Toca a campainha e o professor segue para a sala. À porta, concentrados, os alunos estão nervosos. Perguntam se o teste é fácil, mais fácil do que o anterior, e o professor diz-lhes que sim. Entrados na sala, depressa ocupam os seus lugares. Alguns dispõem ou acondicionam os seus amuletos; há quem insista na pergunta sobre se o teste é fácil. O professor recomenda concentração e muita calma, diz que o tempo é mais do que suficiente e pede o favor de ser alertado para alguma gralha no enunciado, que é feito em duas versões, com perguntas exactamente iguais mas com a ordem das opções ou das sequências ou das correspondências trocadas. É uma trabalheira montar testes assim, mas é necessário por três motivos principais: seguir o modelo do exame nacional, obviar a impossibilidade de separar fisicamente os alunos, devido às dimensões das salas de aula e ao tipo de mobiliário, e conseguir classificações mais objectivas.
Distribuídos os enunciados, cai o silêncio na sala, só quebrado por algum folhear mais nervoso das 8-9 páginas do teste, em leitura (eventualmente saltatória) dos textos introdutórios e respectivas questões ou por algum pedido de esclarecimento do significado de palavras comuns, mas afastadas do léxico dos jovens…
É então que o professor pode pousar silenciosamente o olhar os alunos, enquanto eles se aplicam. Há os que sabem e esses prosseguem firmes na resolução; há os que hesitam, mas insistem e fazem alguma coisa, e há também os que, cedo, olham vagamente o tampo da mesa, o fundo da sala ou o tecto, em atitude flácida que, por vezes, disfarçam, se o professor faz incidir neles a sua atenção.
Nestas alturas, em que é preciso realmente vigiar os alunos, porque alguns – não poucos - só a muito custo respeitam as regras do trabalho honesto e… estritamente pessoal, o professor pode ser tomado por várias sensações e reflexões, como sejam:
- sentir-se à prova, e também ele examinado, uma vez que é o líder de uma equipa – a turma – cujos resultados dependem da sua acção pedagógica e didáctica e da adequação do teste que aplica e de que é responsável;
- tentar colocar-se na pele de um ou outro aluno, recordando, eventualmente, os tempos em que também o foi e partilhar (reviver…) a angústia de quem sabe mas está nervoso, o medo ou a dor de quem sabe pouco mas até se esforçou e não entende bem o formulado das questões, a tristeza e desgosto dos que desacreditam de si e não se acham à altura por alguma espécie de condição limitativa pessoal, quem sabe se imaginária, e também a revolta ou desafio dos que mal suportam o mundo dos adultos, dos pais, dos professores e da escola e parecem enquistados em não ligar a uns e a outros, quase intencionalmente refractários à aproximação e às tentativas de quem gostaria de os cativar;
- pensar sobre tantos absurdos da escola: as políticas, os interesses, as condições internas de funcionamento, face às características sócio-económicas e afectivas dos alunos e das suas famílias e à conveniência e eficácia e razoabilidade da vida em comunidade;
- reflectir sobre o que é a vida dos docentes e a sua vida em particular, com as suas idiossincrasias, as suas circunstâncias, os seus desejos e as suas possibilidades…
A dada altura, é ainda possível que o professor, muito mais do que os alunos, espere ansiosamente pelo toque de saída.
Se a sessão chegar ao fim e houver uma boa parte dos alunos a manifestar satisfação e alívio, e nenhum deles parecer destroçado, o professor pode então sentir um reconfortante bem-estar, mas não é isso o que muitas vezes acontece.
A ingrata tarefa de elaborar os testes nos moldes referidos (mesmo tirando questões daqui e dali) e a «penitência» de os «corrigir» são um outro «calvário», talvez uma forma de «tpc recorrente para o docente», de cujas exigências só o próprio e a sua família directa têm uma noção exacta.
Nota adicional: este texto é (apenas) um registo, não é um queixume e foi rascunhado à mão, de pé, entre os alunos de uma turma durante a vigilância de um teste.
José Batista d’Ascenção
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