quinta-feira, 15 de junho de 2017

À volta da mesa se sentam os amigos

Da mesma proveniência académica ou de instituições diferentes, tendo passado por escolas diversas, da cidade de Braga, do concelho, da região ou do país, às vezes as mesmas, chegámos, a maior parte de nós, à ESCA em anos diferentes, mais jovens, cheios de energia e de expectativa e de desejos e de sonhos. Havíamos de construir uma juventude de formação sólida e por via dela uma sociedade mais justa e um país mais desenvolvido. Dedicámo-nos com gosto e com empenho. Concordámos e discordámos, fomos iguais e diferentes, não abdicámos de ser cada um igual a si próprio, como todos gostamos de ser e como gostamos que cada um dos outros seja. No início de cada ano lectivo, olhámos com ternura e simpatia os mais novinhos que foram chegando. Encorajámo-los na sua disponibilidade e procurámos aprender com os seus contributos. E em cada Junho-Julho, vimo-los partir com alguma pena, pela incerteza do seu futuro profissional e porque já faziam parte de nós e da «nossa casa». Aos que já se retiraram profissionalmente, guardamo-los no peito. E sentimos que estão connosco, no exemplo que nos deram, no carinho com que nos trataram e na saudade que nos deixaram.
A nossa casa profissional é a ESCA, uma escola de liberdade, onde, por esse motivo, sentimos a responsabilidade aumentada, mas não por qualquer espécie de imposição hierárquica interna, explicita ou dissimulada. E por isso gostamos muito da «nossa escola», por comparação com qualquer outra, mas sem desdouro para nenhuma. Ao longo do tempo houve turmas mais fáceis e mais difíceis, alunos brilhantes em matéria de aprendizagem de conteúdos, de procedimentos, de atitudes e de sentimentos e outros que não conseguimos que brilhassem em alguns ou mesmo em todos aqueles aspectos. Mas não desistimos porque, em termos de consciência, primeiro, e de pedagogia, depois, não seria legítimo que o fizéssemos. Às vezes foi e é difícil. Muito difícil. Por isso, não raro, amparamo-nos uns aos outros, tentando minimizar a angústia e as feridas, próprias e alheias, sejam as mais visíveis, porque expostas, ou aquelas que intuímos que magoam em silêncio. Mais ou menos atentos, procuramos dar ânimo a quem, momentaneamente, (nos) parece mais combalido. E como esse amparo, por vezes discreto, sabe bem! Também temos a humildade e a generosidade de pedir conselho ou de esclarecer dúvidas quando as solicitações são mais que muitas e o cansaço se agiganta aos nossos ombros. E se não apagamos a dor do peito de ninguém, muitos de nós beneficiaram do afago sentido e próximo dos restantes e da força e do carinho que tão eficazmente nos souberam transmitir. Com a prática, por vezes tão dolorosa, que temos vindo a adquirir, temos o consolo de pensar que muitos olhos se dirigem permanentemente de todos para cada um de nós e vice-versa. O tempo continuará a sua marcha inexorável, e o labor, e a burocracia, e a vontade de fazer o melhor possível, e a doença que se vai insinuando, e a falta de forças que às vezes sentimos, e a desautorização que chega, não raro por via legal, de onde não era suposto, e tudo o mais que o destino nos reserve, não hão-de apagar nem esmorecer esta sensação de bem-estar que conseguimos junto uns dos outros, de preferência à volta de uma mesa. Como agora.
Juntos faremos o caminho, caminhando.
Em homenagem à vida e a esta amizade que não morrerá em nós, coroemos este momento com um grande e belo e bom e fraterno abraço.
Obrigado.

Braga, aos catorze de Junho de 2017.

José Batista d’Ascenção

Adenda 1
Texto lido em jantar dos professores de biologia e geologia da Escola Secundária Carlos Amarante (ESCA), em Braga, na data indicada.

Adenda 2
Suponho que por um certo recato e timidez, que compreendo, num ano difícil para “o grupo”, os organizadores preferiram um momento de confraternização restrito aos professores no activo. Outra era a minha preferência: como, desde há bastante tempo, me sinto velho – atenção, “velho”, sobretudo aplicado a pessoas, tem para mim uma conotação benigna e apaziguadora – cada vez mais necessito do amparo das referências de tempos anteriores como das dos mais novos, que olham com candura a minha vetustez. Árvore que (já) sou de muitos Invernos e Primaveras fazem-me tanta falta as raízes de sempre como os renovos do presente. Sem as primeiras e sem os segundos, nada sou. Pelo que, mais cedo do que tarde, muito gostaria de suprir esta “falta”.

Sem comentários:

Enviar um comentário