Interessado que sou na opinião dos professores sobre as condições do exercício da profissão, e tendo trabalhado com o autor na mesma escola (a secundária D. Maria II, em Braga), durante quatro anos (1995/96-1998/99), tive curiosidade na leitura deste livro.
Desde as condições socioeconómicas e experiências vividas pelo autor enquanto aluno, passando pelas muitas e variadas funções docentes ou relacionadas que desempenhou, incluindo a sua formação pessoal (valores éticos e morais, princípios filosóficos, sentimentos e reflexões), os seus objectivos (enquanto pessoa, cidadão e profissional), e as influências que assimilou, ao longo de 36 anos de serviço em várias escolas, quase todas de Trás-os-Montes e do Minho, até ao pedido de rescisão (em Setembro de 2014), tudo isso e muito mais consta neste livro. Vicente Ferreira desenvolve exaustivamente os acontecimentos que viveu, sem cair em acusações, no caso dos menos bons, e referindo profusamente os nomes dos envolvidos, particularmente nas vivências boas: alunos, professores, funcionários, personalidades e entidades.
Os «cânones» de funcionamento das nossas escolas do ensino básico (de que só conheço por experiência o 3º ciclo) e secundário, do pós-25 de Abril, estão factualmente explanados na obra. E não cobrem de dignidade nem o ministério da educação, nem os professores, nem as direcções das escolas, nem os seus conselhos pedagógicos, nem as estruturas hierárquicas externas que existiram em tempos, como as coordenações de área educativa ou as direcções regionais de educação (do Norte, neste caso), nem os sindicatos, nem as inspecções. Também não escapam à pena analítica e documental de Vicente Ferreira as insuficiências pedagógicas da formação de professores que ele mesmo viveu numa escola superior de educação, ao tempo em que se profissionalizava. Viria, porém, a descobrir, por autoformação, por um lado, e pela frequência de cursos, por outro lado, a importância da preparação pedagógica dos docentes, fundada nas ciências da educação, que reputa de fundamental.
Mas não se pense que o livro contém um repositório ácido do que de menos bons houve e há nas escolas portuguesas. Obstinadamente laborioso e organizado, Vicente apresenta muitos aspectos positivos da acção dos professores e das escolas, quer os que protagonizou quer aqueles que acompanhou ou de que foi testemunha, na condição de docente (de matemática), director de turma, coordenador de departamento, elemento de equipas de direcção ou o seu líder, entre muitas outras funções.
Da parte do livro respeitante aos anos em que trabalhámos na mesma escola e em que ele continuou por mais dois anos, depois de eu sair, não me espantam os problemas terríveis que refere, por admitir que situações daquele teor possam não ter sido raras, na região e no país. Não o afirmo para desvalorizar o ocorrido, nem a denúncia em tempo próprio, nem a análise posterior, mas antes para acentuar o dever e a coragem necessária à oposição assumida e ao registo para memória futura.
Na página 192, faz o autor referência à sua participação numa actividade promovida pelo então director do departamento do ensino secundário, em 10 de Outubro de 1997, a qual, nas suas palavras, foi «uma iniciativa que tinha em vista conferir centralidade ao comportamento ético das entidades e das Instituições Educativas». Lembro-me: também participei nesse acontecimento, mas na vertente relativa ao currículo, por indicação da então presidente do conselho directivo da Escola Secundária D. Maria II, Luísa Vilaça. E do que foi a minha participação dei conta em texto intitulado «Ensino Secundário – que orientações?», publicado no jornal «Público» de 29 de Outubro de 1997, na página 12.
De Luísa Vilaça me ficou grata recordação. Quando, em 1998, por razões pessoais, me submeti a concurso para mudar de escola, logo ela se me dirigiu para me dizer, com carinho, que ficava à espera que eu fosse à secretaria, dentro do prazo permitido, retirar o boletim de candidatura. Encontrei-a vinte anos depois num jantar de solidariedade e troquei com ela um abraço sentido e comovido durante largos segundos. Por isso, li com especial agrado o que no livro se regista, na página 237: …«pensando bem, ela [Luísa Vilaça] foi a única que nada ganhou com aquilo tudo»…
Vicente Ferreira é um homem de princípios e de fé. É também um homem de convicções e de crenças. Como ele, penso que a ciência tem de fazer luz sobre os actos de ensinar, com as devidas implicações na psicopedagogia. Mas não julgo científicos certos preceitos que extravasam do que considero ciência aplicável à acção educativa, como é o caso da máxima «aprender a aprender», que não me parece mais que uma expressão artificial e genérica, incapaz, como outras, de conduzir à solução dos problemas de insucesso na aprendizagem. Abundam métodos e técnicas de educação que procuram revestir-se de verniz científico, mas que, na prática, carecem de eficácia cientificamente demonstrável. Até agora, não dispomos de opções metodológicas universais que funcionem eficazmente com todas as crianças, e muito particularmente com as que são socioeconomicamente desfavorecidas. Daí o meu respeito pela heterodoxia das práticas pedagógicas. À falta de melhor. E para não irmos ao engano…
Ao Vicente: um obrigado, pelo testemunho.
José Batista d’Ascenção
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