Nunca confessei isto a ninguém: quando vou à escola nos tempos em que não há aulas ou matrículas ou apoio a alunos que vão a exame ou que pedem ajuda para a revisão de provas, os espaços escolares, sobretudo os longos corredores silenciosos e desertos, criam-me desconforto. E se não encontro colegas, o vazio é ainda mais incomodativo. Nunca esclareci esta contradição entre a perturbação que o barulho excessivo dos alunos me provoca em tempo de aulas e o vazio que sinto pela falta do movimento desses mesmos alunos nos tempos em que eles não vão à escola. Não sei explicar. Nem sei se há outros professores que sentem o mesmo que eu ou algo parecido.
É em casa que os tempos de silêncio me sabem melhor, sobretudo quando mergulho nas minhas leituras. Relativamente preservado do bulício urbano, é com alívio que normalmente olho para o televisor desligado ou a que tiro o som, por exemplo para ver (parte de) um ou outro jogo de futebol dos que criam mais expectativas. Raramente, vejo com apreço um ou outro programa ou alguém que me parece que vale a pena escutar. Som acolhedor e confortável é o dos familiares à mesa ou pela casa ou o do convívio com amigos, bem como o da Natureza onde ainda é possível ouvi-la e senti-la. E o da música escolhida, claro.
Em matéria de serenidade e compostura, dentro e fora da escola, não sei em que medida o meu apreço por ambas se vai acentuando naturalmente com a idade ou se isso resulta de aversão ao ambiente de ruído e espalhafato dos dias de hoje, em espaços públicos abertos ou fechados, nos programas televisivos e radiofónicos (ouvir um relato de um jogo de futebol, por exemplo, é absolutamente insuportável, por indecoroso e obsceno), nos transportes, nos festivais de música, nos cortejos académicos, nas competições desportivas, etc.
Interrogo-me também sobre se o aturdimento sensitivo dos jovens alunos e a sua fixação nos «telefones inteligentes» não são responsáveis por fenómenos de distracção e alheamento que os levam a concentrar-se menos bem no estudo e a perder peças de roupa, sacos, mochilas, estojos e outros pertences, os quais, na minha escola, ao longo de um ano, se acumulam na enorme vitrina que os expõe à visibilidade de todos, com excepção aparente dos que os perderam. É impressionante. E é também impressionante que os encarregados de educação não instem os seus educandos, se não a dar mais atenção aos objectos de que são portadores, pelo menos a ir procurar o que lhes desapareceu nos «perdidos e achados». Há, porém, algo de que não há esquecimento possível: o telemóvel. Esta asserção é válida para os alunos, para os seus pais e para… os professores.
Como é que a vida era possível há trinta anos apenas?
José Batista d’Ascenção.
Nota 1: A minha opção por um tema como este em época de exaltação dos ânimos de professores e governantes, pelos motivos conhecidos, não tem por objectivo iludir o essencial, é apenas uma forma de me afastar um pouco de certo «ruído» que me causa dor e tristeza.
Nota 2: As imagens estão muito baças por dois motivos: a imperícia do fotógrafo e o reflexo nos vidros.
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