quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

Aprender (II) – com Ausubel e Rómulo de Carvalho, por Nuno Crato (continuação)

«O construtivismo considera que a transmissão de conhecimentos não tem valor», o que é um erro pedagógivo (p. 37). «Não podemos esperar descobrir por nós próprios aquilo que a humanidade demorou muitos séculos a descobrir e entender» (p. 60). Há uma corrente educativa que pensa «que se podem desenvolver capacidades gerais de raciocínio, tais como o sentido crítico ou a criatividade, sem aprender nada de específico» (p. 43). Trata-se das competências, ainda na moda. «A ideia de que o conhecimento específico pouco importa (…) é um argumento contra a aprendizagem», porque «não há nenhuma destreza abstrata que, por si, permita obter conhecimento. É o conhecimento que permite adquirir mais conhecimento» (p. 44). «E a extraordinária criação que é a “internet” não substitui o conhecimento» (p.47)

Crato lembra que «[David P.] Ausubel [1918-2008] não defendia o método da descoberta como forma de tornar significativa a aprendizagem». Foi Ausubel quem escreveu, em 1963: A «exposição verbal significativa é, na realidade, o meio mais eficiente de ensinar matérias disciplinares e origina um conhecimento mais sólido e menos trivial do que nas ocasiões em que os estudantes são os seus próprios pedagogos» (p. 66).

«Pensar que as experiências e as descobertas são apenas fruto da criatividade, e que é simples fazê-las é terrivelmente falso». (…) É o que se passa com o ensino baseado em projetos ou ensino por descoberta ou ensino centrado no aluno, (…) naquilo que o motiva ou interessa» (p. 73-74).

Com veneração por Rómulo de Carvalho [1906-1997], seu professor, Nuno Crato lembra também que este insigne português, pedagogo, professor, orientador de professores, investigador, divulgador de ciência e poeta «alertava já para os exageros da pedagogia por descoberta» (p. 77). Havia nele a aguda «consciência do papel determinante do professor e da necessidade de este conduzir o estudante. Essa ideia [é] completamente contrária à posterior moda do ensino centrado no aluno» (p. 80). E o grande Mestre escreveu-a em 1959!

Muitos anos depois, o relatório sobre os resultados, muito claros, do PISA 2015 identifica factores positivos e negativos. O segundo mais forte dos aspectos negativos (t-ratio = -42,3) nos países da OCDE é o «índice de ensino por descoberta» (p. 82).

No estudo PISA, «os fatores mais positivos para os bons resultados são os associados à condução da aula pelo professor. Os mais negativos são os associados à iniciativa dos alunos na exploração dos conceitos científicos e na condução das experiências» (p. 82).

Rómulo de Carvalho sabia-o e escreveu-o. Muitos de nós, os professores que dão aulas, também o soubemos sempre, mas não o podíamos pôr em prática.

Foi e continua a ser assim.

José Batista d’Ascenção

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2025

Aprender (I)


Não temos qualquer fórmula mágica universal, mais ou menos complexa, predictora da aprendizagem. Temos muita experiência e trabalho de pesquisa, mas também temos muitas crenças sobre o assunto.

Sempre à procura, debrucei-me sobre o ensaio de Nuno Crato para a Fundação Manuel dos Santos, com o título que roubei para este texto.

Começa assim: …«temos obrigação de fornecer uma educação melhor aos nossos jovens. Mas estamos a falhar.» O autor contesta «a ideia de que o ensino por descoberta é mais eficiente e mais ativo do que o ensino explícito» e, contrastando conhecimentos com competências, sustenta «a primazia dos conhecimentos disciplinares para o desenvolvimento de capacidades de aplicação» (p. 1).

Os apoios em que se firma são a investigação científica em psicologia educativa e análises estatísticas internacionais, com dados do PISA e do TIMSS, tomando em atenção as evoluções havidas nos anos recentes, dependentes de acontecimentos como a interrupção das aulas devido à pandemia e das políticas educativas seguidas, antes, durante e depois dela, no nosso país.

«Havia quem alegremente ressuscitasse velhos mitos, dizendo que o ensino remoto era uma grande oportunidade para os alunos tomarem em mãos a sua própria construção do conhecimento» (p. 10). Intramuros, as avaliações das escolas não traduziram problemas e as provas de aferição que se lhes seguiram anunciaram «melhorias dos alunos»! Em Dezembro de 2023, os dados da OCDE chocaram com a realidade virtual. Portugal piorou, mas mais que a média dos restantes países da organização e «regrediu mais do que outros países que tiveram as escolas encerradas durante o mesmo tempo» (p. 10-11). «Verificou-se que nada substitui o ensino presencial, que o ensino direto é indispensável (…) e que as ferramentas digitais podem ser um grande apoio ao ensino (…), [mas] não como um substituto do professor». (p. 34 – 35).

Testes e exames são absolutamente necessários. «As provas podem assumir várias formas» (p. 14), mas têm de ser «válidas» e «fiáveis» (p. 14-15). «Nenhum teste é perfeito (…) nem mede tudo, (…) nem a avaliação pode consistir num só teste ou num só momento» (p. 17).

Professores experientes indicam «trabalhos de casa e perdem noites a corrigir esses trabalhos, semana após semana, ano após ano» (p. 22) e (…) «estão constantemente a fazer perguntas à turma e aos alunos» (p. 22). São tudo «formas de testar conhecimentos e de os reforçar» como preconizam as ciências cognitivas modernas» (p. 23).

«A única solução justa para um sistema educativo é ser exigente com todos (…). E acompanhar essa exigência com apoios especiais [sobretudo cognitivos e não apenas socio-emocionais] para os alunos que têm mais dificuldades» (p. 26).

«A psicologia cognitiva sabe que os jovens não aprendem ciência comportando-se como cientistas em miniatura» (p. 36), como também «não nos podemos restringir à utilidade prática imediata» do que se ensina (p. 37). «Nunca sabemos para que nos vai servir o conhecimento. Só o descobrimos mais tarde.» (p.57). Nenhum jovem poderia «descobrir e construir por si mesmo todo o conhecimento que se espera que adquira durante a sua escolarização» (p. 37).

A este propósito, recordo o que uma antiga aluna minha, de nono ano, me disse um dia numa aula, num exercício do manual que apelava à descoberta, e que foi mais ou menos isto: stôr: se eu pudesse descobrir alguma coisa gostava que fosse algo que ainda não tivesse sido descoberto – agora, descobrir o que já se sabe há muito tempo, faz sentido? E eu concordei com ela, reforçando que o que descobrimos para nós próprios que é sobejamente conhecido não é descoberta nenhuma.

(Continua)

José Batista d’Ascenção

sábado, 15 de fevereiro de 2025

Decompositores

Os seres biológicos que classificamos como fungos, alguns unicelulares e outros multicelulares, os quais incluem os que apresentam estruturas reprodutoras a que chamamos cogumelos (uns comestíveis e outros venenosos e/ou alucinogénios), desempenham globalmente um papel fundamental na Natureza.

Todos os seres vivos precisam de consumir alimentos. Por alimentos, entende-se aqui um conjunto de substâncias químicas incluídas nos compostos orgânicos. Os compostos orgânicos fornecem materiais de construção do corpo, como é o caso das proteínas, e também o combustível necessário ao desempenho de todas as actividades vitais, ou seja, a energia, contida sobretudo em glúcidos, que incluem os açúcares e o amido. Outro grande grupo de compostos orgânicos são as gorduras ou lípidos, tão fundamentais como construtores como fornecedores energéticos. Os compostos orgânicos incluem também os suportes em que estão codificadas as características genéticas de cada ser vivo de qualquer espécie. E há outros.

As algas e as plantas verdes (com clorofilas) são capazes de fabricar compostos orgânicos a partir de substâncias minerais (inorgânicas), bastando-lhas a presença das matérias-primas e uma fonte de energia luminosa, que é o sol. São produtores, ou seja, produzem o seu próprio alimento. O seu e o de todos os animais herbívoros que se alimentam de partes do corpo dos produtores. Os animais são consumidores de compostos orgânicos, que usam para converter nos seus próprios e para gastar como combustível, mas não fabricam compostos orgânicos a partir de matéria inorgânica, como a água, o dióxido de carbono e os sais minerais. Os predadores que se alimentam de outros animais são apenas consumidores de segunda, de terceira ou de quarta ordem…

Acontece que todos os seres vivos produzem resíduos: folhas mortas, dejectos, cadáveres… Ora, como sabemos, estes materiais apodrecem, às vezes com odores desagradáveis, e decompõem-se nos seus constituintes minerais. A decomposição é feita por seres microbiológicos (bactérias, protozoários e fungos) ou de tamanho macro (como outros fungos - por exemplo bolores - e pequenos animais dos solos e de troncos caídos).

Se não houvesse decompositores, as florestas «afogavam-se» na «manta morta» que todos os outonos se desprende das árvores, e não havia superfície disponível para mais cadáveres de animais ou os dos nossos tetravós, assim como os dos tetravós deles, etc.

O que também não havia era a mesma disponibilidade de elementos minerais para as plantas voltarem a fabricar alimento. Quebrava-se o ciclo. A matéria tem um fluxo circular nos ecossistemas, que a reciclam continuamente, no que usam energia solar. Essa energia é de fornecimento contínuo, e não cíclico, porquanto a que se gasta hoje já não está disponível amanhã.

José Batista d’Ascenção