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Não vai bem a escola pública (do ensino básico e secundário) em Portugal. O mal é profundo, vem de longe e nunca foi prevenido nem atacado a montante. Demasiadas vezes, a classe foi envolvida em lutas que fugiam ao cerne da acção pedagógica fundamental. Lutas que os professores não conduziam e que muitos deles desconheciam e dispensariam, amarradas a frenesins reivindicativos que não podiam ser bem acolhidos pela sociedade e que conduziram ao desprezo pelos docentes.
À origem do mal não escapam as instituições universitárias que diplomaram (os) professores, apetrechando-os com supostas ferramentas pedagógicas cuja fundamentação prática, em muitos casos, foi ausente ou inadequada, ou meramente idealista e teorética, motivo por que baquearam perante a realidade e só artificial e ilusoriamente persistiram no tempo.
A formação contínua de que os professores deviam beneficiar foi contaminada por muitos protagonistas sem a qualidade desejável, realizada mais para efeitos formais do que para enriquecimento efectivo, o que redundou na desilusão de uns, no desprestígio de quase todos e na quase ausência de melhoria real da prática docente.
A definição de um estatuto da carreira docente e a torrente de legislação permanente, desde então, alcandorou uns e terraplanou outros, contemplando todo o tipo de formação, ministrada por quaisquer escolas ditas do ensino superior, e determinando injustiças e falhas no ingresso, na avaliação (indigente), na progressão e no desempenho, em somatório crescente sem resolução até à embrulhada actual.
A profissão docente viria a sofrer interferências de personalidades e entidades diversas, das áreas da sociologia, da psicologia, da psiquiatria e da assistência social e, mais tarde, de supostos especialistas e agentes interessados no apoio à deficiência. Palestras sem conta, alguns livros e muitos artigos de imprensa pretenderam mostrar aos professores como é que eles deviam/devem ser professores. Hoje, essa faculdade alargou-se a qualquer cidadão, incluindo os que têm assento nos conselhos de turma de avaliação dos finais de período lectivo. De um tal «movimento» resultou a desclassificação dos professores, que passaram a uma espécie de funcionários limitados às ordens recebidas, de preferência sem (se) questionarem.
Como os professores eram em grande número e isso impressionava o poder, os políticos/sociólogos modificaram o modo de gestão das escolas públicas, criando assembleias/conselhos sem maioria de professores para escolha das direcções. Formalmente democráticos, estes órgãos, com relevância legal, têm uma prática burocrática tendencialmente anódina (o que pode ser um bem), pelo que, as melhorias, se passaram a existir, não são perceptíveis. E as direcções, em muitas escolas, continuaram com os mesmos líderes, dirigindo da mesma maneira, não sem alguns conflitos estéreis de chefias e facções intra ou entre órgãos com visões divergentes. Nos conselhos pedagógicos, a tendência (de incluir muitos membros além dos professores, alguns sem qualquer capacidade para a função) também se verificou, tendo sido morigerada mais tarde (ao tempo de Nuno Crato). Os benefícios nunca foram visíveis e hoje, o que devia ser um órgão nobre do funcionamento das escolas passou, basicamente, a uma sucessão de reuniões, por vezes excessivamente longas, para ratificação formal das mais variadas irrelevâncias de penosas teias legais.
Além dos alunos na sala de aulas, restam aos professores instituições e pessoas credenciadas que lhes proporcionam apoio e acompanhamento científico e pedagógico, prestados, nalguns casos, por dever cívico militante e não por qualquer estímulo ou reconhecimento formal, de que, de resto, esses verdadeiros formadores não precisam e dispensam.
Compete aos docentes não desaproveitar essa ajuda, tanto quanto devem exigir o direito a ensinar e instruir. A acção educativa fundamental que se deve exigir aos professores radica essencialmente nessas funções, como o sabem os pais que educam os filhos e os levam à escola para ela continuar o que, de outro modo, não seria possível. É também aí que os professores põem em prática o seu nobre exercício de cidadania. Claro que há sempre metodologias diversas, e assim deve ser, pelo que o exemplo e as suas necessárias adaptações são de valorizar, tanto como a (muito) necessária investigação (séria) em pedagogia desenvolvida perante alunos concretos, não enviesadamente seleccionados.
Já não enobrece a profissão docente a própria legislação (é exemplo o artigo 8 do Dec.-lei nº54/2018) quando vai ao ponto de fornecer uma extensa listagem de «acomodações curriculares» (99) distribuídas por categorias (4) que incluem, por exemplo, «fazer revisões utilizando questões semelhantes às dos testes» (medida E17) ou «realizar testes com consulta do livro» (medida E22).
A pedagogia não se faz por receita nem por formulários. Sem professores com sólida formação de raiz e a necessária actualização ao longo da profissão, com autonomia, em observância de leis claramente redigidas e em número não maior que o necessário, não há boa prática pedagógica nem é possível ensinar bem e fazer aprender com qualidade as crianças e os jovens. Escrevi ensinar, pela relevância da palavra.
José Batista d’Ascenção