sábado, 18 de novembro de 2023

A deriva da palavra «excepção»

A escrita da língua portuguesa, em Portugal, é um problema. Ou um conjunto de problemas. E nos países de língua portuguesa, provavelmente, não será diferente. Conto-me entre os que, desde o 25 de Abril libertador, que trouxe a escola para todos, acalentei esperanças de que a nossa bela língua passaria a ser bem tratada pela generalidade dos portugueses, cada vez mais escolarizados. Um engano.

Quando surgiu o chamado «Novo Acordo Ortográfico», receei que as coisas piorassem, e nunca percebi como é que se podia acreditar nos objectivos a que se propunha. E não era pela crítica furiosa de Vasco Graça Moura, que se me afigurava demasiado cortante. Era, simplesmente, por me parecer inviável: internamente desnecessário e contraproducente e externamente irrealizável.

Segundo Maria Regina Rocha, relativamente a Portugal e ao Brasil, «havia 569 palavras diferentes que se tornaram iguais e 1235 palavras iguais que se tornaram diferentes.» Com o Acordo Ortográfico, aumentou [para mais do dobro] o número de palavras que se escrevem de forma diferente! (1).

E escreve-se pior do que antes, jornalistas encartados, incluídos, diplomados do ensino superior e mesmo professores universitários. As legendas das televisões são tristemente reveladoras, tanto nas estações públicas como nas privadas.

Concordo inteiramente com os textos críticos da nova grafia e do modo como se ensina a língua portuguesa nas escolas, atribuídos a Teolinda Gersão.

Este ano lectivo, que ainda vai no início, já me surgiu mais do que uma vez, escrita por alunos, a palava «excessão» em lugar de «exceção», que eu escrevo (fora da escola) «excepção». Penso que este erro é filho do dito «Acordo Ortográfico». Se, correntemente, escrevêssemos «excepção», era mais difícil alguém dobrar o «ésse» a seguir a um «pê», creio. Para além de a palavra ficar amputada da sua raiz, diferentemente do que acontece noutras línguas em que deriva do mesmo étimo, permite desvarios desconcertantes, como é o caso.

Sublinho sempre os erros ortográficos dos alunos em todos os materiais que recolho deles e verifico e avalio. Porém, não sinto que a generalidade deles dêem relevância às minhas recomendações e penso que, muito menos, se apercebem do meu desgosto.

A revisão da grafia formal do português de Portugal é urgente e terá que ser feita mais tarde ou mais cedo.

Quanto mais tarde, pior.

 (1) In: «Por Amor à Língua Portuguesa». Manuel Monteiro. Objectiva. 1ª ed. 2018. Pg. 151 e 163.

José Batista d’Ascenção

2 comentários:

  1. Muito obrigado por esta reflexão tão sentida e actual. Por favor continue assim.
    Um abraço grande

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    1. Eu é que agradeço, um comentário tão reconfortante. Quem quer que seja, receba um abraço de muita estima.

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