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Quando, em Setembro de 1984, me iniciei como professor, na Escola Secundária José Falcão (antigo Liceu D. João III), em Coimbra, estava longe de imaginar que o que se chamava «sistema educativo» fosse tão inconsistente e ineficaz e sujeito a modificações e, simultaneamente, tão constante e imutável, em quaisquer aspectos que se queiram considerar.
Porque eram aquelas as disciplinas do meu grupo de docência, com aquelas designações e aqueles programas? «Porque sim», poderia ser a resposta. E os motivos por que aquela resposta era (ou não) válida naquele tempo poderiam aplicar-se em todos os tempos posteriores, até hoje. Disciplinas como «Ciências da Natureza» passaram a «Ciências Naturais», outras viriam a mudar o nome de «Ciências da Terra e da Vida» para «Biologia e Geologia», já depois de várias delas terem deixado de existir, como as de «Ecologia», «Socorrismo», «Noções Básicas de Saúde» ou «Ciências do Ambiente». Tais alterações ou sumiços não resultaram de qualquer apuramento ou afinação criteriosa de conteúdos ou metodologias com intervenção conhecida dos professores, nem se aferiu que benefícios reais delas resultaram ao longo do tempo, nem mesmo depois da criação do judiciosamente designado «gabinete de avaliação educacional», em 1997, elevado a «instituto» em 2013.
Sobre os normativos que regulavam o dito «sistema educativo» e, especialmente, a função docente, afigurava-se-me, de início, que havia leis elaboradas de boa-fé, onde se definiam claramente as regras a cumprir e se assegurava um futuro digno para os professores. Não havia ainda um «estatuto da carreira docente», é certo, mas havia a expectativa favorável de que seria um documento legal de qualidade garantida (a primeira de muitas versões viria a ser criada pelo decreto-lei n.º 139-A/90), até pelos esforços de adesão à Comunidade Europeia, que ocorreu em 01 de Janeiro de 1986. A realidade não o confirmou: um emaranhado crescente de leis, profusa e confusamente redigidas, amalgamadas mais que articuladas, resultou num caos irresolúvel (e quase impenetrável) de ineficiência e injustiças múltiplas, onde se consome a saúde dos professores e se prejudica a aprendizagem dos alunos.
O ministério e quem o liderou deram, ao longo dos anos, a impressão de uma barca descomunal em rota casuística para satisfação de interesses instalados e apetites privados, indiferente à vontade do timoneiro, mais empurrado ou mandado do que ao comando efectivo da nau. Ao tempo de Roberto Carneiro, cheguei a entusiasmar-me com as suas palavras e intenções, para me desiludir depois, perante os factos. Inconformado, lidei com a decepção permanente, até voltar a acreditar - fraqueza minha - quando Nuno Crato aceitou a pasta. Paguei o preço da ilusão.
E os professores propriamente ditos, despreparados pela formação pedagógica que receberam, ficaram à mercê da influência de teóricos caseiros e da orgânica inamovível do «sistema». Nunca se encontraram. Foram capazes de participar em greves e gritaram desalmadamente em manifestações (em que também cheguei a participar), mais em luta encarniçada por uns trocados do que para exigir condições de (des)empenho que preparassem bem os alunos. Conduzidos por sindicados, em número que cresceu até ultrapassar as duas dezenas, os professores não (se) questiona(ra)m audivelmente (sobre) os objectivos de muitos deles. E chegaram (a)onde estão.
Hoje, nas escolas, profundamente desprezados, os professores sujeitam-se a todas as humilhações. A senda parece não ter fim. Uns quantos disfarçam, receosos de preço acrescido que a profissão lhes cobre, tentando aguentar-se até à fuga (que supõem) libertadora para a reforma, onde poucos chegarão ilesos.
Caberia, porém, aos professores, admitir que um número restrito deles não cumpriam os requisitos indispensáveis ao exercício da profissão e que todos deviam submeter-se a avaliação periódica (de 5 em 5 anos?) do seu estado físico e mental (a avaliação da capacidade científica devia estar atestada pelos cursos com que se habilitaram). Não é admissível, por exemplo, que haja docentes ao serviço com incapacidades psiquiátricas profundas, anos e anos, como se o problema não existisse… Mas, sobre isto, os professores calam-se, receosos de que alguém os acuse de falta de solidariedade, quando o que está em causa é apenas falta de humanismo, cuja responsabilidade nem sequer lhes cabe.
Percebe-se: não há milagres. E, no entanto, a profissão de professor é tão profundamente bela quanto necessária.
Pergunte-se aos que militantemente denigrem a escola se querem que ela feche.
José Batista d’Ascenção
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