa. Afinal, no sector do ensino, como em outros, o teletrabalho possibilitará uma significativa redução de custos de operação, ao empregador, podendo estabelecer um novo quadro nas contratualizações laborais. Os empregados, porém, receiam a substituição do trabalho regular por um trabalho à peça, trocando-se a flexibilização necessária por uma precariedade crónica. E desenganem-se os que fantasiam com a conquista de uma autogestão no teletrabalho, libertadora do olhar das chefias. A monitorização do trabalho há muito se vem intensificando e ameaça tornar-se cada vez mais invasiva, atrofiando a esfera privada de cada um.»

Afixado por: José Batista d’Ascenção

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