domingo, 27 de abril de 2025

Em que condições se fazem visitas de estudo nas escolas?

Em 26 de Abril de 2022, numa visita com alunos de 11º ano ao Porto, no momento da partida chegou um autocarro de dois pisos em vez de dois autocarros comuns, como havia sido combinado, faltando um lugar disponível. Para não comprometer a visita, aceitei viajar, na ida e no regresso, sentado nas escadas entre os pisos, violando a lei e contrariando as regras de segurança. Se tivesse havido uma travagem brusca e me tivesse magoado, percebe-se facilmente a quem seria atribuída a culpa…

Em 31 de Março de 2023, numa visita às grutas de Mira d’Aire e às pegadas de dinossauro da Pedreira do Galinha, com alunos de 11º ano, um dos autocarros teve de estar permanentemente com o motor a trabalhar, mesmo durante o período de merenda porque, no dizer do condutor, se parasse não funcionaria mais. Foi assim que esteve ininterruptamente durante as mais de onze horas de viagem… Se fosse Verão, o que poderia ter acontecido? Este incidente não foi o único nesse ano. Numa ida aos passadiços do rio Paiva, organizada por colegas meus, o autocarro fez a viagem de regresso engrenado sempre na mesma velocidade, sem abrandar convenientemente em rotundas nem parar em sinais de «stop», por falta de caixa de velocidades…

Em 16 de Abril de 2024, em nova visita de estudo ao Porto, também com alunos de 11º ano, a planificação da visita começou no início do ano lectivo, mas, duas semanas antes de se efectivar, ainda os professores não dispunham de orçamento que permitisse informar os alunos de quanto iam pagar. Um terço dos alunos da minha turma já não quis participar, o que me deixou na iminência de ter de adiantar o dinheiro por eles, circunstância que não chegou a acontecer.

Quarta-feira passada vi imagens televisivas (da estação SIC, na imagem acima) de um autocarro em chamas, onde iam quarenta crianças, duas ou três das quais tiveram de ir ao hospital.

Este ano lectivo declarei-me indisponível para participar em visitas de estudo se as mesmas não revestirem modalidade legal mais favorável de organização, como em toda a minha vida profissional aconteceu, sem que tivesse havido qualquer problema em qualquer altura.

José Batista d’Ascenção

Fermentações (III): alguns aspetos comparativos das fermentações alcoólica e lática (texto para alunos do ensino secundário)

As fermentações são vias catabólicas para obtenção de energia (ATP), muito comuns em microrganismos. As fermentações alcoólica e lática são basicamente a glicolise (etapa de transformação da glicose em ácido pirúvico), seguida da redução do piruvato, com formação de etanol, no primeiro caso, e de ácido lático, no segundo. Na glicolise formam-se dois ATP por cada glicose consumida, um rendimento baixo, de cerca de 2%, do total da energia acumulada na molécula (orgânica) da glicose. Como os produtos finais das fermentações incluem sempre compostos orgânicos, caso do etanol na fermentação alcoólica e do ácido lático na fermentação lática, é nesses compostos orgânicos que está contida a restante energia (que estava na glicose e não foi extraída, porque a glicose não foi completamente oxidada). Para demonstrar que o etanol é uma substância (ainda) rica em energia basta tomar uma pequena porção e pegar-lhe fogo, para vermos como se inflama vigorosamente (o etanol pode ser usado como combustível automóvel).

As fermentações não podem, portanto, ser a (ou ser a única) via de obtenção de energia em seres vivos complexos, muito exigentes energeticamente, uma vez que o seu rendimento não lhes permitiria a sobrevivência.

Se repararmos, em termos da produção de energia, a sequência de reações da glicolise devia ser suficiente, pois é nela que é produzido o ATP. A fase seguinte, de redução do piruvato, é, porém, absolutamente necessária para permitir a continuação (repetição sucessiva) da glicolise, ao regenerar a forma oxidada de uma coenzima - a NAD+ (nicotinamida adenina dinucleótido), que intervém nas reações de oxidação-redução da glicolise, convertendo-se de NAD+ em NADH durante essas reações. A não ser assim a glicolise bloqueava, por não haver NAD+ disponível (a coenzima estaria toda na forma reduzida, NADH), parando a sequência de reações e bloqueando a obtenção de energia (ATP).

Relativamente à fermentação alcoólica em Saccharomyces cerevisiae, levedura que também pode respirar aerobiamente (consumindo oxigénio - O2), é frequente encontrar um erro (antigo e persistente) que refere que aquele fungo unicelular respira se tem O2 e fermenta na ausência deste gás (em anaerobiose). Ora, não consta que os padeiros retirem o O2 dos espaços de panificação durante o levedar da massa e é bem sabido que a massa levedada cheira a álcool; como também não há notícia de que o O2 seja removido das adegas, durante a fermentação, para o vinho conter álcool… O que se passa é o seguinte: se o açúcar (glicose) é abundante, a Saccharomyces cerevisiae não se dá ao trabalho de respirar, fermenta simplesmente, esteja ou não em presença de O2. Contudo, se a concentração de glicose for muito baixa e a levedura estiver «esfomeada», digamos, e houver O2, então é ativada a via respiratória aeróbia, que é muito mais rentável energeticamente: 30-32 moléculas de ATP, em vez de duas, por cada molécula de glicose degradada – um rendimento 15 a 16 vezes superior.  

José Batista d’Ascenção.

sábado, 26 de abril de 2025

Fermentações (II): a fermentação lática (texto para alunos do ensino secundário)

Outro exemplo de um processo fermentativo é a transformação do leite em iogurte, por ação de bactérias láticas. O fundamento da obtenção de iogurte a partir do leite reside na transformação da lactose - o açúcar do leite - em ácido lático (a lactose é previamente desdobrada em galactose mais glicose, sendo a galactose isomerada em glicose, e é com a glicose que se inicia a primeira etapa da fermentação - a glicolise. À glicolise segue-se a redução do ácido pirúvico a ácido lático). A equação geral é a seguinte:

C6H12O6 (glicose) → 2 C3H6O3 (ácido lático) + 2 ATP (energia útil)

Em consequência da produção de ácido, o pH desce e a maior parte das proteínas do leite, com destaque para a caseína, alteram a sua estrutura (desnaturam), coagulando. Ao leite coagulado, com sabor azedo, devido à presença de ácido, chamou-se iogurte.

Como se vê, as pessoas que são intolerantes ao leite, ou melhor, à lactose, podem consumir iogurte, uma vez que, no iogurte, a lactose foi degradada, por fermentação, dando lugar a ácido pirúvico que, por sua vez, é reduzido a ácido lático. A conversão do açúcar do leite em ácido lático pára quando todo o substrato (lactose) tiver sido transformado em produto (ácido lático), ou seja, quando já não houver lactose.

O queijo, se resultar apenas da coagulação do leite, sem transformação da lactose (sem fermentação lática), continua a conter aquele nutriente, e por isso é, tal como o leite, um alimento impróprio para as pessoas com intolerância à lactose.

Em bactérias láticas, a produção do resíduo ácido lático pode conferir-lhes vantagens ecológicas para além da obtenção de energia. De facto, a acidificação que ocorre no meio torna-o desfavorável para uma variedade de outros micróbios que competem com aquelas bactérias, as quais, dessa forma, dispõem dos nutrientes só para si, podendo então aumentar o seu número.

A fermentação lática pode ocorrer nas células musculares humanas, em casos de insuficiência de aporte de oxigénio para a respiração aeróbia. Nesse caso, porque dispõem das enzimas necessárias, essas células podem recorrer àquela via fermentativa para obterem um suplemento de energia - ATP.

No nosso intestino também ocorrem fermentações. De algumas dessas fermentações libertam-se gases – os gases intestinais. Porém, há fermentações como a fermentação lática (na via metabólica que estamos a considerar, sendo que há outros tipos...), que não é predominante no intestino, em que não ocorre produção de qualquer gás. Na conversão de piruvato (ácido pirúvico), composto com 3 carbonos, em lactato (ácido lático), outro composto com 3 carbonos, não há descarboxilação, pelo que é impossível a libertação de CO2. Porém, no intestino humano, como se disse, ocorrem várias fermentações, e não faltam aquelas que originam a produção de substâncias gasosas…

José Batista d’Ascenção

quarta-feira, 23 de abril de 2025

Fermentações (I): a fermentação alcoólica (texto para alunos do ensino secundário)

As fermentações são vias catabólicas para obtenção de energia. Trata-se de sequências de reações em que cada uma delas é catalisada por uma enzima. Por definição, os produtos finais das vias fermentativas são compostos orgânicos ou também incluem compostos orgânicos. Os compostos orgânicos possuem energia química, o que significa que, no catabolismo fermentativo, não é extraída toda a energia química potencial do substrato inicial. Ou seja: o seu rendimento energético é baixo.  

Com interesse direto para o ser humano, particularmente no campo da alimentação e da produção de bebidas alcoólicas, as fermentações são muito importantes. 

Um exemplo de fermentação com importância fundamental na alimentação humana é a fermentação alcoólica. Esta fermentação, realizada por estirpes selecionadas da levedura Saccharomyces cerevisiae, está na base da produção de pão (é ela que constitui a pasta de fermento comercial de padeiro que faz levedar a massa…). A farinha é rica em amido. O amido é hidrolisado em maltose. A maltose é degradada (hidrolisada, também) em glicose. A glicose é o substrato inicial da primeira sequência de reações da fermentação, chamada glicolise, em que se ganha energia útil (sob a forma de ATP) e que termina na formação de ácido pirúvico; uma segunda etapa - chamada redução do ácido pirúvico - completa o processo fermentativo, com formação de dióxido de carbono e de álcool etílico. O processo ocorre segundo a equação global:

C6H12O6 (glicose) → 2 C2H5OH (etanol) + 2 CO2 + 2 ATP (energia útil)

Na panificação, o que interessa é a libertação de CO2, que faz crescer (levedar) a farinha humedecida (massa), antes de ir ao forno, razão por que o interior do pão fica com uma estrutura vacuolar (aspeto esponjoso, quando o abrimos ou cortamos). Devido à elevação da temperatura durante o cozimento, a expansão do CO2 fá-lo libertar-se e o etanol é também perdido por evaporação. Por vezes, em fermentações caseiras, o fermento fica contaminado por bactérias que realizam outras fermentações que não a alcoólica. Nestes casos, a libertação de produtos variáveis, como resultado de diferentes fermentações, entre as quais a fermentação lática (1), confere ao pão sabores diversos, nem sempre agradáveis.

Na vinificação (fabrico de vinho) e na produção de cerveja o que interessa é a produção de etanol (álcool etílico), próprio das respetivas bebidas. Em certos casos, os produtores de vinho adicionam açúcar ao mosto (sumo da uva), o que resulta num aumento de substrato que, por fermentação, vai ser convertido em etanol, aumentando a graduação (teor alcoólico) do vinho. Em qualquer dos casos, a quantidade de álcool obtido é sempre de duas moléculas de etanol por cada molécula de glicose consumida. É por isso que os vinhos feitos de uvas menos doces (com menos açúcar) têm menos álcool do que os vinhos feitos de uvas mais doces (com mais açúcar). A fermentação alcoólica do vinho termina por duas razões: pelo consumo do substrato (açúcar) e pelo enriquecimento do meio em etanol o qual, a partir de certa altura, se torna tóxico para as próprias leveduras, eliminando-as.

(1) sobre fermentação lática, ver texto seguinte.

José Batista d’Ascenção