domingo, 8 de outubro de 2017

Sobre “a (in)utilidade do conhecimento escolar”, por Maria Helena Damião

In: Revista “Visão”, nº 1283, 5-11 Outubro de 2017

Segundo Helena Damião (HD), professora da Faculdade de Psicologia e Educação da Universidade de Coimbra, «são vários os países que se encontram a fazer mudanças no currículo» (…) fazendo «ressurgir questões antigas», entre elas: «o conhecimento a proporcionar às novas gerações: de que tipo deve ser? Como deve ser aprendido?»
Helena Damião diz que «tal como há um século, rejeita-se a tradição com a promessa de inovação, (…): centrada a educação na singularidade do aluno e no seu contexto, prevalece a procura do bem-estar subjectivo e da satisfação imediata, que é também superficial (…) A orientação dessas reformas é preparar seres individualistas, empreendedores em si mesmos, competentes e competitivos num mercado de trabalho incerto» (…)
Diz também que «para certos decisores, académicos e outros agentes (…), essa meta traduz o ideal “humanista” (…) adiantando que, «porém, o que se consolida é uma “humanidade sem humanidades” na expressão do filósofo F. Savater que assinala «o perigo de a história, a filosofia, e a literatura desaparecerem da escola, e de seguida, da nossa cultura.» HD inclui na lista «línguas e artes, bem como vertentes das ciências e da matemática a que não se veja aplicação tecnológica e rentabilidade financeira.»
E pergunta: «Que conhecimento resta então para aprender na escola?», respondendo de seguida: «De modo [a] que o aluno possa desenvolver “competências” tem de ser o “essencial”, afirma-se nos textos das reformas. Esse “essencial” é o funcional e, cada vez mais, o “politicamente correcto”. Impõe-se um “núcleo curricular” formado por matemática, duas línguas e algumas ciências, trespassado por uma componente de cidadania, que, apesar do nome, está longe de o ser. Associa-se-lhe a equívoca ideia de que o aluno é activo, capaz de construir o seu próprio conhecimento se tiver oportunidades de realizar projectos relevantes no quotidiano e se estiver em ambientes agradáveis, nos quais prevalecem metodologias lúdicas, tudo podendo descobrir através de pesquisa» (…) [negro carregado da minha responsabilidade, para sublinhar o que considero ser um engano monumental e deliberado com consequências muito negativas, sobretudo para os alunos filhos das pessoas mais pobres, a quem é mais difícil detectar as falácias da escola e procurar antídotos eficazes contra a sua acção perniciosa].
Continuando, HD invoca livros, artigos e manifestos de pessoas e grupos «preocupados com a progressiva e concertada diluição da memória colectiva, que as ditas reformas ajudam a instalar», relembrando «que à escola cabe fundamentalmente veicular o conhecimento universal, erudito e abstracto, com “valor em si mesmo”, aquele que a humanidade tem construído e que forma a civilização e o pensamento» [e - acrescento eu - que demorou muitos séculos a acumular, devido ao labor de muitos espíritos luminosos excepcionais que nos antecederam]. Aquelas vozes fazem notar que cabe à escola «pugnar para que tal conhecimento esteja ao [alcance] de todos, assegurando o princípio da igualdade, marca da democracia.»
A propósito, HD refere «o delicado estado da cultura clássica, que entre nós se aproxima da extinção. O Latim e o Grego, desaparecidos do ensino básico, não chegarão a estar, neste ano lectivo, numa dezena de escolas com secundário.» [na escola onde trabalho, testemunhei a “morte” das turmas de Latim no ensino secundário, a qual não ocorreu por falta de competência nem de entusiasmo do professor, o meu prezado ex-Colega Pe Júlio Vaz]
Helena Damião finaliza o seu artigo com uma citação do filósofo italiano Nuccio Ordine: «sabotar a cultura e a educação significa sabotar o futuro da Humanidade.»
Também penso assim.
Grato, felicito a Professora Maria Helena Damião.

José Batista d’Ascenção

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