quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Inconveniências pedagógicas em tempo de Natal.

Este é um texto que ninguém deve ler, sob pena de se indispor. Desculpem qualquer coisinha…
Imagem obtida aqui.

Tais estão as coisas que há alunos que encaram a possibilidade de copiar como se fora um direito.
Este ano lectivo dois dos meus alunos ficaram perplexos porque no local da classificação de um teste, tinham uma chamada para uma nota à margem, em que o professor registava a sua falta de confiança na prestação dos alunos em causa e pedia a assinatura dos respectivos encarregados de educação, como prova de que tomavam conhecimento. Essa nota havia sido aposta no cumprimento específico de certo ponto dos critérios de avaliação. O efeito terá sido tão profundo que um dos alunos quis afirmar, de sua iniciativa, perante os restantes, na altura e em ocasião posterior, que dali em diante promete ser honesto quando realizar testes. Pareceu-me tão (comoventemente) sincero em cada uma das vezes, que tive (e tenho) receio de que possa (vir a) ser visto pelos outros como um caso exótico, se não mesmo aberrante.
Também tenho tido, ao longo dos anos, alunos que fazem saber (mais recentemente de forma indirecta…) de modo, nuns casos, discreto e noutros ostensivamente, legitimando a interpretação de que que constitua aviso, chantagem ou vingança, que vão mudar de escola porque querem ter «melhores notas». Não se conhece aluno que diga que vai mudar de escola porque quer aprender mais ou melhor, mas porque quer ter «melhores notas».
Há também casos de alunos que, tendo-se transferido para escolas públicas, no 11º ano, apresentam quedas de classificações que podem ser de 18 para 9 ou de 16 para 8, em disciplinas tão díspares como inglês ou biologia e geologia, em que não é difícil aquilatar com algum rigor e uniformidade o que um aluno sabe ou ignora. Refira-se que não se trata de meros casos pontuais, pelo que não é legítimo que alguém se sinta «retratado» em particular. Nem se pense, também, que o mal que grassa é exclusivo de escolas privadas. Na realidade, a pecha alastra pelas escolas públicas em hipotética (mais imaginária que real?) e infeliz competição (em idas e vindas que anulam os efeitos pretendidos?) pela angariação de alunos.
Ora, compete ao Ministério da Educação e aos serviços de inspecção analisarem a matéria e sobre ela tomarem as decisões que se imponham. E ajudaria que os especialistas que se pronunciam sobre os assuntos do ensino, alguns sendo ex-ministros da pasta, não receassem o tema, fizessem luz sobre o mesmo e possibilitassem as melhores e mais justas soluções. Pela minha parte, sem ser exaustivo, há perguntas que não deixo de colocar:
- Que uniformidade existe (ou que nível de discrepância é aceitável) na avaliação dos alunos do todo nacional, incluindo escolas públicas e privadas, especialmente no ensino secundário, afectando, sobretudo, o acesso ao ensino superior?
- Com que objectivos devem ser elaborados os exames nacionais (pelo menos os da disciplina de biologia e geologia): para avaliar a qualidade das aprendizagens sobre as matérias dos programas ou para garrotar o ingresso em certos cursos do ensino universitário?
- Assegurada a resposta às questões anteriores, e perante tantas estatísticas disponibilizadas, que ilações se tiram e que medidas se tomam face à comparação da média das classificações internas com a média das classificações obtidas em exames nacionais, nos casos exageradamente discrepantes?
- Qual é o grau de eficácia na manutenção do sigilo relativo ao conteúdo dos exames nacionais até ao momento da sua realização?
- Qual é o grau de eficácia no controlo rigoroso das condições de execução dos exames nacionais em todas e em cada uma das escolas?
Se não assegurarmos condições de justiça no sistema educativo não podemos esperar melhor imagem do que aquela que resulta da acção de certos protagonistas da política e da governação, que tratam da sua vidinha, sem que lhes seja aplicada qualquer penalização. Ou de instituições que deviam ser exemplares, sejam as militares (estou a pensar no incrível caso de Tancos), sejam as de (suposta) solidariedade nacional (pense-se no famigerado caso «Raríssimas»). Ou de certas sentenças recentes do sistema de justiça. Ou da acção (até à data) inexistente da «protecção civil» em matéria de prevenção de incêndios florestais. Etc., etc..
Este texto viu a luz do dia depois de ter tomado conhecimento de um conselho de turma em que os representantes dos encarregados de educação se esforçaram «diplomaticamente» para que certo docente (que não é o autor destas linhas) passe a reflectir e ponderar sobre as suas classificações, «atendendo ao contexto, ao que se passa a nível nacional e à circunstância de um simples ponto poder fazer a diferença no futuro dos alunos», ao que o visado respondeu apelando a que os pais e todos os cidadãos levantem a voz contra a proliferação de classificações mentirosas sobre o conhecimento e capacidades dos alunos, enganando-os, enganando os seus pais e causando injustiças em série. E não se tratava, no entender daquele professor, de reprovar os alunos em massa, nada disso, tratava-se, tão-somente, de realizar um trabalho decente e justamente avaliado.
Ter-se-ão calado, aqueles pais, mas ninguém crê que tenham ficado convencidos.
Afinal, que sociedade queremos?

José Batista d’Ascenção

quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

DÉFICE NA EDUCAÇÃO

Texto amavelmente cedido pelo Professor Galopim de Carvalho, que aqui se publica com sentida gratidão.

No passado dia 3, o Primeiro Ministro, na cerimónia de entrega do Prémio Manuel António da Mota, no Palácio da Bolsa, no Porto, disse, preto no branco:
“De uma vez por todas, o país tem de compreender que o maior défice que temos não é o das finanças. O maior défice que temos é o défice que acumulámos de ignorância, de desconhecimento, de ausência de educação, de ausência de formação e de ausência de preparação”.
Dito, creio que de improviso, o que está no pensamento de António Costa, veio ao encontro do que ando a dizer há muitos anos.
Num país, como Portugal, onde a investigação científica e o ensino superior, em todas as áreas do conhecimento, está ao nível do que caracteriza os países mais avançados, é confrangedor assistir à generalizada iliteracia dos portugueses, incluindo muitos dos nossos quadros superiores, intelectuais de serviço e políticos de profissão que, embora conhecedores dos domínios em que se movimentam, são falhos de outras culturas, em particular da científica, que a escola deveria dar mas não deu, como está implícito nas palavras do Primeiro Ministro.
Sou levado a pensar, e não estou só nesta ideia, que grande parte da situação vinda agora, bem ao de cima nas ditas palavras, radica, desde há muito e em grande parte, na “máquina” do Ministério da Educação. Os ministros e secretários de estado, uns com ideias, outros sem elas, têm-se seguido ao sabor das legislaturas e das remodelações. Foram entrando, ignorando muitas das disposições dos que os antecederam, criando outras e desaparecendo de cena, dando lugar a novos outros, em repetição deste desgraçado ciclo. Mas a “máquina”, essa, praticamente, não muda e é essa, quanto a mim, uma das responsáveis pelo défice agora denunciado por António Costa.
Outra parte da responsabilidade desta triste e lamentável situação cabe aos sucessivos chefes de governo que, mais preocupados com outros sectores da administração, dividendos políticos e outras aberrações dos aparelhos partidários instalados, têm descurado este gravíssimo problema, dito agora nas suas palavras como primeiro ministro: “défice que acumulámos de ignorância, de desconhecimento, de ausência de educação, de ausência de formação e de ausência de preparação”.
É urgente olhar para a realidade do nosso ensino e é preciso vontade política para promover uma profunda avaliação e consequente reformulação desta máquina ministerial despida de constrangimentos mais partidários do que políticos 
É preciso e urgente que o Ministério da Educação se torne numa das principais preocupações dos governos, não só na escolha dos respectivos titulares, como nas dotações orçamentais que permitam dar às escolas as necessárias condições de trabalho e de relativa autonomia e, aos professores, a dignidade compatível com o importantíssimo papel que representam na sociedade, a começar nos respectivos vencimentos.
É preciso e urgente que o Ministério da Educação chame a si um conjunto de bons professores e outros profissionais capazes de proceder à necessária e profunda revisão de tudo o que se relacione com o ensino básico e secundário, a começar na conveniente e eficaz formação de professores, reformulação de programas passando pelos livros e outros manuais adoptados (que envolvem interesses instalados) com discursos estereotipados que se repetem acriticamente em obediência a esses programas, levando ou, melhor, obrigando os professores, não a ensinar e formar cidadãos, mas a “amestrar” alunos a acertar nos questionários de exames, por vezes, autênticas charadas.
Sempre disse e insisto em dizer que o professor deve saber muito, mas muito mais do que o estipulado no programa da disciplina que deve ter por missão ensinar. Não pode, de maneira nenhuma, ser um mero transmissor das noções, tantas vezes, insisto em dizer, estereotipadas e acríticas dos manuais de ensino.
Esse muito mais está na abrangência dos seus conhecimentos, não necessariamente especializados ou de ponta (indispensáveis no ensino superior), mas ao nível de uma sólida cultura científica e humanística. E isso vem de trás, da formação cívica que adquiriu, do modo como passou pela universidade e do proveito que tirou desse privilégio, numa sociedade plena de desigualdades como tem sido a nossa. Mas esses conhecimentos, todos sabemos, estão ao seu alcance nas hoje muito boas bibliotecas das escolas e, agora mais do que nunca, na inesgotável, imediata e acessível via “on line”. 
Para tal, os professores necessitam de tempo, e tempo é coisa que os professores não têm. Há que libertá-los de, praticamente, todas as tarefas que não sejam as de ensinar. Há que resolver o problema das suas colocações, com vidas insuportáveis material e emocionalmente, a dezenas de quilómetros de casa, separados das famílias.
Se nada disto for iniciado por este governo, as palavras de António Costa que, estou certo, terão todo o apoio dos PCP; BE e PEV, não passarão disso mesmo.
O sistema social e político dominante na sociedade capitalista que domina na União Europeia, continua a promover e alargar o fosso entre os que estudam, e assim aspiram e conquistam o direito à cidadania, e os outros. Transmitir esta mensagem aos jovens é um dever moral e cívico dos professores, essencial na luta contra o insucesso escolar e pelo direito a uma condição humana de maior dignidade. Não é fácil, mas não é impossível esta tarefa. Há que saber ganhar a confiança dos alunos e, também, o seu afecto. Feliz do estudante que goste da convivência com o seu professor. Essa relação é decisiva na sua atitude face à escola e ao gosto de aprender. Duplamente feliz se o professor estiver à altura do seu papel que, para além de educacional, é, sobretudo, social.

A. M. Galopim de Carvalho

Afixado por: José Batista d'Ascenção