terça-feira, 6 de março de 2018

O que estamos a avaliar no ensino secundário: como avaliamos, em que condições avaliamos e qual é o fim último das avaliações que estamos a fazer?

Há vinte e cinco anos, os «exercícios escritos» a que submetia os meus alunos normalmente não iam além de duas ou três páginas com menos de dúzia e meia de questões de diferentes tipologias, mas em que a resposta à maior parte delas obrigava sempre a umas (poucas) linhas de redacção onde era apresentado um raciocínio sobre uma situação ou problema e, sendo o caso, se procurava chegar à solução.
Era um tempo que corria para o seu termo. Em consequência do que se ensinava e divulgava em cadeiras ditas de «educação» nalgumas universidades, o texto escrito perdia uso e valor, substituído por esquemas como os famigerados «mapas de conceitos», panaceia que se apresentava como uma boa metodologia para se conseguir uma «aprendizagem significativa». E tais esquemas, quando não ultrapassavam meia dúzia de caixinhas e outras tantas setas até podiam ser úteis. O problema surgia quando se enchiam páginas atrás de páginas, mais a abertura dos capítulos e o seu término, com emaranhados de rectângulos e riscos, que, necessariamente, conduziram à saturação e à queda em desuso. Os relatórios dos trabalhos práticos das disciplinas de ciências foram afectados por uma onda similar, pelo que, ao português escorreito de que os alunos e professores deviam fazer uso, de forma lógica, articulada e sequencial, para uns e outros e uns com os outros se entenderem, sucederam os salvíficos «vês de Gowin», que não só não salvaram nada como já ninguém se ufana de os usar.
Aos alunos foi-se deixando de exigir que escrevam. A somar ao infortúnio, e a pretexto de maior objectividade na avaliação, muito acentuada pelas condições de acesso ao ensino superior, os «exercícios escritos de avaliação» passaram a ser testes de cruzinhas e escolha de letras correspondentes a opções, sempre com a indicação obrigatória das cotações de cada pergunta e da respectiva resposta.
Testes assim são justos, rigorosos e objectivos? Três vezes: sim. Mas são pedagogicamente questionáveis, por cumprirem objectivos que estão para além (e ao lado…) do todo que é (ou devia ser) o ensino e a formação dos jovens, e trazem consequências (muito) indesejáveis: mais que dar respostas certas, a muitos alunos (incluindo alunos muito bons) o que lhes interessa são os pontos e (sobretudo) as suas somas e médias: e então, aquando da entrega dos testes, imediatamente um D indicado como resposta pode transformar-se num B (a opção certa), com o professor a ter que admitir que se pode ter enganado na «correcção», embora cheio de dúvidas acerca disso…
Ora, eu quando ensino um aluno (sim, confesso, eu tento ensinar alunos…), o que me interessa é perceber o que ele pensa e ir ao fundo das suas dificuldades, e, para isso, nada encontro melhor do que ler o que escreveu ou tentou escrever, mesmo que (aparentemente) me dê mais trabalho. Isto, no entanto, não agrada aos alunos, porque detestam escrever, nem aos pais, porque, como os seus filhos, julgam mais difícil esquadrinhar e questionar as classificações que os professores atribuem.
A onda pegou e ampliou-se. Os exames nacionais adoptaram o figurino e passaram a modelo referencial. Nos dias de hoje, um exame de biologia e geologia tem muitas vezes 15-16 páginas e nas escolas, apesar do aperto financeiro e por sua causa, é comum os testes andarem pelas 9-10 páginas. Em qualquer dos casos estamos perante «atentados ecológicos» no âmbito de uma disciplina que devia ensinar e dar o exemplo de contenção de gastos e  minimização de desperdícios.
Mas por que é que é assim e por que é que não muda?
Respondo: Por muitas razões. No nosso sistema de ensino cada erro que se comete tende em cada repetição a tornar-se institucional e exemplo a seguir. É o caso, mas não gratuitamente. Eu gostava de ensinar alunos com algum gosto em aprender e não jovens «stressados» por competições ferozes pelos pontos a obter em testes e exames essencialmente de opções entre afirmações certas e erradas ou simplesmente alheados e desinteressados de tudo isso. Não que seja contra os testes nem contra os exames. Se bem feitos, adequados e proporcionados e aplicados em condições de rigor, são bons elementos de avaliação. Mas não são os únicos e têm que observar aquelas condições, o que está longe de acontecer. É que hoje, nas escolas, os espaços e o mobiliário não asseguram boas condições de aplicação de um teste, mesmo com recurso a versões diferentes (o que aumenta o trabalho e o cansaço do professor e conduz a mais erros de classificação). Por outro lado, há alunos que desenvolveram códigos de comunicação praticamente indetectáveis que lhes permitem conferir respostas de opção, até mesmo nos exames nacionais. E ignorar isto não é um procedimento bom nem um procedimento justo.
No que me toca, o desconforto vem de me sentir mais um «co-seleccionador» involuntário de alunos para o ensino superior do que um professor que tenta ensinar e formar jovens alunos. Não há soluções perfeitas e em Portugal, aparentemente, o que é sujeito a uma infinidade de regras estritas e universais resiste mais facilmente à corrupção ou dá (a conveniente) ideia disso... Mas por que é que as universidades não arranjam maneira de seleccionar os seus alunos?
Eu, se fosse professor universitário, talvez gostasse de ajudar a seleccionar os meus…
  
José Batista d’Ascenção

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