terça-feira, 27 de julho de 2021

Sobre a (imparável) sucessão de reformas do ensino básico e secundário (neste caso de matemática)

Por João Nuno Tavares, Professor associado aposentado, do Departamento de Matemática da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. Excerto de artigo no jornal «Público» de hoje [pg. 27 da versão impressa]


[…] «Têm as comunidades científicas dado contributos substantivos que ajudem a superar uma eventual impreparação científica dos docentes?

E os exames? Como se avalia o sistema? Através de diretrizes ministeriais, despachos normativos e uma burocracia asfixiante, descrita num dialeto difícil de decifrar, que sistematicamente invade as escolas, pressionando, muitas vezes de forma pouco disfarçada, no sentido de “dourar” resultados e estatísticas, para inglês ver! Os exames são o único meio de avaliar se um sistema funciona ou não. Pode ser essa a sua principal missão, sobretudo nos níveis mais básicos de aprendizagem. Aboli-los é um crime de consequências imprevisíveis. E que se acabe de vez com a ideia de que ensinar e aprender têm de ser atos lúdicos. Não há aprendizagem sem sacrifício, sem dor, sem conquista. Pare-se de vez com o chavão lúdico à força, que muitas vezes roça o ridículo, o caricato, a palhaçada. Aprender exige disciplina, esforço, repetição, aquisição de mecanismos e, finalmente, avaliação. Afirmar o contrário, pior, implementar o contrário, é criar seres indigentes, incultos, sem referenciais éticos e humanistas, num mundo cada vez mais carente desses valores, para fazer face aos enormes desafios que a atualidade coloca ao planeta e à própria sobrevivência da espécie.

Grandes artistas, músicos, poetas e outros criadores começaram por copiar os seus antecessores, imitando-os pura e simplesmente para dominar as técnicas já experimentadas e validadas. E só depois se emanciparam. A aprendizagem é cumulativa e só depois poderá ser (consistentemente) disruptiva. O solfejo aprende-se de forma automática, não de forma racional e muito menos lúdica. E não há músico, compositor ou executante que não o use…» […]

Afixado por: José Batista d’Ascenção

quinta-feira, 22 de julho de 2021

Ensinar sem programa(s)

Ensinar com maus programas é difícil, mas sem eles não é mais fácil.

Por despacho (n.º 6605-A/2021, de 06 de Julho) os programas que havia das diferentes disciplinas deixaram de vigorar. As orientações programáticas relativas aos conteúdos de cada disciplina restringem-se agora às “aprendizagens essenciais» que incidiam sobre os programas revogados. Na disciplina de biologia e geologia do ensino secundário limitam-se a escassas 11 páginas, em cada ano (incluindo a introdução de 2 páginas em cada), cujo conteúdo é, em grande parte, banal e genérico.

Como planificar e orientar o ensino assim? Não é difícil que as escolas passem a divergir grandemente nas planificações e nas estratégias lectivas. E, nos casos de disciplinas com exame nacional, mais ainda do que já acontece, os professores vão, provavelmente, orientar-se mais pelo que supõem que possa sair em exame do que pelas parcas e vagas linhas programáticas, o que é uma inversão do que seria desejável. Ou seja: o IAVE passa a ser a entidade “definidora” (mesmo que involuntariamente) e condicionadora da actividade lectiva.

Era (d)isto que precisávamos?

Sempre fui defensor dos exames nacionais. Mas não assim.

PS: Este texto está hoje publicado no jornal «Público».

José Batisa d’Ascenção

segunda-feira, 12 de julho de 2021

«Para que servem estes exames? Para que serve o Iave?»

«Para nada».

Perguntam e respondem os professores de física e química A (do ensino secundário), Carlos Portela e Maria José Varela, em artigo muito sério, no jornal «Público» de hoje (pg. 8 da versão impressa).

Este texto devia ser de leitura obrigatória para todos os cidadãos portugueses com mais de dez anos capazes de o fazer.

Felicito os autores, a quem agradeço. Apesar de não concordar com a resposta, porquanto, exames assim causam injustiça na avaliação dos alunos e descredibilizam a Escola, particularmente os professores, o que é (ainda) pior do que "não servir para nada". Já nem falo do papel ingrato dos docentes "correctores" que são obrigados a trabalhar para o "funil" de ingresso no ensino superior, como se essa devesse ser uma função sua. E muito menos me queixo da ausência de qualquer remuneração para tal trabalho, ao contrário do que foi prática durante muitos anos.

José Batista d'Ascenção

sexta-feira, 2 de julho de 2021

Sucesso escolar em tempos de pandemia – a principal razão

 

O jornal «Público» noticiava ontem (pg. 15 da versão impressa) que os resultados escolares melhoraram nos últimos dois anos. O “sucesso” «bateu recordes». Nada que (me) espante. As razões do facto são (bem) apontadas por Paulo Guinote, professor do 2º ciclo do ensino básico, e (mal) pelo presidente da Associação Nacional de Directores de Escolas Públicas (Filinto Lima), que recusa a ideia de facilitismo (que ideia!) e (menos mal) pelo director da Escola Secundária de Camões (João Jaime), em Lisboa.

A meu ver falta o factor principal, que é… a (nossa) falta de rigor.

Quem (como eu) participa nos conselhos de turma (reuniões de avaliação) assiste ao característico apelo ao “bom senso” e à insistência (“pedagógica”) em que se tenha em conta a situação vivida pelos alunos, motivo por que que a avaliação não deve “prejudicá-los”. Enfim, um certo discurso de comiseração (para mim uma ladainha) que deixa de lado a devida objectividade, porquanto:

- os professores ensinaram pior (pelo menos eu);

- os alunos aprenderam menos;

- os dados da avaliação à distância não são fidedignos, como todos sabem, embora haja quem prefira negá-lo;

- os exames do ano passado (os que houve) foram chocantemente facilitistas [na realidade mal feitos, o que não significa que os dos anos anteriores, pelo menos os de biologia e geologia, fossem bem elaborados e conformes com os programas (eles próprios muito discutíveis…)].

As “notas”, portanto, só podiam subir.

Ironicamente, podíamos (até) dizer que, se a pandemia continuar, resolve(re)mos o problema do insucesso. À nossa maneira, claro.

José Batista d’Ascenção.

PS: Este texto está publicado no jornal «Público» de hoje.