domingo, 13 de novembro de 2022

A nossa língua e o ensino

Na aula (sobre expansão dos fundos oceânicos) calculávamos a velocidade de afastamento de dois pontos situados em placas litosféricas diferentes (por exemplo nas ilhas das Flores e da Graciosa, nos Açores), em movimento (geológico) divergente, e de cada um dos pontos em relação à origem da deslocação, a meio da distância entre os dois (na zona de rifte).

Para esquematização dividimos o quadro ao alto, a meio, e proponho que titulássemos:

- à esquerda: se considerarmos a velocidade de afastamento de qualquer dos pontos em relação ao rifte;

- e à direita: se considerarmos a velocidade de afastamento das ilhas uma em relação à outra.

A aluna, no quadro, escreve: «se considerar-mos…»

Nenhum dos alunos dá por nada. A minha cara deve ter sido de poucos amigos, pelo que a menina, hesitante, pergunta:

- Setôr, «considerarmos» existe?, não deve ser «consideramos»?

Repliquei: se eu considerar, se tu considerares, se ele considerar, se nós considerarmos… etc.

E insisto: - Isto diz-lhes alguma coisa?

Mutismo.

Mando então que seja eliminado o hífen.

E logo um rapaz muito vivo, lá ao fundo:

- Mas então, não tem que ter tracinho?

Sai-me, num grito: - Burro!

Nunca na minha vida tinha dito tal coisa a um aluno. Além do mais, a minha expressão era tão dolorosa e revoltada, quando falha de objectividade. E logo o reconheci.

Para minha surpresa, o rapaz sorri abertamente e faz questão de dizer:

- Não há problema nenhum.

Resta acrescentar que nem aquele aluno nem a generalidade dos alunos daquela turma (de 10º ano), incluindo a menina que estava no quadro, têm falta de inteligência. Nem de simpatia nem de boa educação, já agora.

A desgraça vem do estado a que a «escola» chegou, qual seja a de que muitos alunos não percebem o que os professores dizem, nem entendem o (pouco) que lêem.

Curiosamente, ainda há poucas horas ouvi o novel líder do PCP afirmar, no início do seu primeiro discurso, que, «se dúvidas houvessem»… (sic), e referir, pouco depois, que as crianças têm direito a ser felizes e a aprender…

Lá direito têm. Ou deviam ter.

José Batista d’Ascenção

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