domingo, 8 de março de 2020

Propostas para o ensino secundário, de há quase vinte e cinco anos (a propósito do texto anterior, e como foram publicadas então)


«Enquanto docente do ensino secundário, coube-me participar nas actividades do «Encontro no Secundário» realizado na Escola Sá de Miranda, Braga, no passado dia 10 de Outubro [de 1997], promovido pelo Departamento do Ensino Secundário (DES). Os temas a tratar passavam pela estrutura, pelos currículos, pela autonomia e pela importância dos valores. O objectivo era a discussão e recolha das opiniões dos professores sobre cada um daqueles temas.
Causou-me alguma surpresa, logo na abertura, a insistência dos representantes do DES em que não se pretendiam mudanças profundas, nem as expectativas deviam ser colocadas muito alto. Pensei: e se houver alterações significativas consensuais a propor após a discussão? Por outro lado, se não se pretendiam grandes alterações, porquê e para quê a reunião?
O grupo de trabalho em que fiquei incluído tratou especificamente dos currículos/programas/aprendizagens.
Houve unanimidade em que as horas lectivas são excessivas para os alunos, embora eles devessem permanecer o mesmo ou até mais tempo na escola. Foi viva a discussão sobre a utilidade/inutilidade de algumas disciplinas, designadamente as de técnicas laboratoriais independentes das disciplinas teóricas (…) Houve consenso sobre a inadequação, a desarticulação e o carácter estanque de muitos programas. Foi apontado que os programas deveriam ser estudados para possibilitarem condições efectivas de interdisciplinaridade e definirem para cada disciplina um núcleo de conteúdos comuns a todo o território nacional. Deveriam, porém, deixar uma margem para a abordagem de assuntos de carácter regional ou local ou permitirem trabalho de projecto, de acordo com o interesse dos alunos e da comunidade educativa, motivação e competência dos professores e condições de funcionamento das escolas. Em alternativa, restariam sempre alíneas programáticas de interesse a desenvolver, complementar ou aprofundar, impedindo vazios programáticos.
Nesta perspectiva, a área-escolas foi destacada como área curricular sem condições de concretização, porque na prática surge como um suposto remédio para a falta de interdisciplinaridade nos programas, e para a sua inadequação e desligação do real, com tradução directa no desinteresse dos alunos. Como até há bem pouco tempo todos os programas eram demasiado extensos e os professores tinham que justificar o seu eventual não cumprimento, compreende-se a antipatia pela área-escola. Se a isto se juntar a falta de meios e de espaços das escolas e a dificuldade de fazer encontrar todos os professores de uma mesma turma sem que nenhum deles esteja a faltar a outras turmas, percebem-se as dificuldades… (…) A área-escola foi referida como devendo passar a ser facultativa no ensino secundário, especialmente no 12º ano. Só quando os programas contiverem sementes, abrirem as portas e estabelecerem pontes entre si e com o «mundo real», só quando as condições materiais e de funcionamento das escolas se modificarem é que os (nobres) objectivos da área-escola poderão ser cumpridos. Mas, então, talvez se deva mudar-lhe o nome, devido aos anticorpos que já criou e a fizeram fenecer…
(…) Sobre as provas globais foi consensual que não cumprem os objectivos para que foram criadas e que reúnem, nos actuais moldes, excessivos aspectos negativos.
(…) A acção terminaria com um plenário, onde as conclusões de cada grupo de trabalho deveriam ter sido apresentadas e comentadas de modo resumido. O signatário interrogou a mesa  sobre a necessidade de se percorrer um caminho, porventura difícil, na definição e clarificação de valores que devem enformar o perfil do aluno no final do ensino secundário. A resposta viria de um elemento do DES, em termos de grande enfado e inadequação, com significado que só se pôde interpretar como uma fuga ao assunto.
O apelo final da direcção do DES consistiu no mesmo comentário de não se esperarem grandes mudanças nem se colocarem muito alto as expectativas. Que pena!, digo eu. Porque entendi útil a discussão, e porque me ficaram dúvidas sobre se alguns aspectos úteis dessa discussão vão servir para alguma coisa, quis produzir este escrito.
José Batista d’Ascenção.»

In: jornal «Público» de 29 de Outubro de 1997, página 12

Adenda: Ironicamente, várias das propostas feitas vieram a ser concretizadas: mudança de programas e disciplinas, fim e substituição da área-escola, fim das provas globais, definição (mais recentemente) do perfil dos alunos à saída do ensino secundário. No entanto, em minha opinião, o ensino não está melhor…

José Batista d’Ascenção

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