Raramente um livro com conteúdo pedagógico, especialmente na área em que lecciono, me provocou um entusiasmo tão fundo e permanente. À medida que o ia lendo crescia o encantamento e a noção clara da importância que pode ter no ensino de muitos assuntos de geologia que, por dever de ofício, tantas vezes maçador e decepcionante, os professores do ensino básico e secundário se esforçam por fazer compreender às crianças e jovens que são os seus alunos. Escrevi que “se esforçam por fazer compreender”, na intenção de que seria bom que conseguissem fazê-los realmente compreender e, mais do que isso, que fossem capazes de os entusiasmar em tantas matérias de que eles não gostam porque, simplesmente, não estão em condições de as olhar com olhos de ver, pois que, em relação a elas, não lhes foi despertado o gosto, nem a curiosidade, nem o interesse, nem a atitude para o conseguir.
Sendo assim, a culpa é dos professores? Não, não sou dessa opinião, até por conhecer a escola, há longos anos, ininterruptamente. Mas não ilibo os docentes de um certo conformismo obediente (concordar nunca foi obrigatório) a ditames absurdos do ministério, a “teorias” pseudo-científicas de quem não dá aulas, a opiniões de “especialistas” diversos que procuram protagonismo (e proventos) com as desgraças da escola, à burocracia a que se apegam, complicam e multiplicam, ao seguidismo acrítico de conteúdos e sugestões metodológicas programáticas impraticáveis ou erradas, e ainda por cima de aplicação geral (o programa de ciências naturais de 7º ano de escolaridade, que incide sobre geologia, é disso exemplo) e à complacência com exames com perguntas mal concebidas e formuladas, com critérios de classificação subjectivos ou discutíveis, e desfasados dos programas, que, sendo como são (o de biologia e geologia de 10º ano, na parte de biologia, é outro exemplo infeliz, não sabendo eu no que mais se distingue: se em dificultar que os alunos aprendam ou se em impedir que os professores consigam ensiná-los), nem sequer são, para efeitos de exame, devidamente respeitados. Feita esta “mea culpa” colectiva, porque também sou professor, voltemos ao livro.
Este livro, de concepção muito original, faz uso de uma linguagem simples, clara e cientificamente rigorosa. O professor Rui Dias, no prefácio, ilustra exemplarmente a importância real deste facto. Recurso muito usado pelo autor, tanto quanto é desprezado na docência, é a “dissecação” de palavas, termos e conceitos na sua raiz etimológica, de forma elegante, oportuna e feliz. As situações imaginadas para expôr as ideias subjacentes aos conteúdos são de mestre, pela clareza e intuição associadas, sem perda de rigor intrínseco e sem cair na “ganga folclórica” de efeito inútil ou contraproducente: é assim no exemplo de abraçar as mantas da cama, quais camadas sedimentares, juntando-as dos lados para o centro, com formação de dobras para cima e para baixo, que passam a representar os topos de montanhas expostas à erosão e as respectivas raízes, onde o aumento da pressão e da temperatura desencadeiam fenómenos de metamorfismo ou de anatexia; é assim também quando, à volta de uma mesa comprida, uma pancada seca, com a mão, num dos extremos do tampo rígido faz propagar vibrações, de tipo sísmico, menos sentidas à medida que for maior a distância ao ponto de origem, de onde se libertaram…, etc. A simplicidade das explicações chega a dar a ideia de extrema facilidade de apreensão dos conteúdos, o que é ilusório, porque a razão da eficácia do segundo aspecto é a qualidade do primeiro e não o contrário. Em pedagogia, o mais fácil é complicar, simplificar com rigor é muito difícil e não está ao alcance de qualquer pessoa: é preciso saber muito, amar o conhecimento, gostar de ver alguém aprender, não matar a curiosidade de quem aprende, estimular a sua capacidade e aumentar sempre e cada vez mais o seu entusiasmo. E estar disponível para a própria auto-aprendizagem e correcção da metodologia.
Então, este livro é (ou pode vir a ser) um milagre? Não. Os milagres só existem se os fazemos, normalmente com muito esforço e, não raro, sem ganhos materiais para quem ensina. Mas esse é o papel dos professores. E eles sabem que as vitórias que alcançam moram sobretudo no fundo ignoto do peito, às vezes tão grandes quanto desconhecidas, o que em nada as diminui, enquanto compensação afectiva imediata e perspectiva de fecunda frutificação no futuro. Ora, um livro, para produzir qualquer efeito tem, necessariamente, que ser lido. “O avô e os netos…” também é assim. E pôr os alunos a ler um livro, nos tempos que correm, não é tarefa fácil nem pequena. Calma, porém. Com a arrumação dos temas por capítulos, em que cada um pode ser lido sem precedência, a propósito de qualquer dos assuntos em estudo, nenhum deles com extensão excessiva, e constituindo diálogos muito bem arquitectados, que integram a linguagem das crianças, a sua leitura torna-se fácil e muito agradável, de tal forma que eu lembro-me daquele ditado de quando era menino, sempre que não tinha apetite, e me diziam que «comer e coçar é só começar». Tenho para mim que muitos jovens, começando a ler, vão continuar a ler, sobretudo se houver quem vá estimulando, o que pode ser outra virtude – tão conveniente! – do livro.
Mas este livro não se destina apenas a crianças e jovens, ele será útil a qualquer pessoa que o queira ler e, sobretudo, terá proveito para os professores do ensino básico e secundário que leccionam temas de ciências da natureza, geologia ou geografia, quer pelo enriquecimento cultural que proporciona, quer pela obtenção de conhecimento específico, quer pelas metodologias pedagógicas que exemplifica e sugere. Por isso, este livrinho - uso este termo por uma questão de carinho, mas também porque o seu peso e volume não fazem dele um desconfortável “tijolo” - minimiza o risco de afugentar os mais “alérgicos” à gostosa fruição da leitura e da aprendizagem.
Nota que também cabe na apreciação desta obra é a ternura que inspira quando põe em diálogo um avô, real, com os seus netos, também reais, mas que podem ser multiplicados por todas as crianças e jovens e menos jovens de Portugal. Perpassam do início ao fim genuínas vontade e generosidade de contribuir para um melhor ensino nas nossas escolas, de um modo elegante, delicado e comovente, tão firme na sua funda intenção, quanto nobre e belo e… terrivelmente necessário.
O autor é uma pessoa extraordinariamente humilde, tão terra-a-terra, que pediu a este escriba, obscuro professor do ensino secundário, que lhe lesse o esboço à medida que a gestação da obra ia progredindo. Foi assim que, surpreendido e atarantado com a solicitação, primeiro, e deslumbrado a seguir, logo que lidas as primeiras linhas, nunca me convenci, nem então nem agora, de que a minha acção tenha sido verdadeiramente útil, porque tudo me parecia bom e belo e eficaz para a função que pode e deve cumprir. Mas a responsabilidade dessa função já não pode caber a Galopim de Carvalho. Ele dá-nos a água e a cana de pesca e ensina-nos a pescar, e ainda nos dá o primeiro peixe. E também nos mostra o exemplo da sua vida, do seu profissionalismo e da sua acção cívica.
Não há mais que lhe pedir. Só a agradecer e aproveitar, preferencialmente, dando muito e bom uso ao material que põe à nossa disposição.
Parabéns!, e um grandíssimo obrigado.
José Batista d’Ascenção
(1) O título deste texto foi ligeiramente alterado em 12 de Setembro de 2017, para republicação na rede social "Facebook"
(1) O título deste texto foi ligeiramente alterado em 12 de Setembro de 2017, para republicação na rede social "Facebook"
Sem comentários:
Enviar um comentário